O Conselho Nacional de Justiça representa um inegável progresso, porque possibilita certo grau de controle da magistratura. Criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, seu Corregedor é ministro do Superior Tribunal de Justiça, e seus membros se decompõem em nove representantes da magistratura, dois membros do ministério público (federal e estadual) e quatro civis, sendo dois advogados e dois cidadãos de notório saber jurídico. Os mandatos são de dois anos, admitida uma recondução.
O conceito do controle externo da magistratura é decorrência do princípio latino quis custodiet ipsos custodes ?[1] Esta é uma antiga preocupação do legislador. Provém da necessidade de evitar abusos e transgressões de autoridades, quer executivas, legislativas ou judiciárias, para que os direitos dos súditos (e posteriormente cidadãos) sejam adequadamente respeitados, sob a égide da isonomia e da equidade.
Isonomia é a igualdade prevista na lei, aplicável a todos sem exceção. O fato de existirem foros especiais para determinadas autoridades não implica, contudo,que a lei (nomos) deixe de ser cumprida. Se há jurisdições especiais, é, em tese, para assegurar que os direitos do réu sejam respeitados, mas, repito, a circunstância de ser um outro foro não deverá acarretar punições diferenciadas para delitos iguais, uma vez determinada a culpabilidade.
A aplicação da equidade reforça o princípio da isonomia. Nos casos de lacuna da norma escrita, visa a garantir que os princípios da justiça sejam aplicados egualitariamente. Nesse campo, como ensina a sabedoria popular, não deve haver dois pesos e duas medidas.
Em função da Constituição Cidadã, de cinco de outubro de 1988, havia a difusa consciência da necessidade de algum controle do Poder Judiciário. A autonomia dos Poderes é princípio universal das democracias, mesmo no caso das monarquias constitucionais. A autonomia, no entanto, carece de ser exercida dentro de certos parâmetros de equidade e legalidade. A total falta de parâmetros legais pode implicar em abuso de poder e consequente desrespeito à isonomia.
Na Itália, que tantas contribuições têm prestado à evolução do direito, a atual Constituição prevê o controle externo da magistratura, exercido por conselho presidido pelo Presidente da República. Para o constituinte italiano do pós-guerra, tal função confiada ao Presidente da República se coaduna com o caráter parlamentarista do regime, eis que o poder executivo é exercido pelo Primeiro Ministro, cabendo precipuamente ao Presidente da República atribuições de caráter cerimonial. Dessarte, o controle da magistratura dado a conselho chefiado pelo Primeiro Magistrado da Nação não infringe o equilíbrio dos poderes, o que ocorreria se fosse atribuída tal função ao chefe do poder executivo.
Nos Estados Unidos, se a igualdade dos poderes republicanos é garantida pela Constituição, dentro do princípio dos checks and balances[2], os juízes, mesmo os da Suprema Corte, são passíveis de processo de impeachment, que no caso envolve a decretação do impeachment pela Câmara de Representantes e o julgamento respectivo pelo Senado. Também os juízes da Suprema Corte são passíveis desse processo, como foi o caso do juiz Douglas, embora nas duas tentativas para afastá-lo a tramitação não tenha chegado ao Senado.
No Brasil o chamado controle externo da magistratura não foi implementado plenamente. Como se verifica pela composição do C.N.J. o seu controle é exercido pelos membros do judiciário, com a presidência – que cabe ao presidente de turno do Supremo Tribunal Federal - , a corregedoria, a cargo de um ministro do Superior Tribunal de Justiça, e outros representantes dos juízes. São nove os membros do CNJ egressos da magistratura, e seis os membros externos, sendo dois do Ministério Público (um do federal e outro do estadual), e quatro de civis (dois advogados e dois juristas).
Nesses termos, posto que seja um órgão de controle do Poder Judiciário, dada a sua constituição não configura exemplo de controle externo. Afastada no processo de redação das disposições de criação desse instituto de controle a hipótese da prevalência externa desse controle – sob o argumento de que prejudicaria o princípio da autonomia do poder judiciário, o que é, no mínimo, questionável, tendo-se presente as razões e os exemplos supramencionados – o C.N.J. vem atuando desde aquela data com denodo e empenho, na tarefa ingente de melhorar a justiça no Brasil.
Não é aqui o momento para discutir das condições da justiça em nosso país. Basta assinalar no capítulo que a critério de muitos constitui a morosidade o principal problema colocado pela justiça no Brasil.
Entretanto, existe um outro problema, que o julgamento do CNJ de ontem ressalta, embora não constitua fato novo, eis que esse grave desequilíbrio na aplicação da lei já tem sido assinalado anteriormente.
O Conselho Nacional de Justiça decidiu, por unanimidade, punir com aposentadoria compulsória o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina e o ex-vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim. Eles foram condenados pelo CNJ por vender sentenças para a máfia dos caça-níqueis. Receberam a mais alta punição administrativa da magistratura, e a despeito de punidos, ambos terão direito a salário integral. Medina receberá R$25.386,97 mensais e Alvim, R$ 24.117,62.
O C.N.J., por iniciativa do Corregedor, julgou e condenou administrativamente os dois juízes, embora estejam pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal. Provoca espécie em muitos a aplicação da aposentadoria compulsória.
Nas palavras do presidente nacional da OAB, Ophir Filgueiras Cavalcanti Júnior, “realmente é uma anomalia existente no nosso ordenamento aposentar com proventos. (...) É um resquício do tempo da ditadura.”
É importante que o Congresso determine o fim da aposentadoria compulsória para os magistrados. O princípio que todos são iguais perante a lei deveria valer para todos os cidadãos, sejam eles comuns ou não. A democracia agradeceria.
( Fonte: O Globo )
[1] quem vigia o vigia ?
[2] Impedimentos e reequilíbrios.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
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