quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CIDADE NUA IV

Um bom Partido (13)

“ Há tempos que você não aparece...”
“ Não foi por falta de vontade”, respondeu ele.
“ O compadre me dá a impressão de estar meio preocupado.”
“ É verdade...”
“ E qual seria o problema ?”, perguntou ela.
“ O problema, dona Zeni, se chama Raquel.”
A velha sorriu, como quem já está inteirada do assunto.
“ Algo me chegou aos ouvidos...”
Aquele jeito de disse-me-disse não agrada a Álvaro, que por primeira vez a encara.
“ Talvez eu tenha gostado demais da sua indicação.”
“ Álvaro, não se abespinhe. Que eu saiba das coisas, é natural e até bom.”
“ Como assim ?”
“ Estou de fora... as pessoas me falam... então me sinto na obrigação de ajudar.”
Intrigado, ele volta a fitá-la.
“ Será que a senhora poderia ser um bocadinho mais clara ?”
Nesse momento surge a empregada.
“ A patroa chamou ?”
“ Prepara um cafezinho pra nós.”
De novo sós, a velha deixa passar mais um instante.
“ Posso falar com franqueza ?”
“ Mas é óbvio, dona Zeni...”
“ A relação com a Eudóxia anda muito bem, não é ?”
“ De vento em popa.”
“ Por isso, você precisa ter paciência com a sua filha...”
“ Fácil dizer, comadre...”
“ Ponha-se no lugar da menina, Álvaro... A mãe dela morre e logo irrompe em cena...”
“ Dona Zeni !”, interrompe ele. “Sinceramente, não acho muito justa essa sua colocação... Afinal, a moça não caíu de pára-quedas em minha vida...”
A comadre franze a testa e respira fundo. Por um átimo, o semblante se contrai.
“ Álvaro, é bom que não se esqueça que foi você que me pediu para lhe quebrar o galho... Por isso, vamos virar essa página.”
Turbado, porém já arrependido do que dissera, ele anuíu com a cabeça.
“ Quero que me entenda. Faço muito gosto na sua relação com a Eudóxia. Mas também temos de compreender a atitude da Raquel. Para mim, nada é incompatível. Só é preciso dar tempo ao tempo. Junto com paciência, muita paciência. E quando for possível, a gente conversa.”
“ A senhora quer que eu mande a Raquel vir lhe falar ?”
“ Por favor... nem pensar ! seria um desastre ! A iniciativa tem que ser dela...
Aí, se ela vier, porque sentiu a necessidade, é outra história...”
Nesse minuto, chega a bandeja.
Pensativos, ele mais do que ela, os dois vão sorvendo aos poucos o cafezinho.
*

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