De uns tempos para cá, como os leitores deste blog se terão dado conta, malgrado o habitual triunfalismo da Administração Lula e de seu principal preposto na área econômico-financeira, as coisas não andam muito bem no que concerne a alguns dos principais sinais vitais da economia nacional.
Em contraponto à circunstância de que somos a oitava economia mundial, de que não devemos mais ao F.M.I. – com alguma fanfarra o Brasil emprestou cerca de dez bilhões de dólares àquele organismo que antes atazanava nossos ministros da fazenda com suas inspeções e cartas de intenção - , da inflação continuar baixa, e do real, por sua estabilidade, ser das mais prestigiadas divisas entre as potências ditas emergentes, tudo isso sem falar nos alegados escassos danos ( a marolinha ) que a crise financeira internacional nos terá causado. Todo esse infindável discurso que mais parece arenga encomendada a figurões em viagem promocional perante representantes influente do mercado internacional esconde um punhado de fatos inquietantes.
Seria como se no silêncio compenetrado de uma assistência de escol, de repente, na bem ensaiada apresentação de coro e orquestra, não é que, para surpresa do público, se ouvem, entre os maviosos acordes, dissonantes notas de alguns instrumentos, que os fulmíneos gestos e a catadura enraivecida do maestro não logram reconduzir para a colimada harmonia, tão assiduamente perseguida.
Não obstante esses presságios e avisos, para o Ministro Guido Mantega as eventuais dificuldades não constituem motivo de preocupação. Se a folha de notas da economia não motiva os louvores de antes, ele não vê razão para pessimismo. Este seria o teor de sua intervenção e, convenhamos, não é de estranhar. Passada a bonança, e em meio às intempéries, o Ministro da Fazenda terá de seguir esta linha, porque estaria dando um tiro no pé se, ao invés de tranquilizar, emitisse sinais de temor e inquietude.
Quais são essas preocupações, esses traços negros que surgem no horizonte, e que mancham a visão radiosa da continuada progressão macro-econômica ? Dentre tais dados, anota-se o fenômeno da desindustrialização que ora se assinala em nosso país. Como refere Luis Carlos Bresser-Pereira, no final dos anos quarenta, a indústria representava 20% do PIB brasileiro, chegando a 36% em 1985, e, agora, em 2008, baixou para 16%.
O caráter universal desta desindustrialização corresponde à circunstância de que, com o desenvolvimento econômico, aumenta a participação dos serviços sofisticados e, em consequência, cai a participação da indústria de transformação.
No entanto, o fato de acompanharmos a tendência mundial é, na verdade, faca de dois gumes. Por um lado, os países mais ricos passam a deslocar sua mão de obra da indústria para setores de serviços com maior valor adicionado per capita. Infelizmente, não é o nosso caso. Aqui, parte dos recursos antes destinados ao setor manufatureiro, ora se destinam à produção de ... commodities. O Brasil se tornou um grande produtor de produtos de base (soja, açúcar, café, carne, minério de ferro). Se não há, em tese, mal em se tornar um gigante na produção agrícola e de bens primários, essa circunstância se torna menos promissora se simultaneamente decresce o investimento e por conseguinte a produção de bens industriais, seja de baixo ou de alto teor tecnológico agregado.
Como se assinalou em blog recente, o incremento das commodities em desfavor dos produtos industriais não é um índice de real desenvolvimento de nossa economia. Como o valor agregado dos produtos de base, em termos de trabalho, é bastante menor do que os produtos tecnológicos, eles carreiam para a nossa balança comercial um valor menor do que esses últimos.
Assim, o crescimento e o maior peso do setor primário sobre o manufatureiro não é um fator tendente a assegurar o desenvolvimento sustentado de nossa economia. Não se afigura, a propósito, irrelevante indicar que no nosso intercâmbio com a China, estamos servindo de celeiro para a segunda economia mundial. Se se mantiver, no que nos diz respeito, a supremacia comercial chinesa em relação à presença anterior dos Estados Unidos, este fato refletirá a maior ênfase das commodities nesse intercâmbio, o que não ocorria com o americano, em que as nossas vendas tem pauta mais diversificada.
Que outros fatores têm contribuído para esta desindustrialização ? Debelada a inflação pelo plano Real, partiu-se de paridade entre dólar e real, em que a nossa moeda estava desmedidamente apreciada. Esse desequilíbrio terá sido ‘resolvido’ por crises financeiras internacionais, que determinaram a depreciação do real.
Com o real desvalorizado, houve impulso considerável às exportações – tornadas mais baratas em relação ao dólar -, enquanto as importações, encarecidas pelo efeito inverso, eram freadas e, por consequência, reduzidas. Surgiam, assim, vultosos saldos na balança comercial, o que nos habilitava a obter resultados favoráveis no balanço de transações correntes, compensando os deficits resultantes de remessas para o exterior e no setor de invisíveis.
Com a série de medidas tomadas pelas administrações de FHC e Lula, esta mormente no primeiro mandato, caracterizado pela ortodoxia das práticas, as nossas contas foram equilibradas, havendo inclusive saldos substanciais na balança comercial, com efeitos benéficos sobre o balanço de pagamentos. Também o respeito a uma política de superavit fiscal – o montante agregado das receitas da União e dos Estados, reservado para o pagamento dos juros da dívida, teve o efeito virtuoso de reduzir as pressões financeiras, com a eventual formação de saldos – o que acabou levando à nossa posição de credor junto ao F.M.I.
No entanto, ao dever de casa bem atendido na administração Palocci, sucedeu um enfoque diverso no segundo mandato de Lula, em que o setor desenvolvimentista capitaneado por Dilma Rousseff passou a preponderar. Várias oportunidades foram perdidas com incremento irresponsável no setor de gastos correntes. Tais despesas são permanentes e pouco flexíveis. Também inchou o empreguismo estatal, com o peso correspondente nas contas.
Ao contrário das despesas regradas do primeiro mandato, o neopopulismo do segundo determinou um aumento considerável dos encargos. A apreciação do real, por seu lado, implicou em incremento sustentado das importações barateadas, e encolhimento das exportações, encarecidas por nossa moeda mais forte. Se o real forte atraíu muitas inversões, grande parte delas se caracterizava pela volatilidade especulativa. Para manter as inversões estrangeiras em nossa bolsa e mercado, se fez necessário elevar a taxa de juros, a níveis por alguns considerados ridículos, de tãos caros tornavam os empréstimos. Deflui daí que os juros altos dificultavam os investimentos produtivos, por torná-los proibitivos.Por outro lado, constituiam fator relevante para as inversões especulativas, sem escopo empresarial.
Deve-se acrescentar a tais fatores negativos, o baixo índice estatal em termos de investimentos. Além de uma performance mais do que sofrível no que concerne à infraestrutura do país, seja em transportes, seja em saneamento, etc., o advento do PAC representou mais um truque publicitário do que um real contributo para o crescimento de nossa economia.
Outrossim, dados os índices assaz baixos de poupança individual no Brasil, o Governo Lula tratou de suprir essa grave deficiência de crédito, com o recurso às chamadas capitalizações do BNDES, que, por idiossincrasias contábeis, não são incluídas em nossa dívida liquida, e somente na bruta – que não tem feito outra coisa senão crescer, como reportado igualmente pelo blog.
É o conjunto de todos esses elementos – a despeito das tentativas de alavancagem governamentais através da liberalização do crédito comercial e até da desoneração fiscal de bens de consumo duráveis e eletrodomésticos – que vem constituindo motivo para que diversos economistas apontem para os desafios – e os perigos – colocados para a economia brasileira.
A esse respeito, o professor Ricardo Hausmann, diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, afirma, em entrevista à Folha de S. Paulo: “a grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor. Mas o próximo presidente do Brasil não terá a mesma sorte.”
É a um tempo a apreciação da obra realizada, e manifestação de pronunciada reserva e mesmo descrença de autoridade internacional no campo econômico-financeiro.
Todos nós sabemos qual é o destino das obras do neopopulismo. O brilho passageiro e enganoso não tarda em ser obscurecido por efeitos perversos, provocados pelo imediatismo irresponsável, e pela falta de embasamento econômico válido.
(Fonte: Folha de S. Paulo )
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
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Um comentário:
São importantes esclarecimentos em relação a nossa economia. Destaco o processo de desindustrialização do Brasil, o aumento do empreguismo e a divulgação exagerada de uma progressão econômica.Todos desconfiamos se as coisas estão realmente sólidas.
No entanto, não posso concordar com o Prof. Hausmann quando afirma que o Sr. Fernando Henrique Cardoso tenha sido um ótimo antecessor com a onda de privatizações, por ele deflagrada, cujo montante arrecadado não se consegue saber aonde foi parar.Qual o benefício que teve a indústria brasileira com este processo de privatizações? Existem muitas perguntas sem respostas, tanto deste governo, mas, principalmente do governo anterior.
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