Não há jornal neste país que brilhe mais do que o Estado de São Paulo em matéria de combate contra a censura. Próprio, portanto, semelha o simbolismo de que hoje se assinale o transcurso de aniversário que os verdadeiros democratas desejariam jamais chegasse a tão melancólico marco.
É difícil entender que diante da manifesta inconstitucionalidade da censura – não cansarei os leitores com mais citações dos artigos 5º inciso IX e 220, parágrafo 2º da Constituição Federal - o remédio para o abuso tarde tanto.
E, sem embargo, a tentativa de censurar a reportagem de O Estado começara bem. Com efeito, o juiz Daniel Felipe Machado, da 12ª Vara Cível de Brasília, a quem a ação de Fernando Sarney fora distribuída, negou a liminar por julgar que o jornal agiu de acordo com o direito de liberdade de imprensa. Entretanto, em recurso agravo de instrumento, distribuído ao desembargador Dácio Vieira, obteve o empresário Sarney satisfação para o que desejava.
Nesse mesmo dia 31 de julho de 2009, concedeu o desembargador do TJ-DF liminar calando o jornal por meio de ordem expressa para que não mais publicasse quaisquer dados sobre o empresário obtidos pela Polícia Federal, relativos à Operação Boi Barrica. Além disso, Vieira decretou segredo de Justiça para o agravo de instrumento e para a ação inibitória, impedindo também a divulgação dos dados dos processos, exceto para as partes e seus advogados. E determinou aplicação de multa de R$ 150 mil para ‘cada ato de violação’, isto é, para cada reportagem publicada.
Na época, a presteza e a amplitude da sentença de Dácio Vieira despertaram espécie, sendo fato notório que é do convívio social da família Sarney e do ex-diretor do Senado Federal, Agaciel Maia (aparece em foto no casamento da filha de Agaciel ao lado do Senador José Sarney).
Em 18 de dezembro de 2009, Fernando Sarney requereu à Justiça a desistência da ação. A defesa do Estado se opôs à estratégia do empresário, optando pelo julgamento do mérito, atendida a importância da questão.
Talvez o momento mais importante da jornada judiciária haja sido até agora a rejeição pelo Supremo Tribunal Federal, por seis votos a três, da tese de que a censura ao Estado desrespeitava decisão do próprio STF que tinha consagrado a liberdade de expressão ao derrubar a Lei de Imprensa.
Cabe notar que os ministros não julgaram o mérito da questão e sim apenas avaliaram se o caso tinha relação com o resultado do julgamento sobre a Lei de Imprensa, considerada inconstitucional em abril de 2009.
A estratégia dos advogados do Estado de requerer uma liminar nesse caso, foi contestada pela maioria do STF. Sem embargo, dada a importância de o que se julgava, três ministros se pronunciaram a favor da liminar, destacando sua oposição à chamada censura judicial. Foram os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Carmen Lúcia que se expressaram de conformidade com o espírito libertário que presidiu à vontade da Carta de 1988 de abolir a censura em todos os seus avatares.
Perdida a oportunidade pelo Supremo de pôr termo ao processo de censura iniciado em julho de 2009, há três recursos pendentes, dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), que carecem de ser julgados, para que o mérito da questão seja avaliado e a pendência decidida.
Em caderno especial publicado pelo Estado na data de hoje, existe um certo consenso quanto à influência negativa da burocracia forense com vistas à sobrevida da mordaça judicial. A esse respeito, o advogado do Estado e ex-secretário da Justiça, Manuel Alceu Affonso Ferreira, dá como razão por que se arrastem os recursos do jornal ao STJ e ao STF, “o velho problema da lentidão judicial, que não é culpa dos juízes, nem dos promotores, nem dos advogados e, muito menos, das partes. Esse é um dos mais complexos problemas da estrutura judicial brasileira.”
Compreende-se a posição do advogado e a conveniência de não afrontar aos eventuais responsáveis por uma situação de morosidade, que se reflete em óbvio detrimento das partes e da sociedade em geral. No caso em tela, outra resposta do Dr. Manuel Affonso desvela quem é a vítima da censura: “Sempre que um jornal é censurado não se ofende apenas ao direito da empresa. Ofende-se também ao outro componente indissociável da liberdade de imprensa: o direito à informação de que gozam os leitores.”
Por fim, nessa luta comprida, a liberdade de imprensa deve caminhar de mãos dadas com a proibição radical da censura em todas as suas formas e disfarces. Nessa campanha há uma infeliz conjunção de silêncios: o silêncio dos grandes jornais e veículos de comunicação, assim como um outro silêncio, ainda mais pesado - o silêncio dos poderes constituídos e de seus próceres.
A democracia agradeceria a ajuda não apenas de uns poucos, bravas vozes mas isoladas no mar do mutismo e da indiferença, mas dos muitos, se acaso prezam o sistema que deveria garantir a equidade na representação e na justiça.
( Fonte: O Estado de São Paulo )
sábado, 31 de julho de 2010
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