Além da gerontocrática ditadura cubana, onde inexiste liberdade de imprensa, regimes sul-americanos de estampo social-burocrático-sindico-esquerdizante se acham em pleno processo de tentar estabelecer o controle social da mídia.
A máscara autoritária de tais regimes não é um simples disfarce, de que caudilhos, tiranetes e assemelhados se possam desvencilhar. Esta persona é um dos sinais vitais de seu esquema de poder, e a tal ponto ela se acha entranhada na carantonha do regime, que serão vãs as tentativas oportunistas de suprimi-la, inda que por conveniências momentâneas.
Pedir-lhes que não mais invistam contra a imprensa livre, seria mutatis mutandis o mesmo da reivindicação civil a ditaduras militares para que abandonem os fuzis e todos os indispensáveis agregados da repressão.
Os tiranos e todos os seus sucedâneos, nos seus múltiplos avatares, têm horror da má notícia. O paroxismo encarnado por Saddam Hussein – que simplesmente matava os mensageiros de más novas – não é um personagem isolado. Os demais, na sua demonização quer da oposição, quer da mídia, dele diferem não na natureza, mas na aparência. A tal gente igualmente aborrece a notícia contrária, dissonante da imagem de bonança e de ficção triunfalista, que já nos vem dos dias longínquos dos chamados déspotas esclarecidos e de seus cortesãos.
As democracias adjetivadas – de que a queda do muro de Berlim anunciara o inglório, melancólico fim na Europa do Leste – como cabeças de hidra repontam em nosso continente, nas encarnações hodiernas da praga dos aventureiros, caudilhos e generais-presidente de antanho.
A direita e a esquerda , desde que a Convenção da Revolução Francesa as inventou, se subsistem em bolsões doutrinários, as mais das vezes, ou são rótulos que os próprios cabecilhas, no caso da direita, negam despejadamente, ou correspondem a adulteração dos propósitos da esquerda.
Na fieira do proto-ditador Coronel Hugo Chávez Frias, há muitos outros para quem os ideais esquerdistas não passam de pano escasso e sovado, que mal recobre os reais propósitos de ideologia do poder, reedições adaptadas da fórmula peronista do populismo sindicalista. Para os ingênuos, o discurso libertário, posto que vazio. Para os que porventura ousem afrontá-los, a dureza de uma lei feita sob medida, em cortes vários, mas sempre conformes às necessidades e idiossincrasias do homem forte de turno.
Às conquistas da democracia, esses governantes fazem rituais e protocolares homenagens. Cuidam, no entanto, de esvaziá-las ou de retorcê-las. As eleições são sagradas, mas eles têm por elas o rasteiro respeito que antes lhes votavam os señores presidentes do P.R.I.[1]. Cumpre dizer que, ao contrário de seus epígonos atuais, os presidentes do PRI respeitaram o preceito da não-reeleição. Cumprido o sexênio, jamais houve presidente que ousasse pleitear nova eleição. A própria exceção de Obregón confirma a regra, eis que mão assassina o abateu antes de ser empossado no novo mandato. Poder-se-á dizer o mesmo dos atuais presidentes sul-americanos ? Chávez, cuja vida pública se iniciou em tentativa de golpe militar contra Carlos Andrés Perez, e que a partir de 1999 se apossou, pela vontade da maioria, da presidência, ora transformada em um misto de tragédia e farsa, com as encenações da incrível reexumação do Libertador Bolívar, e o prolixo e proliferante desgoverno, que o povo venezuelano depara por toda parte – nas prateleiras vazias dos armazéns e supermercados, nos cortes de energia, na estuante corrupção, no reaparelhamento militar da burocracia, e na explosão da violência comum. Para isso, o líder bolivariano prodiga seus compatriotas com arengas infindáveis e, agora para resolver os efeitos gráficos dos massacres proíbe, através de Judiciário caudatário, a sua reprovável exposição pela imprensa não afinada com a revolução bolivariana.
A censura é uma das filhas mais diletas do regime autoritário, não importa a sua adjetivação. Ao invés de expô-la às intempéries – o remédio cruel que a Antiguidade reservava à progênie indesejada ou deformada – o que assistimos no Equador, de Rafael Correa, na Nicarágua, de um redivivo Daniel Ortega, na Bolívia, de Evo Morales, são intentos de emular o grande modelo, o coronel Hugo Chávez.
E não se diga que os arreganhos da aliança neo-populista e sindicalista se confinem a tais países. A Argentina da sempre jovem Presidente Cristina Kirchner, eleita com a ajuda pouco convencional, embora bastante efetiva, do munificente chefe máximo da Alba, escolheu como sua besta-fera o grupo Clarín, culpado do crime inafiançável e imiprescritível de ser veículo de oposição ao casal Kirchner e ao congregado peronista. Desta feita, a pugnaz Presidente se empenha em tentativa de apossar-se de fábrica de papel, que ora por acaso tem como proprietários os donos do grupo Clarín – La Nación.
Já disse alguém que a história se repete, mas em farsa. Se tudo indica que as acusações da Casa Rosada sejam infundadas, sem embargo Sua Excelência ao buscar apropriar-se do fabrico do papel tenha quiçá em mente a que o longo regime do PRI mexicano utilizou como instrumento de provada eficácia em manter sempre dócil a imprensa azteca. Caso contrário, não teriam papel para imprimir seus pasquins denunciando torpemente as ações bem-intencionadas da administração oficialista mexicana.
Poderemos considerar livre o Brasil de tais perigos ? Diante das repetidas tentativas do P.T. de estabelecer um controle social da mídia, e a despeito dos seguidos malogros de tais empresas – como no primeiro mandato de Lula – e no alvoroço que cercou a divulgação do III Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborado pelo Ministro Paulo Vannuchi, e divulgado na passagem para o último ano do segundo mandato deste Presidente petista, a resposta otimista seria um estentórico Sim. Infelizmente, não é o que prenuncia seja o possível resultado dos comícios de três de outubro, com a vantagem estarrecedora de vinte pontos na ultimíssima pesquisa do Datafolha, atendidas as indicações de que o ditocontrole social da imprensa será deixado como legado por Lula da Silva à sua criatura. Consoante alerta o colunista Merval Pereira, esse designio persiste como se verifica com “o dirigente petista Valter Pomar : tentar desmoralizar os meios de comunicação independentes, para controlar a opinião pública.”
Malgrado a seriedade da ameaça, reforçada pelos sinais de maiorias nada promissoras, pelo inusitado prolongamento de um partido no poder, com os perigos acrescidos do reaparalhamento do estado a seu serviço e ao da outra legenda, o tentacular e oportunista PMDB, e a consequente veia autoritária de quem se propõe policiar a opinião contrastante, naquele caminho fatídico em que oposição vira sinônimo de traição.
É importar não quebrar essa paradigmática e insubstituível frágil plantinha da democracia. A história brasileira – de que os atuais protagonistas não podem declarar-se ignorantes – nos mostra sobejamente dos perigos da intolerância e da imposição.
Para reforçar a nossa democracia, o Supremo deve reimplantar, sem mais tardança, a plena vigência da cláusula pétrea da proibição da censura, sob qualquer forma ou pretexto. Uma sentença que despertou a revolta de tantos não pode continuar a refestelar-se na exibição insolente da vitoriosa proteção concedida ao clã de um gerarca, que muitos afirmaram, açodadamente, já a palmilhar a via crepuscular do longo vice-reinado.
O Brasil deve continuar a ser exemplo para os nossos irmãos latino-americanos de uma democracia jovem sem dúvida, mas sólida nos princípios, e aberta na prática frutuosa do diálogo de iguais, cujas eventuais discordâncias políticas não abalem as vigas do portentoso edifício da Constituição de cinco de outubro de 1988.
A Constituição Cidadã, a que Ulysses Guimarães associa imorredouro o próprio nome, não mereceria outra sorte.
( Fonte: O Globo )
[1] O antigo Partido Revolucionário Institucional que na própria denominação já embutia a sua inerente e cínica contradição.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
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