sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A Geni da Campanha Presidencial

Depois que a pesquisa Ibope anunciara a passagem para a liderança da candidata oficial, Dilma Rousseff (PT), e, semanas mais tarde, a confirmação pelo Instituto Datafolha desta ultrapassagem, agora com oito pontos de vantagem de Dilma sobre José Serra (PSDB), e com a tantalizante perspectiva da vitória em primeiro turno, aconteceu mudança radical na atitude da mídia, em especial nos doutos colunistas, também na postura de partidos aliados, em particular nas composições estaduais.
Como o personagem de Kafka, de repente o político José Serra, se metamorfoseara em gigantesca barata. Ele, com a sua fé de ofício irreprochável, e que bisa a candidatura à Presidência da República, se descobria em incômodo avatar. Do dia para a noite se torna personagem cuja companhia muitos anteriores ardorosos correligionários ora tratam de evitar.
Estaria acaso em vias de cumprir-se o pesado vaticínio de Marco Aurélio Garcia, que lhe antevia vergonhosa derrota em primeiro e único turno pela novel campeã, Dilma Rousseff. Sim a própria Dilma, a candidata do PT, sem qualquer prévia passagem pelo crivo das eleições ? Como seu Pai político não a veria com orgulho, pelo fato de, apenas tirada da sua algibeira, ela arrebataria o cobiçado prêmio, e da primeira vez ? Como não enternecer-se se ele, o carismático sindicalista, tinha mordido a poeira da derrota em três eleições seguidas, e nas duas vezes em que arrebatara o galardão, só o lograra em segundo turno ?
O fato é que Serra desperta fortes paixões, muitas delas negativas. E o mais notável é que tais sentimentos hajam surgido por causa de suas qualidades. Senão, vejamos. O coronel baiano e senador da república Antonio Carlos Magalhães, o inabalável amigo dos poderosos de turno, tentou por todos os meios demover FHC de nomear Serra Ministro da Saúde. Tentaria por ventura impedi-lo por não julgá-lo à altura do cargo ? Não, muito pelo contrário. ACM antevia a exitosa atuação de Serra na Saúde, e por isso se empenhava, por motivos que mal se chamam políticos, de inviabilizar-lhe a nomeação !
Em outra oportunidade, José Serra colheria o ódio do clã Sarney, pela sua suposta atuação na descoberta e pública exposição dos maços de dinheiro em escritório ligado à nascente campanha pela presidência da Musa das Diretas, Roseana Sarney. Desde o velho patriarca até a sua dileta filha, José Serra seria objeto do rancor daqueles benfeitores por incontáveis lustros do próspero Maranhão.
A campanha de José Serra não tem sido uma progressão sem solavancos. Depois de prolongada tentativa de arrancar-lhe a designação partidária – que o seu mais velho correligionário tratara com simpatia e férrea paciência – Aécio Neves acabou por ceder o passo. No entanto, movido por ignotos sentimentos, negou-se a atender ao reclamo de toda a cúpula tucana, a partir do patriarca FHC. Em atitude que é difícil de ver com bons olhos, recusou formar com Serra a chamada chapa puro-sangue. Deu várias razões,em que o seu companheiro fingiu acreditar. Mas semelha árduo não entrever na motivação mais o rancor do jovem impetuoso que tudo quer e já, do que sensatas considerações que fariam jus a seu avô Tancredo Neves.
Mas voltemos ao momento presente. Estabelecida como a filha dileta de Lula e mãe do PAC, Dilma Rousseff galgou os píncaros promissores nas pesquisas tanto no Datafolha, quanto nos demais com o venerando Ibope à frente.
E mais do que um transitório dado estatístico, sua liderança surgiu para muitos como talhada no mármore ático, e não na cera volúvel dos palimpsestos. O já ganhou assumiu aquela estrondosa quase unanimidade, forjado pela certeza de um suposto movimento inercial inelutável, e pela sofreguidão das coortes de adesistas sinceros, no seu incoercível afã de assenhorear-se do título quiçá rentável de firmes partidários da primeira hora.
É
verdade que na política, há alianças registradas e aquelas de ocasião, sejam movidas pela sede do ganho, sejam as pululantes na cristianização do candidato havido como perdedor. Mesmo nas descaradas traições que não temem mostrar o que são, essa inerente falta de caráter ou de coerência tudo isso pode ser encarado pelo político calejado como fazendo parte do jogo, inda que confinada aos porões da democracia.
Existe, no entanto, um outro campo que, se arremeda o que precede, não obedece aparentemente às mesmas pouco confessáveis motivações de cru e despudorado interesse. Reporto-me à grei ilustre dos chers collègues do jornalismo, e especial aos colunistas, de fama muitas vezes encanecida por longa trajetória. Na palavra dos antigos, seu comportamento suscita estranhável assombro. Quanto mais alto o candidato, mais longos podem ser os punhais dos conjurados e de sua malta de clientes e simpatizantes.
Defronte do irrefragável êxito da Mãe do PAC e herdeira do Pai Lula – sucesso que será eterno enquanto dure – irrompe nesse grupo de nomes que enfeitam as colunas dos jornalões o comovente atropelo de verberar o candidato Serra, culpado do crime capital de ser havido como o perdedor. Terá todos os defeitos e dele serão caladas todas as qualidades. Estas, porque para aqueles que se lançam com gosto contra o leão que reputam ferido de morte, não é hora de encômios.
À vencedora, todos os louros, das batatas aos elogios mais incongruentes!
A quem se proclama derrotado, a estação da caça livre, quando é hora de tirar para fora todas as ofensas, reais ou imaginárias, que tão truculenta e corajosa companhia ora se anima a lançar, como se pedras fossem, sobre a vítima da vez.
Na sua ordem
, unida e desembestada, são rebanho de nomes conhecidos que se crêem confundidos em rebanho de anônimos carneiros.
É um esporte que se pratica, inda que sempre feito sob as alegações as mais fundadas e entranhadas.
É o momento deles, em que melhor se discernem os respectivos semblantes. Jogam pedras na Geni, nesse esporte nacional.
O mais engraçado será a maneira com que torpemente refarão outros caminhos se acontecer algum imprevisto e o candidato dito perdedor, por algum insondável capricho dos deuses, virar ganhador.
E a unanimidade voltará, salvo a temida memória, que só o futuro desvelará.

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