Compartilho das reservas do candidato José Serra quanto à magnânima extemporaneidade da concessão da candidata Dilma Rousseff[1], no sentido de que “essa declaração tem certa falta de respeito com as pessoas. É alguém sentando na cadeira[2] a mais de um mês da eleição. Quem vai decidir quem vai sentar na cadeira é o povo.”
E, não obstante a comezinha sabedoria de que não se deve contar com fatos e/ou situações que, embora pareçam prováveis, ainda não aconteceram – e fiquemos no anexim ‘o futuro a Deus pertence’ para evitar os chulos - , se me afigura estarrecedora a alegre desenvoltura de muitos colunistas que ora só se interessam em conjecturas fundadas na base da eleição em primeiro turno da moça tirada da algibeira do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tal sofreguidão em participar, inda que de forma vicária, do anunciado cortejo triunfal tem outra vertente, menos óbvia e confessável, que também se encontra nas folhas dos diários, se bem que felizmente em menor número. Reporto-me aos comentários de alguns medalhões que na ânsia cortesã da lisonja, mesmo nos recorrentes exemplos dos dossiês, só se preocupam em sinalizar as finalidades de tais transgressões, que para eles justificariam os meios...
Por tudo isso, sempre me impressionou o “Vae victis !”[3] dito pelo chefe gaulês Breno, ao jogar sua espada na balança, para determinar o montante do ouro a ser pago pelos romanos para obter a liberação da então nascente cidade de Roma. Duríssimos são os termos impostos aos vencidos, mas pelo menos na Antiguidade se estabelecia a condição necessária da derrota não previsível mas efetiva.
Sem prejuízo de tais considerações, para não fugir de todo da atmosfera que na atualidade prevalece, permito-me acrescentar algumas observações que não são decorrência de nenhuma bola de cristal. Correspondem, na verdade, a consequências possíveis, segundo se verifica pelas lições, quer balbuciadas, quer murmuradas, quer até gritadas pela História, que nos repassa esse estranho personagem, enigma para alguns, mestra para outros, e ledo, desconhecido mistério para os muitos.
Premissa. Para gáudio de seus partidários e dos incontáveis adesistas, Dilma Rousseff vence as eleições (não importa para o argumento se no primeiro, ou no segundo turno).
Efeito panglossiano. A gratíssima candidata, ora eleita presidente, não se esquece nem na transição subsequente, nem em qualquer dia de seu quadriênio, de o quanto deve ao seu criador, o Presidente Lula. A ele permanecerá fiel, ouvindo seus conselhos, atendendo a todos os seus telefonemas e pedidos, dentro do camoniano espírito do “mais servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida ![4]” e, por certo o mandato.
Efeito mexicano. Dilma procura governar, mas na realidade só consegue reinar . O ex-Presidente Lula logra estabelecer um arremedo do chamado Maximato, estabelecido na década de trinta pelo Presidente Plutarco Elias Calles. Obediente à cláusula da não-reeleição, permite os pleitos para os sucessores, que são empossados presidentes mas estes não governam, submetidos que estão ao poder político de Elias Calles. O maximato só terminaria com o presidente Lázaro Cárdenas, e ao cabo de dois anos, quando despacha para o estrangeiro o líder máximo. Esta seria a versão coercitiva do primeiro cenário, em que a servitude seria voluntária.
Efeito brasileiro. Depois de uma respeitosa lua de mel, seja cansada pelas interferências e discordâncias do criador (versão da criatura), seja por repetidas mostras de ingratidão, desrespeito às suas ponderações, e até de traição (versão do criador), a senhora presidente se arvora a ser dona do próprio nariz, e se dispõe a deixar na História a marca gloriosa do mandato que lhe foi cometido, em decisão soberana do Povo brasileiro.
( Fonte: O Globo )
[1] a qual pretende abrir espaço aos concorrentes que quiserem colaborar com seu eventual governo
[2] Alusão à famosa foto de 1985, em que Fernando Henrique Cardoso , então líder nas pesquisas, se deixou fotografar sentado na cadeira do prefeito. A eleição seria ganha por Janio Quadros.
[3] Ai dos vencidos !
[4] Do soneto 88 de Luís de Camões.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
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