Este blog se tem ocupado bastante da Reforma da Saúde Americana, do empenho dos democratas e da Administração Obama em aprová-la. Nas matérias intituladas Significado da Reforma da Saúde Americana (I e II) louvei-me de longo estudo estampado pela New York Review. Como o leitor terá presente, aí se focalizarm as principais características da reforma, como iriam entrar em vigor as respectivas modificações, a preocupação dos democratas em fazer valer desde já alguns benefícios (frontload) para que o cidadão americano possa começar a ter melhor impressão do grande esforço, sem paralelo na legislação estadunidense desde a introdução do Medicare (para os idosos) e o Medicaid (para os pobres).
Nessa apreciação, referi en passant a animosidade do Partido Republicano contra a reforma da Saúde. Parece-me, contudo, oportuno e esclarecedor que se examine tão singular desígnio – em outras terras seria quiçá difícil de compreender seja a razão, seja o animus que o impele – na sua amplitude e nos seus desdobramentos com mais vagar.
Premissa básica desta contraposição é a política de confrontação seguida pelo G.O.P. no que concerne ao Partido Democrata. Talvez um dos grandes erros de Barack Obama haja sido o de acreditar na possibilidade de concertar acordo bipartidário em questões que pelo seu óbvio interesse nacional o tornassem não só válido, senão consequente e natural.
Desafortunadamente, a crença por alguns definida como ingênua de Obama em reeditar memoráveis acordos bipartidários do passado – como nos tempos do New Deal de Roosevelt e nos mais próximos, da Grande Sociedade de Lyndon Johnson – importou em inútil desgaste, além de concessões na substância da reforma que sequer lograram o aporte de um isolado voto republicano.
No partido republicano hodierno, em que os evangélicos dominam, não há praticamente lugar para a ala moderada, como existia nos tempos de Nelson Rockefeller. Prevalece postura quase maniqueísta contra os democratas, como se vê nas negativas em bloco, e na demonização da reforma da saúde, carimbada de socialista, o que é o pretexto para a sua metamorfose em autêntico bicho papão para o homem comum americano.
Dessarte, ajudados pela queda nos níveis de aprovação do Presidente Obama e dos democratas, os republicanos – espicaçados à direita pelo movimento Tea Party, de tendência fascistóide – e, por isso, inebriados pela probabilidade de alcançar a maioria em pelo menos uma das Casas do Congresso, a dos Representantes, nas próximas eleições intermediárias de novembro, têm, como objetivo precípuo, quer anular a Reforma da Saúde, quer forçar-lhe o recuo em algumas de suas principais modificações ao statu quo.
Análise aprofundada junto às presentes bancadas minoritárias na Câmara e no Senado logo dissipará a impressão de que se trate de meros slogans eleitorais na respectiva campanha. Anima aos líderes e a muitos outros correligionários a séria intenção de desconstruir – se não for possível aniquilar de todo – o, para eles, monstrengo de reforma socializante que desrespeita o sentido libertário da sociedade americana. Não importa se este sentido libertário favoreça às grandes empresas e associações médico-farmacêuticos, em detrimento do cidadão comum americano.
Os zelosos deputados e senadores do G.O.P. estão preocupados, porque não desconhecem os enormes obstáculos que terão pela frente na sua cruzada contra a Reforma Sanitária. Malgrado o seu caráter moderado e as lacunas que revela – conforme assinaladas nos blogs sobre o seu Significado – essa reforma já principia a entrar em vigor, em diversas áreas (posto que somente a partir de 2014 de forma preponderante).
Desse modo, os republicanos se propõem negar os fundos que as autoridades governamentais hão de precisar para administrar e implementar a nova lei. “Nenhum centavo. Nisso não há flexibilidade alguma”, foi o que declarou recentemente John A. Boehner (Rep-Ohio), o atual líder da minoria na Câmara (e no caso de vitória nas vindouras eleições, provável Speaker).
O ataque não se cingirá a generalidades. Cláusulas específicas e de extrema relevância para a operação da reforma são igualmente visadas. O Senador Orrin G. Hatch, de Utah, apresentou um projeto de lei que almeja inviabilizar uma das principais normas da nova lei: o requisito da obrigação para um grande número de patrões de fornecer cobertura do seguro para seus empregados, ou pagar uma multa. A bondade republicana também visa o requisito que habilita a extensão da cobertura do seguro médico para a maior parte do povo americano.
A tática na atuação dos republicanos evidencia uma característiva desse partido: esse grande partido político favorece, com comovente consistência, os conglomerados industriais e as classes abastadas em detrimento dos segmentos menos abonados da população. Nesse sentido, não fazem segredo que tencionam fazer retroceder (scale back) a expansão do Medicaid, se os estados começarem a reclamar contra os custos adicionais de estender a proteção do programa a milhões de indivíduos de baixa renda.
É uma triste comprovação seja da obtusidade, seja de uma resistência do cidadão comum a intuir o que realmente significa para ele uma lei que se propõe reformar um setor que, atualmente, só aproveita às grandes corporações e aos principais operadores do rendoso sistema sanitário: nos Estados Unidos o atendimento médico pode ser de alto nível, mas o povo americano paga muito caro por isso. Para ser preciso, o preço mais caro do mundo.
Se a perspectiva de um tropeço do Partido Democrata nas eleições de novembro próximo é válido motivo de inquietude, convem não esquecer que a animosa campanha republicana contra a reforma da saúde se defronta com obstáculos importantes:
(a) nem o mais otimista republicano crê possível atingir maiorias, nas duas Casas, de dois terços, o que lhes daria a possibilidade de derrubar os vetos de Obama a eventuais projetos de lei contrários à reforma;
(b) a lei atende a uma gritante necessidade. Segundo o Escritório do Censo, havia 50,7 milhões de pessoas sem seguro médico em 2009 nos Estados Unidos;
(c) a lei de assistência médica poupa dinheiro, consoante o Bureau orçamentário do Congresso. Se o GOP conseguir revogar a lei (repeal) terão de encontrar economias similares. Esse Escritorio não-partidário determinou que a nova lei “produzirá 143 bilhões em ganhos orçamentários líquidos” no espaço de dez anos;
(d) Normas populares e impopulares estão entrelaçadas e será difícil separá-las.
Assim, é popular a ideia de estar habilitado a adquirir a apólice do seguro, não obstante qualquer condição préexistente. Eles não gostam da ideia de serem obrigados a fazê-lo. Contudo, sem esse requisito, a gente esperaria ficar doente para então reivindicar a cobertura – uma situação que se mostrou contraproducente (unworkable) nos estados que tentaram implantar um sistema nessa linha mais flexível.
As autoridades da atual Administração pretendem realçar para o público em geral as principais proteções ao consumidor que entraram em vigor na semana passada, ao completarem-se seis meses da sanção da Lei pelo Presidente Obama.
Dentre essas diretivas, os asseguradores estarão obrigados a estender cobertura a crianças com condições preexistentes; terão que permitir a permanência de jovens adultos (até 26 anos) pelas apólices de seus genitores; não podem impor limites na cobertura de benefícios essenciais de saúde; e não podem cobrar por pagamento em serviços de prevenção recomendada.
Segundo anunciam, a atuação contrária republicana se realizará em todos os níveis, no atacado e no varejo. Embora estejam conscientes dos riscos políticos que correm ao tentar invalidar normas que beneficiam o cidadão comum, acenam, ao invés, em casos determinados, em que a sua sanha principista lhes possa ser demasiado danosa, em estabelecer compensações para o cidadão. Nesse caso, é óbvio que o cidadão trocaria o certo pelo duvidoso.
A estratégia republicana não desdenha valer-se de todos os aspectos, mesmo os mais mesquinhos. Nesse sentido, desejam atrapalhar e confundir o poder regulamentador da Secretaria de Saúde, buscando revogar ou reformular muitos dos regulamentos aprovados pela Administração, através de inserções (riders) e alíneas em leis de fundos públicos.
Não há, na atitude do autodenominado Grande Velho Partido (Grand Old Party) nenhum limite no seu ímpeto desenfreado contra a reforma, prova mais concludente de que tudo para eles é político e, por conseguinte, suscetível de ser negado. Não há no seu vocabulário espaço para legislações feitas no interesse público. Tudo deverá passar pelas forcas caudinas das restrições ditas conservadoras das suas lideranças. Quem acredite na viabilidade do bipartidarismo não pode sequer ser considerado tolo. Como é mesmo que se chama quem desconhece a realidade ou não consegue entendê-la de forma simples e direta ?
( Fonte: International Herald Tribune )
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