segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Lei da Ficha Limpa e o Judiciário

De início, é indispensável ter presente o que a nova Lei significa, em meio ao permissivismo existente nos três poderes da República, e a que a Lei da Ficha Limpa representa o primeiro desafio.
Em meu blogLições da Lei da Ficha Limpa”, de 29 de junho de 2010, ocupei-me de algumas consequências lógicas da formal entrada em cena da nova legislação. Sendo um pleito da sociedade civil, que a opinião pública através do MCCE logrou impor a um Poder Legislativo corporativista e alienado.Um de seus líderes ousou afirmar que o projeto não era prioridade do governo e sim da sociedade. Talvez a importância da conquista me haja induzido a subestimar os desafios que persistem, e que são, na sua intrínseca arrogante insolência, ainda demasiado capazes de, na prática, afetar a eficácia do novo instituto legal. Alcançariam, assim, o que a surda oposição das lideranças na Câmara e no Senado não havia conseguido, vale dizer, preservar a sobrevida política dos fichas sujas.
Entenda-se de início esta difundida crença no estamento dominante nacional de que, ao contrário de o que afirma a nossa Lei Magna de 5 de outubro de 1988, nem todos os brasileiros são iguais perante a Lei. Com todas as suas lacunas culturais, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou triste verdade, ao querer justificar privilégios para o Presidente do Senado, José Sarney, então acusado de envolvimento em inúmeros escândalos no Senado Federal : Sarney não é um cidadão comum.
Para o nosso desenvolvimento sócio-político e para o reforço de autêntica democracia, não há frase mais acabrunhante e contraproducente, ao desvendar o Primeiro Magistrado da Nação o real estado da aplicação da Lei no Brasil. Se ainda temos de caminhar bastante na senda dessa democracia autêntica e, portanto, igualitária, é mister nos vermos livres de tais formulações deturpadas, que nada mais são do que a sobrevivência do antigo regime, o do privilégio para a classe dominante, mal disfarçado por disposições constitucionais cuja não-aplicação em muitos casos torna questionável a sua universal abrangência.
A hidra da corrupção e do privilégio não se resignaria facilmente às disposições da Lei da Ficha Limpa que afasta, por prazos determinados, das listas eleitorais aqueles políticos condenados em segunda instância, por órgão colegiado. Dentro de visão otimista dos efeitos desta Lei, assinalara, no entanto, que “é importante evitar que firulas jurídicas - consubstanciadas em eventuais liminares – venham a dar sobrevida legislativa para a triste fauna que há de constranger as convenções partidárias para lograr o ambicionado ingresso nos comícios de três de outubro”.
Mais do que a reação do grupo de políticos enquadrados no novo instituto legal, o que na verdade terei subestimado terá sido o apoio que essa gente pode receber de representantes do Judiciário. Foi uma série de liminares favorecendo, entre outros, a Garotinho. Não se deve desencorajar o Movimento contra a Corrupção Eleitoral, e o vasto segmento da opinião pública – e não opinião publicada, como certos setores intentam depreciá-la.
O Ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que se tem assinalado como um defensor das boas causasv.g., contra a censura judicial à imprensa que o incompreensível episódio do arrocho ao Estadão pelo TJ-DF ainda prolonga – acaba de negar três pedidos de liminares, que almejavam suspender os efeitos da dita Lei da Ficha Limpa.
Ayres Britto nisso diverge – e em boa hora – de seus colegas Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que suspenderam condenações que impediam o registro de candidaturas de dois políticos. Ao apoiar o espírito e a letra da lei, o Ministro Ayres Britto interrompe pouco alentadora sucessão de decisões judiciais, que atendem às solicitações de liminar dos políticos com condenações no segundo grau da Justiça. Neste contexto, é relevante citar um dos despachos de Ayres Britto: “A lógica perpassante de toda a Lei Complementar 135/2010 (Ficha Limpa) aponta para a exigência do requisito da colegialidade. Se não é qualquer condenação judicial que torna um cidadão inelegível, mas unicamente aquela decretada por um órgão colegiado, apenas o órgão igualmente colegiado do tribunal pode suspender a inelegibilidade.”
Os políticos cujas pretensões de ‘autorizações provisórias para participar das eleições’foram fulminadas por Ayres Britto são o deputado federal João Alberto Pizzolati Júnior (PP-SC),e o ex-prefeito de Montes Claros (MG), Athos Avelino (PPS) e seu ex-vice, Sued Kennedy. Quanto ao candidato a vereador em Maringá (PR), Juarez Firmino de Oliveira, que pedia efeito suspensivo para a sentença do TRE que julgou irregulares as suas contas, disse o Ministro que não cabe ao STF examinar casos relacionados com recursos eleitorais.
É de toda importância que sejam decisões como as do Ministro Ayres Britto que constituam a regra no que respeita à Lei da Ficha Limpa.
Ao invés das firulas das liminares, aplique-se a letra e o espírito da Lei Complementar 135/2010. A Sociedade agradece.

( Fonte: O Globo )

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