O impasse do Supremo Tribunal Federal em votar seja pela validade imediata da Lei Complementar nr. 135, seja pela sua aplicação apenas a partir de 2012, originou um verdadeiro jogo de empurra, em que a autoridade direta ou indiretamente responsável – i.e., o presidente do STF, Cezar Peluso, e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva – atribui à outra parte a responsabilidade pela situação.
Não se pode negar que o Presidente da República poderia ter procedido com mais presteza para a designação do sucessor para a vaga no STF criada pela aposentadoria compulsória do Ministro Eros Grau, ocorrida em agosto. Perdeu-se, portanto, a janela dessa oportunidade para estabelecer um colegiado completo do Supremo . Sem embargo, conforme indicado, de resto, por vários juristas especialistas em direito constitucional, com o professor Dalmo Dallari à frente, caberia agora à presidência do STF reconhecer a constitucionalidade da lei, tendo presente o artigo 97 da Constituição.
Segundo afiançou Dallari: “Com o empate no Supremo, não foi registrada a maioria absoluta exigida pela Constituição. Portanto a inconstitucionalidade não foi aceita.” Nesse contexto, o professor Dallari criticou o presidente do STF: “Ele deveria ter dado o reconhecimento formal que não há inconstitucionalidade da lei, por isso ela continua valendo.”
Há vários elementos que reforçam essa crítica. De início, como foi de resto assinalado por Claudio Weber Abramo: “Há tempos todos os ministros saberiam que haveria empate e que a questão não seria resolvida. Apesar disso, empurraram o assunto com a barriga.” Se o problema era conhecido, e se o Ministro Peluso recusou a valer-se da opção de um segundo voto – o que o honra -, por que não foi excogitada uma solução ad hoc, e no entanto válida diante de um desafio altamente previsível ?
A solução aventada pelos constitucionalistas se afigura a mais acessível, além de fundada em base legal. O Presidente do Supremo, no entanto,- e logo após o parecer favorável à constitucionalidade da lei do Relator Ayres Britto,- levantara, de forma inusitada, a tese da inconstitucionalidade. A sua iniciativa provocou espécie, por estar agindo de ofício. Com efeito, não chegara ao tribunal nenhuma ação direta de inconstitucionalidade em tal sentido, nem, como é óbvio, existia qualquer contraditório do qual valer-se, para que a corte se manifestasse acerca da presumida inconstitucionalidade da lei, por desrespeito ao princípio da anterioridade (art. 16).
Se não impede que essa estranha tese do Presidente Peluso haja sido rejeitada pelo plenário, tal objeção pessoal terá pesado talvez na recusa da presidência do STF em cortar o nó górdio com o recurso ao disposto no pertinente artigo 97 da Constituição. Se ele pessoalmente acredita na inconstitucionalidade da lei complementar nr. 135, como atalhar a questão com a declaração que, sem embargo, pareceu lógica e inevitável aos especialistas ?
Mesmo na falta de assertiva em tal sentido pela autoridade competente, não há dúvida de que a lei da Ficha Limpa continua valendo.
Quanto à renúncia de Joaquim Roriz ao recurso extraordinário que impetrara – transferindo a própria candidatura à esposa -, ela deverá provocar o arquivamento daquela apreciação pelo Supremo. Existe, contudo, outro recurso em condições similares ao de Roriz, que é o de Jader Barbalho. Ele também contesta a aplicabilidade da renúncia para causar inegibilidade (alínea k da lei nr. 135). Contudo, de nada valeria servir-se de tal recurso extraordinário, se o número dos ministros permanecer o mesmo.
Há igualmente quem contesta a validade prática de esperar-se pela designação do undécimo ministro para resolver a questão. Segundo o jurista Cristiano Paixão tal seria inaceitável : “Haveria um grau de pressão em torno dessa nomeação que se constituiria em um fato inédito na história do Brasil. Como fazer essa indicação e controlar as suas consequências ? Imagine esse novo indicado sendo sabatinado por senadores diretamente interessados na questão ? (...) Afinal, essa pessoa estaria decidindo o destino de pelo menos quarenta candidatos já impugnados pela norma.”
Dessarte, a menos que a questão seja resolvida de forma definitiva pela constitucionalidade ou não da Lei para a presente eleição, é quase impossível que o cenário acima não se confirme no futuro.
Como o prof. Dallari asseverou a constitucionalidade da lei depende de nova decisão do Supremo, ou de novo recurso. Entrementes, a validade da lei persiste e pode ser aplicada para afastar os políticos atingidos por sua malha de inegibilidades.
Em outras palavras, se configura uma espécie de inferno judiciário. De uma certa forma, embora tudo seja possível, não há nada certo.
( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo)
sábado, 25 de setembro de 2010
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2 comentários:
Relembro meus comentários sobre posts passados. Se o Brasil tem leis, respeitá-las é o único caminho para fortalecer a democracia e as instituições. É obvio que a ficha limpa é boa, também é óbvio que não pode retroagir, sob enorme risco institucional. As rebuscadas e preciosas interpretações para circunavegar esse fato básico para qualquer país não totalitário revelam apenas o quanto o STF está sujeito à pressão política e social. Hoje é o notório Roriz, mas e amanhã, sob governos ainda menos dados à democracia? Além disso, se a lei não vale hoje não é por culpa do STF, e não cabe a ele retificar a protelação do governo e do Congresso. Parafraseando Franklin: Any society that would give up rule of law to gain justice will deserve neither and lose both.
A propósito, sugiro ler a lapidar fundamentação de voto da Ministra Carmen Lúcia. Também seriam leituras proveitosas para a informação do comentarista o parecer do relator, Ministro Ayres Britto e a fundamentação de voto do Ministro Ricardo Lewandowski.
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