Há na Constituição Federal disposições suficientes para banir a censura, em todas as suas formas e avatares, das comunicações, escritos e espetáculos. Promulgada a Carta Magna, tal era o sentir unânime dos contemporâneos, que tinham vivido a vergonha, tão pública quanto privada, do cerceamento da expressão, seja pelo crivo policiesco e burocrático, seja pelos arreganhos dos poderosos de turno. Nada mais poderia refletir tão fundamente esse júbilo quanto a frase Censura, nunca mais! que para sua honra ouvimos do então Ministro da Justiça, Fernando Lyra.
Reiterando tal convicção, a Constituição de cinco de outubro de 1988 nos fornece ainda hoje argumentos irretorquíveis. E não me parece inútil ou redundante transcrevê-los, pelos motivos que explicitarei abaixo.
Artigo 5º , inciso IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”
Artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
parágrafo 2º: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
Com o passar dos anos, a hidra da censura foi ressurgindo. Como nos ensina Michel Foucault, o poder se manifesta em fontes diversas e múltiplas. Qualquer sede burocrática ou assemelhada será capaz de tolher a ação daqueles porventura atingidos por seu raio de ação, por modesto e tacanho que se afigure.
Considerado o elevado patamar em que se determinou a vedação da censura política, ideológica e artística, cabe a pergunta por que ela persiste sob tantas formas, e notadamente a judiciária e a administrativa.
Uma primeira e tentativa resposta será paradoxalmente a própria elevação do instrumento. Votada e promulgada a Constituição, e externada a pública alegria com a quebra dos ignóbeis grilhões da censura, seja através dos órgãos oficiais encarregados de implementá-la, seja pela vivência de uma nova realidade, os adversários da nova situação trataram de que passasse o tempo, e com ele a vívida consciência de uma liberdade adquirida com muita luta.
Os anos posteriores iriam demonstrar que conquistas como o banimento da censura não são empresas transitórias, sobre as quais se possa colocar uma bela lápide de granito que para sempre comemore a gesta dos constituintes. Não é infelizmente um truismo que a liberdade deva ser conquistada a cada dia.
A censura iria levantar a hedionda cabeça quer na esfera judiciária, quer naquela burocrática. Se a segunda não há de despertar maior estranheza, tampouco deveríamos surpreender-nos com a primeira.
Compreendo, caro leitor, o seu ceticismo. Como se há de imputar isso à nobre e cega Justiça, conhecedora das leis e máxime da maior de todas ? Em princípio, concordo com a ponderação. No entanto, se há juizes – e creio sejam a maioria – que aplicam, no caso em tela, a letra e o espírito da Constituição, há outros, sobretudo nas instâncias inferiores, que reputam possível conciliar as demandas de poderosos locais ou regionais, eludindo as regras inequívocas do inciso IX do artigo 5º e o parágrafo 2º do artigo 220.
A despejada Censura, ela não se esconde apenas nos grotões, de que nos falava Tancredo Neves, mas até ousa exibir-se no centro da República, no Planalto Central, em decisão, contestada por muitos, mas até hoje vigente, prestes a completar um ano!
Que uma sentença manifestamente inconstitucional possa perdurar tanto já é por si razão para devotar mais tempo e mais atenção à defesa da liberdade de expressão. Não se pode deixar a censura e o obscurantismo que ela encerra confiados apenas às alturas por vezes inatingíveis ou inaplicáveis da Lei Magna. Carecemos de familiarizar melhor público e autoridades com as cotidianas necessidades da livre expressão do pensamento e do espetáculo.
Dentre os escândalos jurídicos e políticos, há dois que merecem cuidado e acrescida pormenorização. Existe o absurdo jurídico da lei eleitoral nr. 9504, de 1997, que permite baixar, na prática, a censura nos programas humorísticos de TV e rádio.
É uma lei com determinações claramente inconstitucionais, e não obstante está regulamentada pelo T.S.E. O outro – a censura imposta ao Estado de São Paulo - tem sido objeto de diversos blogs e também é motivo de preocupação. Oportunamente tais questões serão desenvolvidas com mais detalhe.
Por ora, a inquietação do cidadão já se afigura bastante.
(A continuar )
quinta-feira, 29 de julho de 2010
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