O entendimento entre a Igreja e o Governo Zapatero de um lado, e o regime castrista de outro, sobre a libertação de dissidentes cubanos, tem evoluído de forma previsível. A decisão do governo de Raul Castro de conceder a liberdade a determinado número de prisioneiros políticos, a quem foi permitido viajar para o exterior, não significa decerto conversão tardia aos princípios democráticos de liberdade de pensamento e opinião por parte de Havana.
Como já se verificou no passado, Fidel Castro e agora seu irmão Raul podem contemplar concessões tópicas, para atender a necessidades econômicas. A flexibilidade cubana indica sem dúvida fragilidade do regime, causada pelo embargo comercial da União Europeia.
Através da negociação com a diplomacia espanhola, Raul Castro visa contornar as dificuldades comerciais colocadas pela Posição Comum, mecanismo que condiciona o relacionamento da U.E. ao cumprimento dos direitos humanos em Cuba.
Por outro lado, o súbito reaparecimento político de Fidel Castro, conforme manifestado em duas oportunidades, tem o escopo óbvio de desviar as atenções da operação dissidentes. Sem o dizer, sinaliza-se tanto a coordenação no topo da hierarquia, quanto a coerência doutrinária na manutenção dos princípios revolucionários.
Também não hão de espantar as imperfeições em status e tratamento concedido aos dissidentes cubanos pelo governo de José Luis Rodriguez Zapatero. Os prisioneiros de consciência do regime castrista, ora liberados, pagaram muito caro tal generosidade dos irmãos Castro para merecerem o gênero de atenções que lhes dispensam os funcionários espanhóis.
Ao invés de refugiados, a Espanha os considera como imigrantes comuns, a que deseja enfurnar em localidades interioranas e não em Madri.
Só mesmo muita ingenuidade – para caracterizar de forma branda a causa determinante – para que o governo Zapatero pudesse imaginar desvencilhar-se de tal maneira desses reféns da democracia. Aos dissidentes não agradará – e com sobeja razão – que a sua libertação token [1] seja instrumentalizada para ensejar a revogação pela União Europeia do embargo simbolizado pela Posição Comum.
Estão corretos os socialistas espanhois, atualmente no governo, ao definirem como oportunista a crítica do Partido Popular (PP), que apoia os dissidentes em suas queixas quanto à maneira de seu recebimento na Espanha. Não obstante, e independente da motivação, o apoio é bem-vindo aos cubanos. Ao pecarem pela insensibilidade, os funcionários espanhóis merecem tais censuras.
As eventuais imperfeições no tratamento pós-libertação dos dissidentes não devem, no entanto, obscurecer a qualidade essencial na participação espanhola. Nisto ela se diferencia da atitude de outros governantes, de nós bem conhecidos, que julgaram apropriado comparar os prisioneiros das masmorras dos Castro a delinquentes comuns.
Pois a eles será sempre oportuno lembrar que, antes de tudo, merecem respeito.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] token significa no caso medida isolada e insuficiente, destinada a mascarar uma realidade.
terça-feira, 20 de julho de 2010
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