quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O BOM JUIZ

O Ministro Gilson Dipp, atual Corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deixará em breve este cargo, por decurso de mandato. A esse respeito, acompanho esta inexorável transmissão de função, a um tempo com pesar e satisfação.
Ao contrário de que estamos acostumados nos dias que correm, a satisfação é devida pelo seu exercício, que se caracterizou pela correção, coragem e competência no cumprimento de uma função difícil. Pautou-se pela exação no seu trabalho, que bem longe esteve de qualquer mancha de corporativismo, esta praga que se alastra por tantas atividades nesses brasis, e que nada tem a ver com o amor pelo próprio ofício e o respeito a seus colegas.
O Corregedor do CNJ Gilson Dipp teve o respaldo do anterior presidente, Ministro Gilmar Mendes. Por reparos que se façam à atuação deste último, é dever elementar de justiça registrar o apoio prestado pelo Ministro Mendes, enquanto à testa do CNJ, à atuação do Corregedor Dipp.
O pesar acima mencionado é decorrência natural da saída do Ministro Gilson Dipp da corregedoria do CNJ. É um sentimento ambíguo, eis que o informam tanto a consciência de não mais dispor-se de sua válida, afirmativa e não obstante equilibrada gestão, quanto a compreensível dúvida se a sua substituta designada, a ministra Eliana Calmon, se mostrará à altura do desafio de encargo de tal monta. Fazemos votos que a sucessora esteja em condições de patentear o acerto da própria indicação.
Nesses dias em que deparamos tantos motivos de consternação, confrangimento e mesmo revolta, é bom e oportuno assinalar que luzes ainda brilham, e com o fulgor da verdadeira justiça, e que a corrupção, o corporativismo e seu aparentado bom-mocismo, podem ser individuados, combatidos e extirpados, sem embargo da sua rede de apoios, muita vez disfarçados em uma extremada defesa de classe, que não consegue ou não quer distinguir entre joio e trigo, maçãs podres e sadias.
O Ministro Gilson Dipp, natural de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, tem 65 anos e volta agora para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para onde fora promovido em 1998. Por tudo o que fez – e o descriminarei abaixo – e pelo que é, o Ministro Dipp deveria ser indicado para o Supremo Tribunal Federal. De magistrados da sua estirpe, a nossa Suprema Corte será sempre carecedora, e na atualidade, em que a filiação política semelha prevalecer, é mais do que tempo de designar juízes com a fé de ofício de Gilson Dipp.
Na gestão Dipp, como corregedor do CNJ, segundo indica a Folha, trinta e seis magistrados foram condenados (com 18 aposentadorias compulsórias), dezessete tribunais foram inspecionados, e 5.561 titularidades de cartórios, que eram irregulares, foram declaradas vagas.
Com a franqueza, tão diversa dos subterfúgios usuais, Dipp nos diz que nas inspeções nos Estados encontrou mais “maçãs podres” que o previsto. “Nós imaginávamos que os casos de ‘maçãs podres’eram muito pontuais. Na verdade, não foram tão pontuais assim. Isso foi surpreendente, chocante. Mostrou a todos nós que a magistratura não tem uma blindagem contra atos de corrupção e irregularidades.”
No que tange à aposentadoria[1] do ministro Paulo Medina, do STJ, disse: “É sempre muito penoso ser o relator de um processo que investiga um colega de tribunal. No caso, houve a decisão unânime do colegiado de penalizá-lo com a aposentadoria compulsória. Eu e meus colegas de conselho não fazemos isso sem traumatismos.(...) Mas ou assumo a condição de corregedor ou temos que reconhecer que o CNJ não é capaz de tomar decisões drásticas.”
Perguntado sobre a estranha e recente liminar do Ministro Celso de Mello, do STF, que determina a volta ao cargo de dez juízes aposentados pelo CNJ, e se tal determinação comprometeria o Conselho, assim se expressou o Ministro Dipp:
“Absolutamente. É um caso pontual em que houve o afastamento de dez magistrados. É uma decisão ainda provisória, proferida isoladamente” (a liminar do Ministro Mello). “Não vejo como essa decisão comprometa a autonomia do CNJ. O processo veio para cá a pedido do próprio corregedor do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Mas isso são percalços que o CNJ está correndo, correu e vai correr. Há decisões muitas vezes incompreendidas, porque estamos aqui no chão, no front, e não fechados em gabinetes.”
Por fim, o Corregedor que deixa as suas funções, é perguntado acerca do futuro, vale dizer se o presente Presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, há de manter a disposição do antecessor, o ministro Gilmar Mendes, de apoiar as inspeções.
“Ele sempre manifestou a intenção de ser bem intransigente com todos os deslizes administrativos e disciplinares. Sempre recebemos todo o apoio dele. As inspeções e audiências tendem a diminuir. Já sabemos os problemas recorrentes da magistratura. As inspeções no futuro serão pontuais para apurar determinados fatos, mesmo com alguma amplitude. Não serão inspeções que deslocam muitos funcionários.” (os grifos são do responsável pelo blog)
A perplexidade diante da liminar do Ministro Celso de Mello, suspendendo a punição do CNJ aos dez juízes envolvidos em esquema de desvio de R$1,4 milhão de verbas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, tem cabimento, pela lisura do processo realizado pelo CNJ, e pela unanimidade de sua decisão, com a consequente anuência de seu Presidente – e atual presidente do Supremo – o Ministro Cezar Peluso. É de augurar-se que essa liminar caia prontamente, com a confirmação da decisão do órgão constitucional competente, o CNJ.

( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )

[1] Provoca crescente estranheza o privilégio da magistratura em não serem suscetíveis os juízes declarados culpados pela instância competente de, como os seus irmãos brasileiros, sofrerem a pena de prisão cabível no caso. Segundo se propala, a questão está em estudos, porque há uma evidente antinomia com a cláusula pétrea da igualdade de todos perante a lei.

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