segunda-feira, 2 de agosto de 2010

CIDADE NUA IV

Um bom Partido (05)

Uma pausa intervém.
Álvaro estranha a demora. Decerto pensara que estivesse de sobreaviso e que apareceria em seguida.
Pelos minutos que transcorrem, tal não parece ser o caso.
Afinal, a tardança se estende tanto, que arrisca um olhar para dona Zeni.
Esta, no entanto, se mantém firme, como se aquele intervalo fosse a coisa mais natural do mundo.
Então, meio por debique, encara fixamente as plácidas vistas da velha. Na sua expressão intrigada será talvez possível ler a pergunta ‘o que está acontecendo ? ’
Neste instante, ouve um barulho. A princípio, ignora de que se trate, inda que suspeite que o som tampouco escapou a dona Zeni.
Não tarda e ele se repete. Em seguida, outra vez, e logo mais outra.
O ruído, fraco a princípio, se vai reforçando, na sua peculiar cadência, no correr dos segundos.
É um compasso familiar, que tem a impressão de haver escutado muitas vezes.
E na quase certeza de o que tudo aquilo signifique, os seus olhos baixam para o soalho da porta de onde virá a resposta.
Não se enganara. Entreouvido à distância, escuta crescerem nos tacos de madeira as rápidas batidas.
Assim, ao adentrar a moça na sala, para ele a imagem de Eudóxia se formará a partir dos pés encarapitados nos saltos altos, que com tanta firmeza irromperam no seu campo de visão.
*
“Álvaro, essa é a moça de quem lhe falei para secretária.”
A reação dele surpreendeu Zeni. Sem fitá-la nos olhos, ele a cumprimentou.
Terá sido a juventude de Eudóxia ? Ou seria a louçania de sua beleza morena ? Ou quem sabe o decote da blusa, a entremostrar seios de vinte anos ?
Ficara preocupada. Nunca imaginara que tivesse problema de timidez. E não é que não a olhava de frente ? Se suas vistas a perseguiam, o faziam quase sempre de esguelha.
Diria que Álvaro estava envergonhado de uma companhia tão jovem.
E se aquele súbito acanhamento não refletisse a sua culpa diante da esposa recém-falecida por trazer para dentro de casa alguém tão atraente ?
Por um átimo, ela se pergunta se agiu corretamente. As comadres dizem que beleza não põe mesa, mas convenhamos, cogitava ela enquanto espiava Álvaro, como ajuda !
Se a moça não era muito esguia, sabia compensá-lo com o porte, o corpo bem formado, os saltos altos, e a graça no andar...
Sem falar daquele dom divino que a natureza desperdiça com os jovens...
Nesse minuto, Zeni colheu o semblante de Álvaro. Ele estaria resumindo, em poucas e apressadas frases, para a atenta e futura secretária como entende deva ser o trabalho cotidiano. Nos seus olhos, porém, a comadre discerne um brilho diverso. Quiçá, por ora, ainda fugidio. Para ela, contudo, inequívoco, nas suas negaças que não dissimulam os anseios da vontade de viver.
*

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