segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Turquia: um Referendo para quê ?

A expectativa que cercou o referendo constitucional obteve dos eleitores resposta que ao invés de proporcionar certezas tende a aumentar a inquietude quanto a desenvolvimentos futuros.
Segundo o partido Justiça e Desenvolvimento, liderado pelo Primeiro Ministro Recep Tayyip Erdogan (de orientação islamista), o pacote de 26 emendas propostas para a Constituição representa um esforço para fortalecer a democracia na Turquia, e abrir o caminho para o ingresso de Âncara na União Europeia.
Não há dúvida de que muitas das modificações à Constituição em vigor se faziam necessárias no sentido de atualizar a Carta Magna à realidade democrática, sobretudo se levarmos em conta que as disposições ora revistas foram ratificadas após o golpe militar de 1982.
Se muitas dessas emendas se adequam a exigências das negociações com a Comissão em Bruxelas, há um consenso de opinião de que a sua aprovação com maioria de 58% dos sufrágios implica em voto de confiança, e na realidade, a ratificação pelo Povo da orientação política do Primeiro Ministro Erdogan.
Sem embargo, na visão da oposição laica, a operação implica em consolidar o poder do partido islamista Justiça e Desenvolvimento. De acordo com essa interpretação, a reforma contraria a básica orientação secular instituída pelo fundador da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturk, em 1923, após a sua vitória decisiva sobre o exército grego.
Com efeito, o Executivo, ora nas mãos do partido de orientação religiosa conservadora, disporá de instrumentos de sobrepor-se ao Judiciário e Exército, considerados os últimos guardiães do Estado secular, dentro da concepção política instituída a ferro e fogo por Kemal Ataturk.
Se o resultado do referendo representa vitória para Erdogan, ratificando a sua política externa, tanto no que concerne à Bruxelas, quanto na sua reaproximação com o mundo muçulmano – como a recente assinatura do tratado tripartite com o Irã o indica, apesar da virtual inocuidade do acertado em face da decisão do Conselho de Segurança em favor das sanções contra o Irã propostas pelos membros permanentes, com Washington à frente.
No entanto, é no plano interno que essa vitória mais valerá para o gabinete Erdogan, cuja popularidade havia decrescido em função da situação econômica. Agora se abrem perspectivas de um terceiro mandato para o Partido islamizante Justiça e Desenvolvimento.
No pacote das 26 emendas aprovadas, há medidas incontroversas e populares, como a atribuição de maiores direitos para as mulheres, crianças, trabalhadores e funcionários públicos.
Dentro desse conjunto, todavia, há outras medidas que, em aparência progressistas, podem anunciar propósitos que vão bastante além da leitura da norma reformulada. Assim, em princípio, tornar o estamento militar e seus integrantes subordinados à justiça civil pode afigurar-se à primeira vista como disposição constitucional própria de regime democrático. Se a colocarmos, no entanto, no seu contexto turco, o que ela representa é a submissão ao Executivo do poder castrense , designado como virtual representante e defensor da orientação laica propugnada por Mustafá Kemal.
As preocupações sobre a invasão do terreno secular pelo partido islamizante crescem com a aprovação de outras emendas, em que se reforça o controle governamental sobre a designação de juízes e promotores. Segundo a oposição, tais modificações implicam no desígnio de afastar a regra da separação e independência de poderes, existente entre o Executivo e o Judiciário.
Nesse sentido, a reforma aumenta os poderes do Parlamento e do Presidente na escolha da Corte Constitucional e da Junta de Juízes e Promotores, que são hoje encarados como os habituais defensores do estado laico.
Releva assinalar que, se na aparência as emendas visam a seguir a aspiração pró-democracia, foram inseridas normas que mudam a governabilidade, em um sentido diverso do atual, mas igualmente repressor.
Se muitas vezes o secularismo foi empregado com fins que íam além dos respectivos propósitos laicos, a presente reforma, a par de vibrar um sério golpe contra a filosofia de Kemal Ataturk de separar estado e religião, incrementa o poder islamizante no Estado turco.
Ainda talvez seja cedo para pronunciar juízos terminais, porém as perspectivas não são conducentes a uma visão otimista acerca da sobrevivência do estado laico e tolerante colimado pelo Pai da Pátria.

( Fonte: International Herald Tribune)

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