Com o cintilante fragor do relâmpago, a pesquisa Datafolha hoje divulgada pela Folha de S.Paulo anuncia o começo tonitruante e avassalador da derradeira fase da campanha. Depois de apenas três dias do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, lança para as alturas a progressão de Dilma Rousseff e assesta duríssimo golpe na postulação de José Serra. Em longínquo terceiro lugar, a candidata Marina Silva continua a patinar na própria aparente irrelevância.
Dilma Rousseff, com os seus 47%, já se elegeria no primeiro turno. José Serra, depois da longa jornada em que liderou as pesquisas, como aqueles esfuziantes corcéis que fraquejam ao entremostrar-se na reta final a meta, agarra-se a meros 30% dos sufrágios. Já Marina Silva é a única que não discrepa do passado, continuando a seguir em monótona andadura de 9%.
Estariam então decididos os comícios de três de outubro ? Mesmo na terra do já ganhou, se afigura arriscado que alguém se aventure a proclamar o triunfo de Dilma com sete semanas de antecedência. Não obstante, batalha muito importante foi vencida. Além do significado de Dilma Rousseff vencer em três regiões do Brasil e estar praticamente empatada no Sul, um desenvolvimento dessa ordem e em fase tão incipiente da campanha oficial, tem um efeito multiplicador respeitável.
O único tópico em que houve avanço de Serra – o da pesquisa espontânea – o acréscimo foi de somente um ponto (de 16% para 17%), enquanto Dilma aumentou de 26% para 31%. Por outra parte, esse dado desvela que o núcleo duro dos partidários do tucano apresentou mínima alteração, que não há de refletir-se no cômputo agregado daqueles que contam sufragá-lo no primeiro turno.
A intenção de voto por região assim se decompõe: Sudeste – Dilma (42%) e Serra (33%); Sul – Dilma (38%) e Serra (40%); Nordeste – Dilma (60%) e Serra 22%); e Norte/Centro-Oeste – Dilma (50%) e Serra (27%). Dilma cresceu em todas as regiões (5% no Sudeste; 4% no Sul; 11% no Nordeste; e 7% no Norte/Centro Oeste). Por sua vez, Serra caíu em todo o país: (2% no Sudeste; 1% no Sul, onde ainda lidera; 3% no Nordeste; e 6% no Norte/Centro Oeste.
É interessante notar que a terceira colocada, Marina Silva cresceu em duas regiões, 2% no Sul e 1% no Norte/Centro Oeste. Já no Sudeste e no Nordeste, ela caíu em 3%.
Também na estratificação por gênero, os resultados são favoráveis a Dilma: ela consolida a sua vantagem no voto masculino, passando de 47% a 52%, e passa à frente no feminino, de 35% a 43%. Serra, por outro lado, cai 1% no voto masculino e quatro por cento no feminino.
No momento presente, os sinos tocam em dobre pela morte anunciada da candidatura de José Serra. Na imprensa, os primeiros comentários apontam para as evidências de uma eleição cujo destino já está selado, a par de uma verdadeira avalanche a três de outubro, com resultados que tendem a reverberar em muitos outros candidatos da sigla tucana e/ou da oposição a Lula/Dilma.
A discórdia e a cacofonia são velhas características de postulações que fazem água. Que dizer então daquelas que soçobram de forma assustadora ? Os tucanos nunca se assinalaram pela união. A própria chapa de Serra sofreu o desgaste da negativa de Aécio Neves, que acreditou ter a argúcia do avô ao não atender ao apelo da cúpula do PSDB, enquanto pensava haver-se melhor no bloco eu-sozinho, com cliente provinciano. Ao julgar cuidar dos próprios interesses, poderá estar reeditando a sorte reservada ao abraço dos afogados, como observou colunista da Folha.
Não é de estranhar que os aliados do PSDB sofram da comichão irresistível da traição. Antes mesmo da débacle desta pesquisa, já se falava sobre cristianizações várias. Se terá sido Benedito Valladares o prógono dessa punhalada pelo voto – que elegeu em 1950 Getúlio Vargas com folga sobre o nominal candidato do PSD, Cristiano Machado – a prática é hoje bem mais desenvolta e sequer semelha ter vergonha do próprio desrespeito à palavra e ao compromisso assinado.
Se José Serra continuar na sua linha esquizofrênica – procurando dissociar a criatura do criador, e ao mesmo tempo tentando pateticamente associar-se à própria nêmesis, como que afirma eis Lula, de quem sou, apesar de tudo, amigo, amigo sim, apesar de que ele seja também o meu inimigo ! – não há dúvida de que a sorte esteja selada.
A coerência é fundamental em qualquer candidato. Até o presente, Serra, com todo o seu passado e toda a sua fé de ofício, não é mais do que uma sombra. Prolonga na campanha presente a medíocre postura de seu partido, que por oito anos teve pejo de fazer oposição. Se não há uma linha alternativa de governo que seja crível e tenha personalidade própria, a sapiência do eleitor há de ignorar os pálidos matizes e agarrar a realidade de uma presença que paira nos 75% das preferências.
Sem embargo, a frase de Magalhães Pinto – como na mineração, na eleição só depois da apuração – deveria ser tomada a sério por José Serra. Decerto que ele enfrenta agora a sua maior crise. Todavia, se tiver presente o sentido primeiro desta palavra – que nos vem do grego krisis – que implica em escolha, ele carece, nesta vigésima quinta hora de coragem, confiança e clarividência. Tais ocasiões, por separarem o joio do trigo, tem a sua recôndita utilidade. Se ele souber empolgar o momento, livrar-se dos disfarces e dos penduricalhos inúteis, e assumir a própria identidade – que o trouxe até esta soleira – quem sabe não logre ser ouvido e mostrar ao eleitor, esta criatura tão volúvel e impressionável, por que ele mereceria receber o seu voto de confiança.
( Fonte: Folha de S.Paulo )
sábado, 21 de agosto de 2010
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