A Lei da Ficha Limpa, votada pelo Congresso em decorrência de projeto de lei popular, cuja passagem e aprovação, posto que retardada pela resistência dos líderes partidários, foi obtida precipuamente pela pressão da sociedade civil, ora se defronta com a séria ameaça de que a sua validade constitucional para o pleito de três de outubro seja negada por maioria do colegiado do Supremo.
Segundo avaliação da imprensa, haveria em nossa Corte Suprema um aparente maior número de ministros que teriam sérias dúvidas acerca da conformidade da citada lei a certas condições, o que lhe inviabilizaria a aplicação para as próximas eleições de outubro de 2010.
Em passado recente, maioria dita conservadora do Supremo votou contra a concessão de liminar para a derrogação da sentença inconstitucional do desembargador Dácio Vieira (TJ/DF), que impusera, a pedido de Fernando Sarney, filho do Senador José Sarney, censura contra reportagem de O Estado de São Paulo. Em meio à manifesta inconstitucionalidade da sentença, a maioria do STF acolheu a tese do Ministro Cezar Peluso de que a tramitação de urgência escolhida pelos defensores da causa do jornal não se adequava à orientação da Corte. Por tal razão, e a despeito do sentir dos Ministros Ayres Britto, Carmen Lúcia e Celso de Mello, prevaleceu o parecer, malgrado o valor maior – a expressa proibição de censura pela Carta Constitucional – que estava sendo desrespeitado.
Enquanto contra essa vedação à censura continuar como chaga aberta há mais de quatrocentos dias, vale dizer a manutenção desta mordaça no Estado de São Paulo, o Povo brasileiro tem motivos de válida inquietude com respeito à aplicação da Lei da Ficha Limpa.
Não será demasiado relembrar que a sanção e promulgação da Ficha Limpa veio atender a geral reclamo da Sociedade Civil brasileira, diante do comportamento de muitos de seus representantes no Senado e na Câmara. A eleição para o Congresso, que deveria ser apanágio da cidadania, se transformara em recurso crescente por um número substancial de candidatos de ali encontrarem refúgio para as suas transgressões à lei. Guindados aos privilégios concedidos aos congressistas, deles se valeriam não para o que foram concebidos – a livre defesa das próprias ideias e projetos – mas como abrigo seguro contra processos originados por seus alegados desrespeitos à legislação cível e penal. Parafraseando um dito já notório, alcançando tal asilo não mais seriam passíveis do tratamento reservado às pessoas comuns.
A Lei da Ficha Limpa teve a sua constitucionalidade validada pelos Tribunais Regionais Eleitorais, e referendada pelo Tribunal Superior Eleitoral, sob a presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. Há algumas exceções, como a do Tribunal do Maranhão. Antes que seja afinal dirimida a questão pelo Supremo, não subsistem dúvidas na grande maioria das opiniões, quanto à relevância e oportunidade desta legislação, seja de parte de juristas, seja desse difundido clamor das pessoas comuns pela moralização pública. Ora a Lei da Ficha Limpa, o fato político e jurídico mais importante dos comícios de outubro, é consequência de um projeto formulado e submetido em setembro de 2009 por comissão do MCCE (Movimento contra a Corrupção Eleitoral) ao Presidente da Camara dos Deputados Michel Temer, com o aval de mais de um milhão de assinaturas.
Decerto o Supremo não há de julgar projetos sob pressão da opinião, mas não é inoportuno recordar do significado da iniciativa, que veio quebrar uma longa tradição de permissivismo na legislação, possibilitando a que aspirassem e entrassem para os dois palácios desenhados pelo lápis genial de Oscar Niemeyer indivíduos que pela vida pregressa muita vez não teriam sequer condições de participar de concursos públicos.
Seria, dessarte, de todo interesse, que a Lei da Ficha Limpa seja apreciada pelo Supremo em tempo para a sua aplicação nas vindouras eleições. Que se permitisse que o sólito grupelho de políticos com longas folhas corridas de transgressões continuem a ser incluídos nas listas de candidatos autorizados a concorrer, não seria apenas um tropeço, mas constituiria grande decepção para um grande número de brasileiros que desejam ver nas duas Casas de mandatários do Povo pessoas que honrem pela conduta pregressa a sua presença no Poderes Legislativo e Executivo.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
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