quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Um Nobel para a China

Há bastante tempo tratei do nosso problema com o Nobel. Por algum motivo, o Brasil, através de seus expoentes, não consegue chegar lá. Foi César Lattes, com o seu famoso méson pi na Física, Zilda Arns Neumann, assim como Monsenhor Hélder Câmara... Aliás, neste último chegamos perto, e, consoante transpirou, os esforços do regime militar lograram dissuadir do propósito a seção norueguesa do Prêmio...
Dentre as explicações para esse jejum, estaria a circunstância de que o Brasil, apesar de país grande, não teria personalidade ( a nondescript country, no dizer do finado Edward W. Said ). O tema é, no entanto, controverso, e talvez tenha mais a ver com o nosso estágio de desenvolvimento[1].
Mas aqui se trata de mais um prêmio Nobel para a China. A imprensa internacional publica a recomendação de três signatários da famosa Carta 77, a precursora da Revolução de Veludo na Tcheco-Eslováquia: Vaclav Havel, Dana Nemcova e Vaclav Maly.
Distinguindo um distante eco da Carta 77 na Carta 08, o ex-presidente da República Tcheca e dois outros subscritores propõem que Liu Xiaobo, um dos principais redatores da Carta 08, seja honrado com o Prêmio Nobel da Paz deste ano. Tal concessão representaria não só o reconhecimento internacional pelos esforços de Liu de construir a paz no interior do continente chinês, mas também mensagem para o governo de Beijing da importância do respeito aos direitos humanos.
Em dezembro de 2008 um grupo de 303 chineses entre advogados, intelectuais, acadêmicos, funcionários aposentados, trabalhadores e camponeses publicaram o seu manifesto, sob o título de Carta 08, em que pleiteavam governo constitucional, respeito pelos direitos humanos e outras reformas democráticas. Marcavam com tal gesto o sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Malgrado os ingentes esforços do governo chinês de afastar das telas dos computadores a mensagem, foi possível através da internet alcançar um público nacional, e os novos subscritores chegam a mais de dez mil pessoas.
A maquinária do Estado se pôs em marcha para conter os efeitos de uma declaração que embora bastante moderada, é inaceitável para o imperante oficialismo em Beijing. Foi feita uma caça àqueles considerados líderes do movimento, tendo sido detido um punhado deles. Além das mesquinharias usuais (promoções sustadas, doações para pesquisa canceladas, e licenças para viajar ao exterior negadas), jornais e casas editoras foram cominadas a colocar na lista negra qualquer signatário da Carta 08.
As punições pesadas foram reservadas para Liu Xiaobo, um dos principais redatores da Carta. Liu já cumprira cinco anos de prisão pelo seu apoio aos protestos de Tiananmen em 1989. Detido por mais de ano com visitas limitadas de sua mulher e advogado, Liu foi julgado por subversão à ordem estabelecida. A sua sentença, de onze anos de prisão, mostra a verdadeira cara da ditadura burocrática chinesa.
Se em certos aspectos a RPC pode parecer um país pós-comunista, o partido comunista chinês estabelece linhas que não devem ser cruzadas. Liu Xiaobo não obedeceu à injunção do monopólio do Partido Comunista sobre o poder político.
Assim como Zhao Ziyang reconhecera em 1989 – e apesar de sua posição na nomenclatura pagara com a prisão domiciliar até a morte – também Liu infringiu outra regra basilar, ao sugerir que os problemas defrontados pela China – inclusive corrupção generalizada, agitação trabalhista, e crescente degradação ambiental – teriam talvez muito a ver com a falta de progresso na agenda das reformas políticas.
Em um gesto de perversidade adicional, as autoridades o transferiram para longínqua prisão na província de Laoning, no nordeste da China. Estará assim mais isolado de eventuais visitas de sua esposa e de seus amigos de Beijing.
Consoante Havel e seus companheiros afirmam em sua mensagem, Liu pode estar isolado, mas não esquecido. No próximo mês, o Comitê do Prêmio Nobel da Paz para 2010 anunciará quem será o recepiendário.
É de augurar-se que Liu Xiaobo seja o escolhido, e se torne o sétimo Prêmio Nobel chinês. A sua obra não se completará em dias ou meses. É um trabalho comprido, de paciência e, sobretudo, de perseverança.
As ditaduras podem impressionar pela força intimidatória, mas a corrente da História está em seu desfavor. Como tantas outras no passado, a ditadura burocrático-comunista de Beijing não há de prevalecer.

( Fonte
: International Herald Tribune )

[1] Explicação também questionável. Chile e Guatemala, entre outros, têm prêmios Nobel e não me consta que sejam países desenvolvidos.

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