quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Oposição, Caráter e Campanha Presidencial

Colocado em inferioridade pela pesquisa mais séria, a do Instituto Datafolha, o candidato José Serra do PSDB, resolveu assumir postura mais afirmativa e agressiva, buscando passar para a opinião pública postura pró-ativa e oposicionista. Se a continuidade é algo a ser perseguido – como o foi pelo próprio Lula, ao acatar a política-econômica financeira de FHC – não se deve confundi-la com falta de personalidade. A assunção de um lulismo ersatz[1] não impressiona o eleitor. Na ausência de um propósito claro de mudar o que está errado, este mesmo eleitor há de preferir a duplicata do presidente em função, e não pálida e inofensiva alternativa que sequer ousa na prática chamar-se de oposicionista.
Para que se tenha uma campanha digna de tal nome, o debate presidencial Folha/UOL terá contribuído para ensejar escolha mais clara e determinante, através da apresentação ao público de propostas críveis e originais.
O debate não foi modorrento, nem falto de emoção. Serra chamou Dilma de “ingrata”, quando declarou: “Você tem fixação no passado, no Fernando Henrique Cardoso.. Você é ingrata com o Itamar e com FHC, porque eles fizeram o Plano Real,a Lei da Responsabilidade Fiscal,o Fundef.”
José Serra disse também que Dilma copiara sua proposta de implantação do Ambulatório Médico Especializado (AMES), insinuando que o PT deixava o trabalho sujo a cargo de sindicalistas. E mais uma vez, lançou dúvidas sobre a competência de Dilma Rousseff. “Esse negócio de DEM parece brincadeira. Você também não está preocupada, Aí, algum assessor te deu isso e você vem querer criar dificuldade.”
Já no segundo bloco do debate, Serra disse que, após o vazamento da prova e de dados, o Enem estava “desmoralizado”.
Sem responder na substância, Dilma optou por afirmar que acha “um absurdo um candidato à Presidência vir aqui dizer que o Enem está desmoralizado.”
Como a candidata oficial repetisse que uma lei impedia investimento em saneamento sem que houvesse custeio de Estados e municípios, Serra não vacilou em replicar que ela divulgava uma “mentira”. E valendo-se do termo vazamento, ele voltou à carga: “Vocês quebraram o sigilo bancário de um vice-presidente do PSDB (Eduardo Jorge Caldas Pereira). Você disse que não tinha acontecido, chegou até ameaçar a processar e depois isso aconteceu.”
A evolução do debate levou Dilma a despojar-se da calma, quando o assunto foi carga tributária em contraposição à falta de investimentos em saneamento. Taxou os números de Serra de antigos, de 2008. Evitando olhar para o adversário, tentou ironizar : “É bom atualizar o número para saber se de fato essa afirmação tem consistência.” Em resposta, o candidato tucano disse que ela estava desinformada sobre o que acontecia no próprio governo: “PIS/Cofins sobre saneamento aumentou de 3% para 7,6%. Isso foi feito no seu governo, e com você, segundo se diz, coordenando o governo.”
Dilma chegou a pedir direito de resposta, diante da assertiva de Serra que o governo era marcado por um “troca-troca desavergonhado”. A direção do debate não a atendeu.
Quanto à terceira candidata, talvez induzida pelos assessores, resolveu liberar-se da sua isenção anterior. Resolveu entrar para o que parecia uma linha auxiliar de Dilma Rousseff. Especulou-se que a sua postura oportunista se devia por julgar que só teria chances de crescer às custas de Serra. Foi o que disse alto um petista: “Isso é efeito da pesquisa; ela só vê chance de crescer em cima do Serra.” Dada a sua patética e linear permanência nos dez por cento de preferência, tal opção oportunista, se esquecida a sua motivação de sair do PT, pode ser até inteligível, dentro do atual ambiente político.
É esse ambiente algo mefítico que não deve ser tratado como um cenário irrelevante e não merecedor da necessária exposição e condenação. É preciso não esquecer que os comportamentos sectários ora prevalentes não são inevitáveis, nem inextirpáveis. Miriam Leitão em sua coluna de ontem nos diz: “O Brasil perderá esta eleição, independentemente de quem vença, se ficarem consagrados comportamentos desviantes assustadoramente presentes na política brasileira. Uso de um fundo de pensão para construir falsas acusações contra adversários, funcionários da Receita acessando dados protegidos por sigilo, centrais de dossiês montados por pessoas próximas ao presidente.”
Sabe-se que muita vez uma eleição pode ser perdida menos pela eloquência do candidato da oposição, do que por um erro da situação. A respeito, temos o exemplo do chamado episódio dos aloprados, descoberto pela Polícia Federal, às vésperas do primeiro turno de 2006. Por causa dessa revelação e do fato de ter ido parar na soleira do Partido dos Trabalhadores, a vitória de Lula no primeiro turno se esfumou, com o súbito crescimento do candidato Geraldo Alckmin.
Haverá algum outro erro calamitoso, a castigar a cultura do dossiê e do golpe sujo? É dificil de dizer, mas decerto mais difícil ainda será a eventual participação de uma Polícia Federal a serviço do Brasil e não de um partido, eis que estranhamente foi imposto, como um raio em céu sereno, um drástico corte nas verbas dessa instituição que tanto tem feito no combate ao crime, corte esse que lhe impede de sequer, às vezes, servir-se das próprias viaturas. É deveras estranho que uma medida como essa tenha sido admitida sem reclamo pela própria direção da P.F. É ainda mais estranho que o tema seja tratado com as luvas de pelica das tímidas alusões...

( Fonte: Folha de S. Paulo)
[1] substituto

2 comentários:

lila disse...

Continuo sentindo a necessidade de um historico, isento e claro, das ações do atual governo e do governo anterior, considerando, em todas as áreas, suas ações e seus respectivos escândalos.
Para uma leitora comum como eu o texto é rico em informações mas não desenha o quadro político na sua totalidade. Está muito difícel de entender a conjuntura atual.

Mauro M. de Azeredo disse...

Compreendo as motivações da leitora Lila. Neste blog, no entanto, tem sido expostos e analisados muitos aspectos critícáveis da atual administração. O objeto dos presentes debates não é histórico, contudo, mas voltado para o futuro, prometeico, portanto. Com base nas deficiências verificadas, notadamente, saúde, saneamento básico, infraestrutura em geral, aparelhamento do estado pelo partido, o escopo da oposição é propor clara alternativa para o eleitor. Os dois candidatos têm que ser pesados pela sua respectiva experiência e traquejo, tanto política quanto administrativa. Não é hora de olhar para trás e sim para frente o futuro (tendo o presente de nosso entorno e determinando se com ele estamos satisfeitos). Esta é no meu entender a tarefa precípua tanto de quem analisa, quanto de quem vota.