Como interpretar a presença do Presidente Lula no primeiro dia do horário de propaganda gratuita da televisão ? Dado o caráter inédito de tal participação que como imensa sombra paira diante do espectador e futuro eleitor, é importante que se analise o significado tanto político, quanto constitucional da postura. Este ‘fato novo’ está na contramão de toda a experiência pregressa no período da reconstitucionalização, assim como nos conturbados tempos da Constituição de 1946, em que presidentes como Juscelino Kubitschek agiram com a isenção que deve ser o apanágio do Primeiro magistrado da Nação.
As possíveis dúvidas acerca da figura dominante de Lula na estreia do horário eleitoral se dissipam como tímidas névoas matinais diante do contraponto presidencial com a sua candidata Dilma Rousseff, a par da menção no jingle do candidato José Serra que, apesar de apresentado pela oposição, tudo faz para evitar aparecer como contestador do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O programa eleitoral coloca diversas questões legais e constitucionais. Como entender as intervenções do Presidente Lula, de Porto Velho, Roraima, e de Dilma Rousseff, no Chuí, nesses pontos extremos do país, na promoção da candidatura da ex-Ministra da Casa Civil, e em seguida a aparição ainda na residência oficial do Presidente da República, o Palácio da Alvorada, um lugar público, pago até o último centavo com o dinheiro do contribuinte ?
Com essa tonitruante abertura, em que, de Pernambuco, o Presidente chegou a comparar Serra com a situação dele em 1994: “Vivi isso. O povo votava no Real e me lasquei.” É bom assinalar que o cotejo pode ter uma vaga parecença, mas as duas imagens contrapostas são radicalmente diversas. O Real não foi visto entrando em estúdios televisivos e nem dele se ouviu sequer uma palavra. Já o Presidente Lula, apesar da tardança e da inicial timidez da autoridade judiciária, colecionou multas por propaganda eleitoral fora do prazo. Agora, não é o legado de uma obra meritória, que nos livrou da hiperinflação que se mostra no horário eleitoral; é o criador, intento em divulgar, fortalecer e eleger a sua criatura e pupila, retirada há tempos da algibeira presidencial.
A presente falta de isenção e a despejada atuação presidencial vem hoje condimentada com novo e inquietante acréscimo. Além de por vezes falar como se disputasse a própria sucessão, Lula não mais reporta a sua intenção de uma vez passada a faixa presidencial. Ao invés do refrão anterior – “Vou fazer força para eleger minha sucessora. Depois vou para casa e não vou dar palpite” -, doravante, à vista da miragem prometida da vitória no primeiro turno, o Presidente muda radicalmente de atitude, e afirma: “Quem pensa que vou deixar a Presidência e vou para Paris (...) Não eu vou vir (sic) para o sertão brasileiro. (...) Se tiver alguma coisa errada vou pegar o telefone e ligar para minha presidenta e dizer ‘olha, tem uma coisa aqui errada. Pode fazer minha filha, que eu não consegui fazer.”
A História, este enredo por vezes incompreensível, que chega até a repetir-se em farsa, tem no seu amplo cesto contos que nos lembram que o bicho homem não é tão original assim.
No México, por exemplo, houve um presidente que sucedeu ao assassinado Alvaro Obregón. Chamava-se Plutarco Elias Calles. Havia na Constituição mexicana a determinação peremptória da não-reeleição. Pois o inventivo Plutarco resolveu, findo o seu mandato, contorná-la. Criou, à margem da Constituição, o sistema do chamado Maximato. Na sombra de tal ordem, os presidentes continuaram a ser eleitos pelo povo. No entanto, presidiam mas não governavam. Eram os presidentes peleles (presidentes fantoches). O poder estava nas mãos do Líder Máximo, no caso Plutarco Elias Calles. Sómente, em 1936 Lázaro Cardenas, que se tornaria um dos maiores presidentes mexicanos, após dois anos de governo títere logrou desvencilhar-se do Lider Máximo, a quem despachou em avião para longe do México.
Será que pretendemos imitar o México com a institucionalização de um Maximato caboclo ?
( Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo)
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
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