Se a última pesquisa Datafolha continua a não refletir qualquer impacto do escândalo da violação dos sigilos fiscais, como o front das denúncias já atinge outros domínios, a campanha presidencial de 2010 entra em nova fase.
O passado autismo do eleitorado, que corroborou a frase de estampo lulista “cadê o tal de sigilo?” representa um enigma para os observadores, no que tange às possíveis consequências para a posição dos candidatos nas prévias.
Temos presente a primeira reação à quente de Dilma Rousseff, no debate de domingo na RTV: a questão na Casa Civil de Erenice Guerra “é um problema de governo”. O seu entendimento – que a dissociava do caso – criou uma certa perplexidade. Se nada tinha a ver com o governo, como interpretar a frequente menção no seu programa eleitoral de “o governo de Lula e Dilma” ?
Entrementes, a crise se mudou para o Palácio do Planalto, e mais especificamente para a Casa Civil de Erenice Guerra. A primeira tentativa do Presidente Lula de enterrar a questão, ao cometê-la à Comissão de Ética do Governo, que é encarada como um cemitério de crises abortadas, à vista dos ulteriores desenvolvimentos do escândalo, não surtiu efeito.
Pelas revelações posteriores quanto à desenvoltura de Israel Guerra, na sua intermediação, pedindo, por crédito do BNDES, comissão de 5% e mais R$ 240 mil em seis pagamentos, a situação da Ministra não se viu reforçada.
Tampouco contribuíu para ajudá-la nota da Casa Civil, assinada pela Ministra, em que o candidato Serra era apostrofado de “aético” e de “já derrotado”. Auxiliares diretos do Presidente definiram como um ‘total desastre’ o tom da nota em apreço. Que o texto dessa comunicação oficial haja sido divulgado sem o conhecimento do Presidente da República, nem de seus colegas da Presidência, não é um dado irrelevante, nem evidencia comedimento e cautela necessárias nessa intervenção.
Acresce levar-se em conta que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, considerou ‘graves’ as suspeitas contra o filho de Erenice, Israel Guerra. A esse respeito, Gurgel declarou: “As notícias apontam para fatos graves, mas não temos elementos ainda que apontem a responsabilidade, se envolve ou não envolve a ministra”.
E acrescentou o Procurador-Geral da República: “O Ministério Público atuará independentemente da campanha. O tempo do Ministério Público não é o tempo da campanha política. Faremos a investigação com o rigor que caracteriza atuação do Ministério Público, mas sem preocupação com a campanha eleitoral nem para um sentido, nem para o outro.”
Agravando a situação de Erenice Guerra, Ophir Cavalcante, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendeu o imediato afastamento da Ministra : “Não se pode falar em moralidade, em transparência e em apuração se a ministra se mantiver no cargo. A partir do momento em que se coloca em dúvida a credibilidade e a postura da ministra, isso é algo que deveria atrair o imediato afastamento dela.”
As crises têm a sua própria dinâmica e muita vez escarnecem das veleidades do palácio em controlá-las ou sufocá-las. Pelo andor da carruagem, estamos adentrando fase de ulterior turbulência. Já passou o momento em que Lula mantinha expressamente no cargo a sucessora de Dilma Rousseff e transmitia, pro-forma, as implicações da crise à Comissão de Ética Pública, cujo retrospecto não prenunciava dramáticas involuções.
Se num primeiro momento a Polícia Federal ficaria ao largo da Ministra, agora entram em cena outros personagens, que não semelham atados por tais restrições. E a posição de Erenice, por força das revelações seguintes e de sua desastrada nota, não parece em vias de reforço.
Enquanto esse assunto de governo prossegue na sua trajetória – que nem sempre é previsível – ecoam ao longe as declarações de José Dirceu, na entusiasmada profecia para os militantes petistas, de que a vitória de Dilma será a vitória do PT. Se Lula é muito maior do que o partido, será que o antigo prócer petista preliba a sua volta ao poder, de que fora derribado pelo escândalo do mensalão ?
A princípio, parecem ecos de uma outra estória. Não obstante, em se vivendo momentos de crise em meio à campanha presidencial, nem sempre será fácil destrinchar o que é importante e o que não é...
( Fontes: O Globo e Folha de S. Paulo )
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
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