domingo, 8 de agosto de 2010

A Suprema Corte Americana: Perspectivas

Composta de um Chief Justice e de oito juizes associados, a Suprema Corte é a intérprete legal da Constituição americana. Pode recusar-se a julgar processos, se não os considerar de caráter relevante no âmbito constitucional.
Atualmente, a Corte tem um viés conservador, que resulta de cinco indicações de três presidentes republicanos e de quatro, de dois presidentes democratas. Com efeito, há dois juizes designados por Ronald Reagan (Anthony Scalia – 1986 e Anthony Kennedy – 1988), um por George Bush senior (Clarence Thomas – 1991), e dois por George Bush júnior (John G.Roberts – 2005, e Samuel Alito – 2006). Por sua vez, Bill Clinton indicou Ruth Bader Ginzburg (1993) e Stephen Breyer (1994) e Barack Obama já designou Sonia Sotomayor (2009) e Elena Kagan (2010).
Não há termo de idade para aposentadoria, como os setenta anos no Brasil. É o próprio juiz que opta voluntariamente pelo fim de suas funções na Corte. Agora, v.g., existem quatro juízes com mais de setenta anos: Ruth Ginzburg, com 77, Scalia, com 74, Kennedy, com 74, e Breyer, com 71.
A Corte tenderá a ser o reflexo do partido que tiver ocupado por mais tempo a presidência. Quando Franklin Roosevelt assumiu o poder em 1933 encontrou uma Corte Suprema de estampo conservador, em função da maioria de presidentes republicanos nas primeiras décadas do século XX. Por causa da série de óbices que esta Corte colocou às iniciativas do New Deal de FDR, o presidente intentou aumentar o número de juízes através de emenda constitucional. A sua iniciativa, que malogrou, ficou conhecida como o intento de pack the court (lotar a corte).
Dados os seus quatro mandatos presidenciais – até então era costume dos presidentes americanos exercerem dois mandatos, a exemplo do primeiro presidente George Washington – e com a ajuda das Parcas, Roosevelt foi aos poucos mudando a fisionomia da Suprema Corte, que passou a pender para interpretação mais liberal da Constituição.
Na segunda metade do século XX, houve certa predominância de presidentes republicanos sobre os democratas, notadamente nas três décadas derradeiras. Esse viés conservador se acentuaria no século XXI, com o advento de Bush júnior. Não é irrelevante observar a propósito, que George W. Bush, ganhou no voto eleitoral, por decisão controversa da Suprema Corte, que mandara interromper a recontagem dos votos no estado da Flórida. Bush, minoritário no voto popular, foi o primeiro presidente a ser conduzido para a Casa Branca graças a uma decisão da Suprema Corte.
Entretanto, ainda no século XX, houve um fator determinante que condicionaria a postura do presidente em cujo período ocorresse a vaga na Corte Suprema. Anteriormente – até Dwight Eisenhower (1953-1961) – se a escolha não ignorasse o aspecto político, este não seria o principal,eis que valorizava a qualidade judicial do indicado. Um exemplo eloquente disso pode ser a designação de Earl Warren por Eisenhower. Apesar de nominalmente republicano, Warren presidiria a uma das cortes mais liberais da história americana, famosa por inúmeras sentenças, verdadeiros marcos na jurisprudência (a dessegregação das escolas e o caso Miranda[1] são exemplos).
Esta situação mudaria com a decisão da Corte em 22 de janeiro de 1973. Conhecida como Roe vs. Wade, escrita pelo juiz Harry Blackmun, sob o Chief Justice Warren Burger, a sentença, fundando-se no direito da mulher à privacidade, autorizou a prática do aborto nos Estados Unidos. Cindindo-se a sociedade americana em duas posições, aqueles favoráveis a esta sentença marco na história judicial estadunidense, e os contrários ao aborto (pro-life, i.e., pró-vida). Posto que haja partidários de Roe vs. Wade nos dois principais partidos políticos, não há negar que a maior parte destes se acha no Partido Democrata. Já no Partido Republicano – e isto se tem acentuado com o crescente domínio dos evangélicos – a maioria é contrária à liberalizaçãao do aborto.
Em decorrência dessa divisão nacional e da redução da ala moderada no G.O.P., tornou-se um objetivo da direção republicana – e dos presidentes republicanos – de promover a reversão da landmark decision[2] de 1973. Este processo já foi iniciado com o predomínio conservador na Corte Suprema, através de sentenças que tem paulatinamente restringido o âmbito da liberação do aborto ensejada por Roe vs. Wade.
Nesses termos, houve uma alteração nos parâmetros para a escolha de candidatos a Suprema Corte a serem indicados para a eventual aprovação do Senado. Se a qualidade do designado é um requisito necessário, deixou de ser aquele fundamental. Em caso de presidente democrata, o indicado terá de ser liberal e adepto da sentença Roe vs. Wade. Já na hipótese de um presidente republicano, a ênfase cairá em alguém de linha conservadora, e com uma visão pelo menos restritiva do direito da mulher a abortar. Como muita vez, o Presidente é republicano, mas o Senado é de maioria democrata, dada a extrema sensibilidade do tema na política estadunidense, ao serem inquiridos pela comissão competente os candidatos evitarão se declarar contra a Roe vs. Wade. Fazê-lo seria inviabilizar na prática a própria chance de ser aprovado pelo Senado.
Compreende-se, em tais condições, que a politização da indicação para a Suprema Corte, subordinada à permanência ou não da sentença de 1973 pró-aborto, torna praticamente impossível que um presidente do G.O.P. indique alguém que venha a ser um juiz como o foi Earl Warren.
Atualmente, a Corte tem um viés conservador. Ironicamente, o membro mais conservador da Corte é um afro-americano, indicado por Bush senior. Por força de sua fé de ofício e pouco peso judiciário, a aprovação de Clarence Thomas foi bastante contestada. Bush chamara Thomas para substituir ao grande jurisconsulto – e primeiro negro na Suprema Corte – Thurgood Marshall. O exame de sua indicação assistiu à intervenção de Anita Hill, que acusou Thomas de acosso sexual. A estreiteza de sua votação em plenário espelha essa polêmica (52 a favor, 48 contra).
Incluem-se entre os ultra-conservadores Anthony Scalia, o novel Samuel Alito, e o Chief Justice John G. Roberts, estes dois últimos apontados por Bush júnior. Dessarte, o bloco de ultra-conservadores é integrado por quatro juízes: o presidente da Corte, John Roberts, e os juízes associados Anthony Scalia, Clarence Thomas e Samuel Alito.
A ala liberal é constituída por Ruth Ginzburg, Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan, que acaba de ser aprovada pelo Senado. Teve ela oposição da minoria republicana, que alegou falta de experiência judiciária (apesar de sua atuação como assessora legal de Clinton e de Procuradora da Administração Obama, Kagan não exerceu até agora as funções de juiz), mas contou com 63 votos favoráveis (cinco republicanos) e 37 contrários.
Assinale-se que Obama, apesar de ter indicado já dois juízes para a Suprema Corte antes de completar o seu segundo ano de mandato, não logrou alterar com essas designações o quadro preexistente no tribunal (substituíram a dois juízes liberais, David Souter e John Paul Stevens) – que continua, pois, a ter um viés conservador.
E por quê ? O nono membro, Anthony Kennedy, que é o fiel da balança, pode ser considerado um conservador light. Conquanto a sua fé conservadora não seja tão marcada quanto nos demais, o seu reforço para o grupo capitaneado por Roberts tem ocorrido com certa frequência, como na recente decisão que liberou o montante de dinheiro que as grandes corporações podem dispender em eleições – o que foi exprobado pelo Presidente Barack Obama, em seu último discurso sobre o Estado da União.
Dada a mocidade das indicações de Bush júnior – o chief Justice Roberts com 55 anos e o juiz associado Alito, com sessenta – e a sua orientação de direita conservadora, as únicas perspectivas de alteração no viés da Corte se situam em Scalia (74 anos) e Kennedy (também 74 anos). É de observar-se igualmente que a liberal Ruth Ginzburg tem 77 anos.
Diante desse cenário – e da presente queda na popularidade de Barack Obama – os prognósticos tendem a ser reservados. Se nas eleições intermediárias, houver – como ora se pressagia – uma reviravolta republicana, o Presidente democrata pode ver-se na mesma situação de Bill Clinton em 1994, quando Newt Gingrich e o seu Contrato com a América colocou em maioria o G.O.P. no Congresso.
Obama na última eleição conquistara como o grande comunicador a indicação democrata, ao invés da antes favorita Hillary Clinton, e mais tarde venceria com facilidade o representante republicano John McCain. Como assinalei alhures, Barack Obama enfrenta um quadro relativamente adverso, por causa da prolongada recessão, malgrado os inegáveis êxitos na aprovação das reformas da saúde e financeira (controle dos excessos de Wall Street). Por outro lado, na sua estada na Casa Branca, ele não tem demonstrado os seus dotes de grande comunicador, com atitude de reserva e distanciamento que não o tem ajudado em motivar a opinião pública.
Ainda há tempo até a primeira semana de novembro de o jogo mudar. Por ora, contudo, as prévias preocupam. A volta do G.O.P. à supremacia no Capitólio – sob controle democrata desde 2006 – não seria por certo um desenvolvimento favorável. Teria muitos efeitos negativos nos planos democratas, inclusive para a Suprema Corte.

( Fonte: International Herald Tribune )

[1] Decisão que resguarda os direitos de todos os acusados.
[2] sentença marco.

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