quinta-feira, 15 de julho de 2010

O Brasil e a Dívida

No feriadão virtual da Copa do Mundo, a imprensa também tratou da dívida dos países emergentes. Como o tema então recebeu a atenção redimensionada pelo evento maior, acredito que seja oportuno analisá-lo de forma mais detida. Afinal, o Brasil já começou endividado quando entrou, na terceira década do século XIX, no concerto das nações, graças à mediação inglesa junto a D. João VI e a Corte portuguesa. Não terá sido a assunção de dívida em libras esterlinas algo que se possa considerar como justo, sobretudo se computarmos as involuntárias contribuições da Colônia à metrópole com o ouro das Minas Gerais.
No entanto, o que importa é a nossa caracterização como nação devedora, constituindo, por assim dizer, o preço pago pelo reconhecimento da independência. Se não é um estigma, representa decerto atributo com que soberanos e presidentes, constitucionais ou não, tiveram de aprender a lidar através dos tempos.
Por isso, quando o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva calçou os borzeguins do orgulho e proclamou o adeus da Nação brasileira à dívida externa, houve alguma perplexidade. Seria como se nos fosse difícil coexistir com a realidade de não mais dependermos do Fundo Monetário Internacional e de, inclusive, chegarmos ao floreio de emprestar dólares ao FMI.
Para aqueles que viveram os tempos das missões do Fundo, dos documentos assinados pelas autoridades financeiras brasileiras comprometendo-se a isso e aquilo, com vistas ao recebimento do empréstimo do FMI – que mais interessava pela sinalização favorável aos demais bancos financiadores do que pelo respectivo montante – a atitude do Governo Lula pode ser entendida de forma mais profunda.
Significaria a marcação solene de um rito de passagem. De devedores contumazes, tendo que assinar compromissos para obter o distintivo de ‘bom comportamento’ do Fundo – compromissos esses que, segundo um Ministro da Fazenda daqueles tempos, o governo não tinha a menor intenção de atender - o Brasil se descobria guindado à posição de credor do F.M.I., contribuindo para tanto com dez bilhões de dólares.
Sem embargo, de uns meses para cá, a posição do Brasil não tem luzido com o brilho anterior que o fizera um dos países emergentes preferidos nas aplicações de capital dos principais inversores internacionais. Colaboram para tanto (i.) a tendência para superavits menores na balança comercial, de que me tenho ocupado em blogs anteriores, e que se deve à apreciação do real, com o incremento nas importações e o inferior desempenho nas exportações; (ii.) a consequente ampliação do déficit no balanço de transações correntes, dada a impossibilidade de compensar os compromissos financeiros.
Se ao invés de saldos, acumulamos déficits, a nossa posição tende a sofrer, pela necessidade de endividar-se em condições creditícias menos favoráveis.
Por outro lado, a dívida bruta brasileira – que no primeiro mandato de Lula despencara de 67,3% do PIB (em 2002) para 56,4% (em 2006) – a partir do segundo mandato, em reflexo ao abandono da ortodoxia financeira de Palocci por uma gestão mais frouxa e menos responsável, passaria de 58%, em 2007, para 62,8%, em 2009.
Para o continuado e preocupante aumento da dívida bruta em relação ao PIB – exibimos agora o dúbio galardão de sermos o terceiro país dentre os emergente em montante da dívida bruta (67,2% em 2010) – muito têm contribuído as chamadas capitalizações do BNDES. Para compensar o baixo aporte orçamentário destinado aos investimentos produtivos – dado o crescente peso dos gastos correntes e com o funcionalismo do governo – a Administração Lula se tem servido das chamadas captações para aumentar a capacidade de crédito do BNDES. Nesse sentido, de 2008 para cá, os empréstimos do governo àquele banco estatal passaram de 0,5% para mais de 6 % do PIB. Com a elevação da taxa de juros pelo Copom, a taxa Selic do Banco Central se alçou, o que se reflete na sobrecarga do pagamento de juros pelo Tesouro Nacional.
Em termos de dívida bruta, estamos abaixo apenas da India (79%) e da Hungria (78,9%). No que tange a China, com uma dívida de 20% e a Rússia, 8,1%, a diferença é bastante alentada. A menor dívida bruta é a da economia chilena, com apenas 4,4%.
Dado o nosso histórico de endividamento e as consequências dessa irresponsabilidade, se me afigura oportuno concluir com as seguintes considerações do Prêmio Nobel Paul Krugman:
Qual é a mensagem do livro Esta Vez é Diferente [1]? Em resumo, é que muita dívida é sempre perigoso. É perigoso quando um governo toma demasiadamente emprestado de estrangeiros – mas é igualmente perigoso quando toma muito emprestado de seus cidadãos. É também perigoso quando o setor privado se endivida pesadamente, seja de estrangeiros, seja de si próprio – visto que bancos são basicamente instituições que tomam emprestado de seus depositantes, em seguida o dão como empréstimos para outros, e as crises bancárias estão entre os choques mais devastadores que uma economia pode enfrentar.”

( Fontes: The New York Review, nr. 08/2010 e O Globo )


[1] Esta Vez é Diferente: Oito Séculos de Loucura Financeira, de Carmen M.Reinhart e Kenneth S. Rogoff, Princeton University Press.

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