quarta-feira, 22 de setembro de 2010

De Novo, os Correios

O fim da festa está próximo para o governo Lula, mas não se garante que seja tranquilo. Existe até a possibilidade de um apagão postal.
Mas vamos por partes. A despeito de haver encontrado os Correios recuperados, o presidente Lula não resistiu à tentação do loteamento político dessa estatal. Ao fazê-lo, decerto ignorou a experiência anterior, e o quão importante é para um país, e não menos para a sua imagem, dispor de serviço confiável de correio.
O apadrinhamento político é uma dádiva de Nesso[1], porque tende a reintroduzir o câncer da corrupção, com todas as suas nefastas consequências. E em se tratando de instituição pública, com a capilaridade dos Correios, somente um aprendiz de feiticeiro pode desejar mexer com esse serviço, que em geral é emblemático da capacidade gerencial da administração de um país.
Sinal seguro da prevalência da corrupção é a perda da confiabilidade dos Correios para a população. Diante da amplitude de seus serviços, a imagem transmitida pelos Correios e o grau de confiança que merece da população será sempre um índice precioso para o estado da coisa pública e do nível de lisura de seu gerenciamento.
E não se vá dizer que Lula e o governo do PT não tinham noção dos perigos representados por um loteamento político dos Correios. Quem não se recorda do vídeo de chefe de departamento da estatal, Maurício Marinho, embolsando propina de três mil reais, como se fosse a coisa mais normal do mundo ? Para esse funcionário de indicação política, deveria ser algo de somenos, quase uma gruja dessas que se dão a lavador de carros.
Pois foi este vídeo, tristemente notório, que deu origem à CPI dos Correios. As revelações de Roberto Jefferson precipitaram a crise do mensalão, sem dúvida o momento mais grave e periclitante da presidência Lula. Gato escaldado careceria de ter mais prudência...
A situação atual, com a crise anunciada no setor das franquias, foi criação do braço direito de Dilma Rousseff, enquanto Chefe da Casa Civil. Só que o loteamento politico dos Correios, realizado por Erenice Guerra, mais representa expressão de húbris considerável, eis que a auxiliar de Dilma resolveu aí colocar gente da sua confiança. Seria, assim, quase um processo clientelístico na sua expressão mais primária, visto que mal passava por intermediação partidária.
Para que se tenha noção da seriedade do problema, segundo O Globo, a Estatal só logrou fechar licitações com 205 agentes, de um total de 1402 ! O atual presidente dos Correios David José de Matos – afilhado político de Erenice – é o autor de uma carta, contestada na Justiça, em que incentiva os franqueados a participar de licitação, o que permitiria a legalização dos contratos. Nesse documento, ele se compromete a ajustar os termos acordados com os agentes vencedores da licitação posteriormente, o que não é permitido pela legislação.
Daí a intervenção branca do governo, realizada a mando de Lula pelo ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, que dela encarregou o Diretor de Recursos Humanos dos Correios, Nelson Luíz Oliveira de Freitas. Tal iniciativa parte de duas premissas. A primeira, antes tarde do que nunca, o presidente Lula decidiu vetar o loteamento político de cargos nos Correios (a estatal tem faturamento anual de R$ 13 bilhões). Em decorrência disso, o Presidente quer limpar a estatal do grupo de Erenice: assim, depois da saída do coronel Eduardo Artur Rodrigues (diretor de Operações), seriam os próximos da vez, o presidente David José de Matos, e o diretor Comercial, Ronaldo Takahashi, ambos igualmente pessoas da confiança de Erenice.
A urgência presidencial se deveria ao convencimento de que a ex-Ministra deixara uma armadilha nos Correios, com a real possibilidade de um desastroso apagão postal.
Daí a pressa do Chefe de Governo.
Essa incipiente crise, também originária dos Correios, produziu uma interessante declaração da candidata oficial. Dilma Rousseff disse: (i.) ainda não viu provas contra sua sucessora; e (ii.) que Erenice foi escolhida para substituí-la por critério de Lula.
A primeira parte da declaração não causa espécie. Passará pela cabeça de alguém que Dilma algum dia verá confirmada alguma prova contra a sua auxiliar predileta?
Já a segunda, pelo seu caráter críptico, é sem dúvida muito mais interessante [2]e no sentido chinês da palavra. Pois na asserção do óbvio – alguém há de duvidar que cabe ao Presidente tal desígnio ? – está embutido o primeiro germe do dissenso entre a candidata quase eleita e o seu criador.

( Fonte: O Globo )

[1] O centauro que, segundo a mitologia, fez chegar a sua túnica embebida no próprio sangue envenenado, a Hércules (que o ferira de morte).
[2] Da maldição chinesa contida na frase ‘viver em tempos interessantes’. De acordo com os chineses, tempos interessantes são aqueles tumultuados e com muitas crises.

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