domingo, 25 de julho de 2010

Cossovo: a sentença da Haia

A Corte Internacional de Justiça, na Haia, por maioria de dez a quatro, considerou que a proclamação da independência do Cossovo não violou o direito internacional.
A sentença da CIJ, emitida na quinta-feira, 22 de julho, como as decisões da Assembléia Geral das Nações Unidas não tem caráter vinculante, representando apenas uma recomendação.
Como se sabe o Cossovo, antiga província da Sérvia, em declaração unilateral de independência, se separara de Belgrado em 2008. A decisão cossovar, que é de maioria da etnia albanesa, foi contestada pelo governo sérbio.
A secessão do Cossovo cindiu a comunidade internacional de nações. A Federação da Rússia apoiou a posição de Belgrado, assim como a Grécia. Por outro lado, os Estados Unidos e outros 68 países reconheceram a independência do Cossovo. A esse respeito, os estados membros da União Europeia estão divididos, posto que haja maioria favorável à postulação cossovar.
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, no entanto, o Cossovo não logrou obter a maioria de dois terços para o seu reconhecimento.
Antes de examinar-se as implicações do veredicto não-obrigatório da Corte da Haia, semelha relevante definir-lhe a abrangência.
Com efeito, a CIJ seguiu uma linha bem determinada ao afirmar que o direito internacional não contém nenhuma “proibição acerca de declarações de independência” e que, por conseguinte, a declaração do Cossovo “não violou o direito internacional”.
Se a declaração de independência foi havida como ‘legal’, escrupulosamente a Corte evitou de tirar a consequência que para um leigo poderá parecer como lógica. Dessarte, segundo a CIJ, a legalidade da declaração não implica na eventual legalidade de uma entidade independente perante a comunidade das nações. Em outras palavras, não se pode interpretar a sentença como significando a legalidade do estado do Cossovo perante o direito internacional.
Consoante a interpretação de especialista, a Corte evitou asseverar que a legalidade da declaração acarretava igualmente a legalidade do Estado. Nesse sentido, a legitimidade do Cossovo será conferida pelos países que o reconhecerem como independente, e não pela CIJ.
A cautela da Corte – para uns – e a sua recusa em tirar consequência da própria decisão – deixa essencialmente a comunidade internacional na mesma incerteza que preexistia à divulgação da sentença.
Não é fácil para muitos entender que a Corte da Haia procura ater-se aos aspectos jurídicos de uma questão, buscando não entrar em terreno político.
O que torna a questão colocada pela declaração unilateral de independência do Cossovo ainda mais delicada está no potencial existente no mundo de hoje para o secessionismo e a fragmentação dos Estados.
Talvez possa, a princípio, parecer paradoxal esse movimento – em um momento no qual afigurar-se prevalente a tendência para a união de grandes formações territoriais.Os exemplos são tantos que dispensam a itemização. Não obstante e de modo peculiar – como manifestações provincianas adrede na contramão da História – não faltam os candidatos potenciais a futuros mini-estados.
Poderiam, a esse propósito, serem mencionados Chipre do Norte[1], Ossétia do Sul[2],
Abkhazia[3],Somalilandia[4], Nagorno-Karabakh [5], Transnistria[6], e a região basca[7]. Na Europa existem outros movimentos secessionistas, como, v.g., em Catalunha e Escócia.
Como se verifica, existe um potencial de reivindicações, em que muita vez o romântico não caminha de mãos dadas com a frieza dos interesses econômicos e políticos.
Daí, a sentença da Haia, a despeito de não-vinculante, pode ser acoimada de nefelibata[8]. Para muitos, resultará difícil entender que uma declaração possa ser legal e, sem embargo, não acarrete, sobre a entidade territorial a que se refere, a própria consequência.
Para outros, porém, para quem o direito vigente é a exteriorização do poder político dominante, será no fim de contas o político e não o jurídico que, em verdade, há de prevalecer.
É o que restará em aberto, e não se poderá dizer que estará em contrário da douta opinião da Corte Internacional de Justiça.

( Fonte: International Herald Tribune )

[1] A República Turca de Chipre do Norte decorre da intervenção militar de Ancara. Sem outro reconhecimento internacional que o da Turquia, se mantém graças ao apoio deste país.
[2] Ossétia do Sul, região do Cáucaso, com independência de facto da Georgia, com apoio de Moscou.
[3] Abkhazia, região no Cáucaso sudoeste, com independência de facto da Georgia, com apoio de Moscou.
[4] Somalilândia – região independizada da antiga Somália, na costa oriental da África.
[5] Nagorno-Karabakh – enclave entre o Azerbaijão e a Armênia, hoje sob governo da República do Nagorno-Karabakh.
[6] Parte do território da Moldávia, de que se independizou em 1990, com apoio da Federação Russa.
[7] região montanhosa no norte da Espanha e no sudoeste da França.
[8] quem vive nas nuvens e está, portanto, isolado da realidade.

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