Aprovada pelo Congresso e assinada pelo Presidente Obama em 24 de março de 2010, parece relevante examinar-se o significado da nova Lei de Seguro de Saúde, sua amplitude e limitações, e quando entrará plenamente em vigor.
Eis a primeira surpresa: formalmente em vigor, o Plano Geral da Saúde Americana, votado pela maioria democrata nas duas Câmaras – não obteve sequer um voto da oposição republicana, o que bem reflete o atual facciosismo -, só entrará realmente em pleno vigor em 2014.
Ao contrário do que afirma o Senador Jim DeMint (Carolina do Sul), dentro da estratégia de confrontação do G.O.P., que carimbou de ‘socialista’ o plano, com o escopo de assustar a opinião pública, dada a fobia do homem comum americano, que confunde socialismo com sinistros planos totalitários, a legislação firmada por Obama na Sala Leste da Casa Branca nada tem de radical.
Na verdade, a nova lei federal americana se parece muito com a reforma da saúde no estado de Massachusetts, aprovada em 2006, e com o apoio do então governador republicano Mitt Romney. A ironia dessa similitude se transforma posteriormente em farsa, eis que Romney, que sancionara a lei estadual, veio no debate sobre o Plano Geral no Congresso a atacá-lo, em mudança de atitude ditada pela lógica do sectarismo.
Para entendermos o que é realmente a Lei do Plano de Saúde é necessário fazer um pequeno histórico do processo. Obama partiu da premissa de que somente legislação sem o objetivo radical de mudar as presentes disposições que regulamentam a matéria reuniria possibilidade de êxito. Por querer realizar uma reforma abrangente, o Presidente Clinton e sua esposa Hillary fracassaram no intento.
Essa antinomia já se observara na fase das primárias para a designação do candidato democrata, com Hillary defendendo um plano mais ambicioso do que o de Obama, além obviamente de mostrar maior conhecimento da questão.
Desde o início de sua Administração, o Presidente Barack Obama deu a mais alta prioridade à aprovação de um Plano de Saúde. Confiante na sua capacidade suasória, Obama pensava atrair votos igualmente do partido republicano. Acreditava que se a legislação tivesse apoio bipartidário – ou pelo menos de alguns congressistas republicanos – a tramitação do projeto se tornaria mais fácil. Afinal, as grandes reformas do passado – tanto as de Franklin Roosevelt nos trinta, quanto as de Lyndon Johnson, nos sessenta – sempre colheram substancial apoio do G.O.P.
Este foi o primeiro erro do 44º Presidente americano. No presente, dado o predomínio da direita evangélica entre os republicanos[1], o clima no Congresso é de confrontação. Na sua ingenuidade, Obama esperou demasiado por uma mostra efetiva de algum espírito bipartidário. De nada serviram os almoços na Casa Branca com os Senadores Chuck Grassley (Iowa/Rep) e Olympia Snowe (Vermont/Rep). Daquele mato de aparente cordialidade ao cabo, não saíu nenhum coelho. Os dois, na prática, engodaram o presidente, acenando com um eventual apoio, que depois de vários meses se traduziria no seu alinhamento com ... a bancada republicana. Essa busca infrutífera de uma chancela de membros do G.O.P. redundou, além do tempo desperdiçado, em um enfraquecimento da lei. Nesse sentido, se alguém levou vantagem neste cordial diálogo de surdos foram os republicanos, logrando diluir muitas disposições do Plano Geral de Saúde.
Dessarte, quando Obama afinal sancionou a Reforma da Saúde, o Presidente não contou com um voto sequer da minoria republicana, e foi somente graças às substanciais maiorias na Câmara de Representantes, chefiada pela Speaker Nancy Pelosi (Calif./Dem), e do Senado, pelo líder Harry Reid (Nevada/Dem), e a sua férrea determinação contra todas as manobras da bancada republicana, que o importante documento pôde enfim transformar-se em lei.
No entanto, dada a complexidade do instrumento legal, o blog se baseará em excelente artigo da New York Review[2], de Jonathan Oberlander e Theodore Marmor, para que se possa ter noção das principais características da legislação, quando entrarão em vigor, e quais os principais óbices e interrogações pendentes.
O novo Plano, como antecipado, não modifica, nem consolida através de um único programa de seguro de saúde – como o vigente Medicare. Ao invés, introduz um complexo sistema de subsídios, mandatos, regulamentos e programas que se fundarão nos arranjos vigentes, e que afetarão os americanos em diferentes modos e tempos, dependendo da respectiva renda, idade, emprego, e outras considerações.
Hoje, existem grandes vazios (gaps) na cobertura de saúde. Cerca de 46 milhões de pessoas (16% da população) não dispõem de cobertura. Outros diversos milhões se acham sub-assegurados, com planos que não prevêem cobertura para cuidados mais dispendiosos. Os dados básicos da saúde americana – expectativa de vida, mortalidade infantil, e mortes que poderiam ser evitadas com atendimento médico adequado – são considerados medíocres em relação com outros países com alta renda per capita. Não obstante, o tratamento médico é o mais caro do mundo. Assim, as despesas nos Estados Unidos montam a mais de US$2,5 trilhões, ou cerca de 17% da renda nacional, enquanto na Europa Ocidental o dispêndio médio corresponde a 10%.
Para evitar a oposição extremada das companhias de seguro médico e outros poderosos grupos de interesse (associações médicas, v.g.) jamais se pensou seriamente na implantação de um programa de saúde como o do Canadá, em que a assistência médica cobriria toda a população. A chamada opção pública – uma versão ampliada do programa Medicare – foi incluída pelo projeto de lei votado pela Câmara. Essa proposta, contudo, sofreu a oposição de democratas conservadores, republicanos e da indústria do seguro. O próprio Presidente Obama sempre pendeu para as alternativas ‘moderadas’do Senado, e, por isso, ao ensejo do processo de conciliação entre as versões da Câmara e do Senado, a dita ‘opção pública’ foi descartada.
A nova lei dispõe que terão direito ao Medicaid[3] aqueles americanos que ganham menos por ano que 133% do nível federal de pobreza – o que equivaleu em 2009 a $10.830.00 por indivíduo. Por primeira vez, o Medicaid dará cobertura somente com base no rendimento e não levará em conta a situação familiar (incluirá assim adultos solteiros sem filhos, que hoje estão excluídos do programa). O Escritório Orçamentário do Congresso (CBO) estima que cerca de dezesseis milhões de americanos farão jus a essa cobertura do Medicaid. O programa começa em 2014, e todas as despesas da expansão serão inicialmente pagas pelo Governo federal. Depois de 2020, Washington financiaria 90%, e o restante a cargo dos estados.
Quanto ao Medicare[4], a nova lei trará mais vantagens para os assegurados. Em 2020 será eliminado uma limitação na cobertura dos custos dos medicamentos. Os beneficiários do Medicare disporão de acesso aos cuidados preventivos.
A maior parte dos americanos com menos de 65 anos continuarão a serem cobertos por planos patrocinados por seus empregadores. Com a nova lei, os filhos poderão continuar nos planos de saúde dos pais até completarem vinte e seis anos. Há também novos dispositivos que proibem os asseguradores de estabelecer tetos (caps), tanto em pagamentos anuais, quanto em seguros de vida.
A nova Lei alarga a cobertura ao oferecer subsídios para americanos não-assegurados, para que eles adquiram uma apólice de seguro em câmaras (exchanges) de assistência sanitária a serem estabelecidas. Cada estado deve estabelecer e administrar essas câmaras como um mercado regulamentado para assistência sanitária. Se o estado opta por não aderir – há diversos governadores republicanos que se opõem à nova lei – os residentes no estado que o desejarem podem associar a uma câmara patrocinada pela União.
Em ambos os casos, as pessoas poderão escolher de vários planos de seguro privados dentro de cada câmara, com subsídios federais disponíveis em escala gradual para ajudá-los a pagarem os respectivos prêmios. Poderão valer-se do esquema todos até 400% do nível federal de pobreza (i.e., atualmente cerca de US$43,000.)
29 milhões de americanos é o total estimado daqueles em condições de obter, até 2019, a cobertura do seguro de saúde por meio das câmaras.
As câmaras de seguro serão regulamentadas de forma abrangente. A partir de 2014, os asseguradores não mais poderão negar cobertura para eventuais detentores de apólices ou cobrar-lhes prêmios mais elevados por causa do seu estado de saúde (embora os asseguradores possam escalar os prêmios de acordo com a idade). Asseguradores serão também proibidos de cancelar em caráter retroativo a cobertura para membros doentes das câmaras.
A maior parte dos americanos terá a obrigação legal de obter o seguro de saúde ou pagar uma taxa federal. A partir de 2014, serão US$ 95 por pessoa, ou 1% da renda tributável (a pagar será sempre a contribuição maior). Em 2016, o fato de não participar do seguro de saúde custará US$ 695 ou 2,5% da renda tributável.
( a continuar )
( Fonte: New York Review of Books)
[1] Os moderados, antes ala importante, hoje são uma espécie em virtual processo de extinção no G.O.P.
[2] “O Projeto de Saúde por fim Explicado”, The New York Review of Books, 19/08/2010.
[3] O programa atual destinado ao público de baixa renda.
[4] Programa precipuamente destinado a idosos.
domingo, 5 de setembro de 2010
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