A última pesquisa do Instituto Datafolha não anuncia a morte da candidatura de José Serra. O Datafolha se assinala, decerto, pela exação e seriedade, e não por acaso tem o trabalho reconhecido com o respeito pela ética e o profissionalismo de seus prognósticos.
Este elogio, devido e dito com o prazer derivado da vivência das boas obras, se reporta ao objeto específico dos dados colhidos e computados pelos seus agentes, que se enfronham, no caso em tela, das indicações várias no vasto campo de colheita, para colocar no papel o sentir da opinião pública em um determinado momento. Da cacofonia dos sons e dos juízos contrastantes moldar,na frieza dos números, a imagem veraz de um sentir transitório.
Que não se apressem aqueles que pensam entrever nessas linhas crítica à validade de tal conhecimento. No passado, tanto o próximo, quanto o já longínquo, diversos candidatos tentaram investir contra as novas a eles desfavoráveis trazidas pelas pesquisas, como se esses dados fossem espúrios, armas do adversário na luta pré-eleitoral. Na mor parte das vezes, se enganavam redondamente, e reeditavam, na pobreza de suas concepções, a quixotesca carga contra os moinhos de vento.
Ao fazer o encômio – desnecessário talvez pela solidez do conceito e da estima atribuídos ao Datafolha – obedeço a contingência que se me afigura esquecida por chorrilho de observações e julgamentos, provocados pela divulgação da citada pesquisa.
Por mais afinado e exato que logre ser, o resultado do trabalho de coleta de opiniões – como a determinação das preferências do eleitor por um candidato, por manifestações provocadas ou espontâneas – não poderá pretender outra coisa que não a aferição no tempo de um sentir específico. Em outras palavras, as pesquisas se escrevem sobre o palinpsesto volúvel e portanto mutável da opinião pública. Elas não mentem, nem é seu propósito iludir. Como a foto magistral de uma cena antológica, elas carecem de ser captadas e compreendidas em tudo aquilo que nos proporcionam e nos transmitem daquele átimo fugidio.
As pesquisas indicam um caminho e uma situação. Constituem esforços louváveis por ajudar a quem disso necessita- escutar o distante clamor, assim como decifrar sinais antes enigmáticos. A pesquisa representa, por conseguinte, a epítome do apoio e da advertência, mas sempre relativo a período determinado. A transitoriedade pode ser válida – quem ousará negá-lo ? - porém sua eventual pertinência, por severa ou promissora que se mostre, nunca alcançará ser vestida com outros panos que os do par de dias em que foi amealhada, cotejada, trançada e ultimada.
Como das sentinelas avançadas e até dos audazes emissários que, sob o manto permissivo da treva, se adiantavam fundo no terreno insidioso das hostes inimigas, as lacônicas informações por eles transportadas, a preço por vezes da própria vida, elas têm a utilidade preciosa acerca do instante único de determinada trajetória. A informação não pode ser completa, e nem por isso deixa de ser válida.
Por precisa e veraz que ela seja, no entanto, não lhe é dada a ambição de proporcionar dados e elementos não compreendidos naquele tempo a que corresponda a sua ação.
Não obstante essas considerações - que pelo seu caráter poderiam até ser tachadas de tautológicas, tão evidentes semelham à luz da razão – foram abraçadas por muitos como se ao invés do mônito de um gesto, relevante sem dúvida, mas sempre atinente a um ponto em uma trajetória, elas foram erigidas em verdades perenes e imutáveis, dignas de serem cinzeladas no mármore dos grandes eventos públicos.
É difícil não suspeitar que, por motivos vários, inclusive os inconfessáveis, a nova anunciada pelo Datafolha foi acolhida com ânsia pressurosa, que ora podia derramar-se em expressões de mal disfarçado júbilo pela suposta desgraça do candidato José Serra.
Antes de ocupar-me de tais comportamentos, creio oportuno que se tenha presente distinção relevante entre as crenças da Antiguidade e a profissional frieza dos cômputos do Datafolha.
Quando os antigos se animavam com os prenúncios transmitidos por oráculos, pitonisas ou entranhas de animais interpretados pelos harúspices e outros adivinhos, importa assinalar que, embalados pela superstição, eles ouviam vaticínios sobre o futuro querido pelos deuses. Não falavam, por interposta pessoa, as divindades sobre esta ou aquela tendência. Ao contrário, exibiam para os infelizes mortais qual seria o porvir que lhes esperava.
Como não penso que o Datafolha recorra a tais métodos, nem se preocupe com projeções futuristas, não posso evitar paráfrase do escritor e humorista Mark Twain. A Folha de S. Paulo, no meu entender, extrapolou o significado da pesquisa do instituto Datafolha. Ao invés de sinal de desvantagem na preferência da opinião pública, ou até mesmo de indutor de uma crise na postulação presidencial do candidato Serra, resolveu ler o seu resultado como veredicto, sentença inelutável da empresa cívica que é partilhada por milhões de brasileiros.
A liberdade de imprensa é garantida pela Constituição Cidadã. Isso, nos tempos que correm, a despeito do silêncio prolongado dos confrades acerca da inconstitucional censura imposta ao Estado de São Paulo, e da sua escandalosa permanência por mais de ano. As eventuais falhas não nos induzirão jamais a descrer da validade desta cláusula pétrea da Constituição. Por isso, se aceito da Folha o direito de opinar como bem lhe parece, devo confessar que vislumbro um certo exagero na proclamação da suposta inevitabilidade da derrota do candidato do PSDB a cerca de sete semanas dos comícios de três de outubro.
Igualmente me parece que no seu editorial “Avesso do Avesso” , de 21 de agosto de 2010,a direção da Folha haja cometido outros exageros, e desvelado uma sanha desmesurada, em que certos limites usuais do convívio humano e civilizado não tenham merecido a atenção a que fazem jus. Dessarte, depois de declarar, e cito:
“Mais difícil ainda, contudo, quando em vez de um político disposto a levar adiante suas próprias convicções, o que se viu foi um personagem errático, não raro evasivo, que submeteu o cronograma da oposição ao cálculo finório das conveniências pessoais, que se acomodou em índices inerciais de popularidade, que preferiu o jogo das pressões de bastidor à disputa aberta, e que agora se apresenta como “Zé”, no improvável intento de redefinir sua imagem pública.”
É forçoso admitir que são palavras duras, até cruéis, com que o editorial fustiga o candidato culpado de desvantagem na pesquisa. Quiçá até o redator dessa verrina tenha tido intuição de haver transposto algum limite, eis que se apressou em aditar, para compreensível assombro do leitor:
“Não é do feitio deste jornal tripudiar sobre quem vê, agora, o peso dos próprios erros, e colhe o que merece.”
Mas o ímpeto é demasiado forte, e o platônico corcel empolga na paixão os frágeios freios da razão, e dessarte conclui a peça:
“Numa rudimentar tentativa de passa-moleque politico, Serra desrespeitou não apenas o papel, exitoso ou não, que teria a representar na disputa presidencial. Desrespeitou os eleitores, tanto lulistas quanto serristas.”
Aí entra outro exagero e já bastante próximo de o que causou a célebre expressão de Mark Twain. Fazer o necrológio político de José Serra é uma empresa pelo menos dúbia, porque adentra as névoas de um futuro que até hoje, por motivos deploráveis ou não, foge da capacidade humana em determinar.
Nesse contexto ingressa um artigo de novel sucessor de Clóvis Rossi, que o autor não se peja de titular como o ‘Pós-Serra’.
Não valhe a pena adentrar-se nas linhas acima referidas. Não sei se o volúvel e inaferrável futuro o fará arrepender-se de havê-las escrito. Isso, contudo, é coisa de somenos.
Para o candidato José Serra o que importa é olhar para frente, determinar com a assistência de seus próximos o que terá motivado a inflexão na sua curva de preferências, e o que doravante deve fazer, armado de confiança e perseverança.
Serra não carece de comparações. Tem uma biografia de homem público, traçada ao longo do tempo com coragem, determinação, coerência, cultura e integridade. A respectiva fé de ofício dele constitui a sua publicidade melhor, porque independe dos truques e enfeites dos consultores políticos. O seu estilo – que, como Buffon nos ensina – é o reflexo do homem já representa apresentação bastante. Serra, seja você mesmo, e como velho caminhante avance na sua trilha. Os cães da lenda podem continuar latindo, mas o destino de sua progressão está marcado e a seu alcance. Por vezes, um instante difícil o olhamos mais tarde com satisfação, eis que nos liberou das falsas peias e nos rasgou a senda que lhe é predestinada.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
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