sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Notícias do Supremo

O primeiro registro é feito com satisfação. A aprovação pelo pleno do Supremo Tribunal Federal da liminar antes concedida pelo Ministro Ayres Britto não foi tão ampla quanto esperada, mas atende às expectativas generalizadas. Pela decisão, tomada por seis votos (Ayres Britto, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Celso de Mello e Cezar Peluso) continua suspenso, por prazo indeterminado, o inciso 2 do artigo 45 da Lei nr. 9504/1997, que vedava, a partir de 1º de julho do ano eleitoral “trucagem, montagem, ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação.”
Na fundamentação dos votos respectivos, Ayres Britto, um dos ministro mais consistentes na veia liberal, citou frase atribuída ao presidente do STF, Cezar Peluso: “vedar o humor: isso é uma piada”. A respeito, acrescentou Celso de Mello, o decano do Supremo: “Os humoristas, sejam jornalistas ou não, podem ser considerados verdadeiros artistas da liberdade.”
Os três votos de dissenso se nortearam pela chamada “interpretação conforme”.
Contrariando a ação da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), os ministros José Antonio Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello votaram por validar o artigo, mas com a ressalva de que ele não poderia ser aplicado às sátiras e aos programas jornalísticos de humor.
Entreabrindo a porta para a derrogação da censura inconstitucional, esse enfoque, ao admitir critérios subjetivos para a proibição, deixaria sobre a encenação humorística a perene ameaça da contestação judicial. As próprias motivações dadas por Dias Tóffoli – “o humorista não ridiculariza,não degrada, não humilha, não agride, não ofende” – e por Lewandowski – “ao suspender esse artigo, nós estamos dizendo que é permitido ridicularizar e degradar a imagem de um candidato, o que é inconstitucional” nos permitem entrever quão lábil e incerta seria a autorização para que os humoristas cumprissem o respectivo ofício.
Para manter a coerência da decisão da maioria, foi suspensa outra parte do artigo 45, a que explica o que seria a trucagem e a montagem. Ainda dentro desse espírito, a Corte suspendeu parte do inciso 3º do art. 45, que proibia as empresas de rádio e TV de “difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”.
Foi mantida defesa, no entanto, a veiculação de “propaganda política” por parte de emissoras de rádio e televisão.
Dentro da sistemática judiciária, ainda não foi julgado o mérito da ação proposta pela Abert. Como os ministros já adiantaram no debate que consideram inconstitucionais as proibições da lei, é lícito prognosticar que será atendida a demanda da Abert, com a anulação definitiva da validade de o que foi ontem suspenso pela maioria do tribunal.
Não escapará ao leitor do blog que tenho – e por repetidas vezes – a propósito da inadmissível censura judicial imposta ao Estado de São Paulo pelo desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), sentença esta que para consternação e revolta de muitos já completou um ano – citado as disposições relevantes da Constituição que fulminam a prática da censura.

Art. 5º, inciso IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV (livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato), X (inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelos eventuais danos sofridos),XIII (livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações legais) e XIV- é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
É vedada toda e qualquer censura de natureza política
, ideológica e artística.

A leitura dos artigos 5º, inciso IX, o caput do art. 220, e os seus parágrafos 1º e 2º , eu a recomendo a todos aqueles que se sintam desencorajados com as iteradas empresas, seja na capital federal, seja nas metrópoles regionais, seja mesmo em cidades menores e nos grotões, de negar, enfraquecer, mutilar, desvirtuar ou até em impensáveis sanhudas tentativas, ignorar e/ou abolir na prática a vigência dessas cláusulas pétreas da Constituição Cidadã.
O conhecimento, sempre renovado, desses lapidares princípios que luziriam, na sua inequívoca clareza, firme resolução e generosa disposição, de modo a merecer igual respeito àquela obra dos pais da democracia, que nas cinzeladas palavras das próprias decisões, para sempre gravadas no alvo mármore da Ática, traduzem no seu zelo milenar o clamor das assembleias primevas, unidas pelo difuso sentimento da natural superioridade, conferida pela aliança da liberdade e da soberania.
A todos une singular certeza. A sua força se arrima na ideia de que igualdade e justiça não são antônimos. Enquanto respeitada a lei escrita com os caracteres maiúsculos da isonomia, ela será sempre, pelo decurso monótono dos séculos, expressão de justiça, e espantalho para os tiranos de todos os matizes, com os séquitos de mercenários e eventuais escribas.

( Fonte: Folha de S. Paulo )

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