O resultado da votação no Supremo é decepcionante na medida em que prorroga uma situação inaceitável.
A veemência de Gilmar Mendes – o ministro que mais pareceu incomodar-se com a iniciativa popular da lei complementar nr. 135 – não só se opõe ao desiderato da sociedade civil, empenhada em promover uma limpeza nos candidatos às eleições, mas também não vê que o art. 16 da Constituição deve ser lido, no caso em tela, em conjunto com o art. 14. A Ministra Carmen Lúcia já demonstrara, na fundamentação de seu voto, que a regra da anterioridade não é absoluta, e que o objetivo precípuo do artigo 16 é o de coibir o casuísmo.
Sendo genéricas as inegibilidades introduzidas pela lei da Ficha Limpa, não cabe o raciocínio de que a aprovação da lei desorganiza o processo eleitoral sobre o qual, de resto, ela não incide diretamente, conforme evidenciado por diversos ministros, como Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, entre outros.
Mais do que o impasse criado pela falta do undécimo ministro – com a aposentadoria de Eros Grau – o que se afigura lamentável é a circunstância de – após todo o escrutínio dedicado à nova lei complementar – ainda haver cinco ministros que não respondam à mensagem de inovação e de respeito ético aportada por essa iniciativa com sólido e largo apoio na sociedade civil.
Não semelha crível que se repute despropositada a urgência de tornar os requisitos para a candidatura a cargos eletivos consentâneos com as usuais exigências colocadas pela União e os Estados para todos os cargos de concurso público.
Essa iniciativa, coordenada pelo Movimento contra a corrupção eleitoral (MCCE), correspondia a desejo de aperfeiçoamento do processo político, para evitar que os poderes legislativo e executivo continuassem a abrigar elementos que pela sua vida pregressa não teriam condições de passar o crivo de um comezinho concurso para o funcionalismo.
Se a constitucionalidade da lei complementar nr. 135 foi confirmada, infelizmente o resultado da votação contrapôs aos votos favoráveis à sua imediata vigência (o relator Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie) os negativos de Dias Tóffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.
Se o apoio da Ministra Ellen Gracie foi grata surpresa, o mesmo não se pode dizer da intervenção do decano do tribunal, Celso de Mello. Malgrado os vários acenos recebidos de Ministros favoráveis à iniciativa, reportando-se a votos de Celso de Mello em passada jurisprudência, em que apresentava compreensão mais abrangente quanto ao art. 16 da Constituição, este não correspondeu à expectativa, perdendo boa oportunidade de uma vez mais integrar o grupo liberal-progressista do STF.
Em função da temporária incapacidade da Corte de pronunciar-se de forma inequívoca sobre a validade imediata da lei, na prática o impasse serve a todos os elementos que a sociedade civil aspira afastar pelo prazo de oito anos dos mais altos órgãos executivo e legislativo.
É confrangedor que certas pessoas, barradas pela Ficha Limpa, possam reingressar por essa provisória porta dos fundos no seio de organismos que dispensariam, no lídimo interesse da ética, o seu convívio.
De qualquer forma, não me parece inútil a reforma promovida pela nova Lei. A sua constitucionalidade foi confirmada – rejeitada a inesperada contestação por um número substancial de ministros – e a sua validade para o futuro assegurada. Quanto aos comícios de três de outubro, não aconselho um sorriso demasiado largo dos eventuais beneficiários do racha no Supremo Tribunal Federal.
Não se pode, com efeito, excluir que o undécimo sufrágio – que mais cedo ou mais tarde ecoará na aula do tribunal - venha a pender para o lado prometeico desta contenda. E como os eventuais fichas sujas eleitos por essa provisória impossibilidade do STF terão aos respectivos nomes o arterisco sub judice, a sua permanência no Olimpo pode ser mais efêmera de que esperam...
( Fonte: O Globo )
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
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