Contraposta à atual situação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, a candidatura de José Serra à presidência da república enfrenta inegável crise. E, sem embargo, seria com algum espanto que alguém, porventura ausente por uns três meses do cenário nacional, viesse a deparar-se com a nova realidade.
Serão para este viajante plenamente justificáveis as perguntas: aonde foi parar a confortável liderança do Serra, tanto para o primeiro, quanto para o segundo turnos?; como se explica a súbita vantagem de Dilma, não obstante a sua falta de consistência política ?; e onde foi parar o Aécio Neves ?
Dado o seu temporário afastamento, as dúvidas deste senhor são até compreensíveis. Com a paciência dos espectadores dessa já longa peça, tentemos trazer algum luz ao personagem que ora retorna.
Comecemos pelo último quesito. Mesmo para um político mineiro, é de difícil compreensão a atitude de Aécio Neves. Ao cabo de um bem-sucedido governo de Minas Gerais, bafejado pelo apoio de seus conterrâneos, por um tempo Aécio acreditou na possibilidade de ser o candidato do PSDB à presidência. Para tanto, julgou valer-se de sua popularidade na província, a par do dom oratório, do inegável carisma e da herança de Tancredo Neves.
O problema com que topou é que o PSDB já tinha um candidato, com longa fé de ofício e que, ainda por cima, cedera a vez no último pleito a Geraldo Alkimin. Desta feita, embora não o dissesse expressamente, este candidato preferiu continuar na luta. Sem antagonizar o rival, permaneceu no campo até que o rival mais jovem se conscientizasse de que não dispunha de apoio bastante, seja no partido, seja na opinião pública, para tornar-se o cabeça da chapa tucana.
Entrementes, o seu correligionário mais antigo esperara pacientemente que Aécio se resolvesse a não mais contestar-lhe o direito de encabeçar a postulação do PSDB. José Serra procedera com paciência e equanimidade. Em não contribuindo para turvar as águas, pensava ele decerto também na conveniência de que o partido entrasse na liça com a força plena. Tal era igualmente o pensamento dos demais próceres, a partir do próprio Fernando Henrique Cardoso.
Desta estória, de que todos sabem o desfecho, ficou apenas a indagação do porquê Aécio se recusou a formar a dita chapa puro-sangue. E por mais que tenha sido aceita a sua negativa, e que o candidato não se tenha manifestado contrariado, a dúvida quanto aos reais motivos – e a consequente censura – há de permanecer incômoda e inapagável.
A partir deste percalço, fica mais inteligível a progressiva crise da candidatura de José Serra. Se a política e a lógica prescreviam o interesse de uma forte postulação, apoiada não apenas nominalmente, mas factualmente por intermédio dos dois maiores expoentes do PSDB, o não de Aécio Neves carregava consigo maus ventos para a trajetória da candidatura Serra.
A decadência do DEM compôs o quadro, a que se devem agregar as incertezas tucanas. Dessarte, o lugar do vice, que poderia carrear apoio adicional ao candidato, transformou-se em uma fonte de sinais contraditórios que acabariam na confrangedora e decepcionante indicação de um personagem secundário e quase desconhecido, para compor a chapa do PSDB que se pretendera puro-sangue.
Quanto à atual queda nas pesquisas, para quem as liderara confortavelmente desde a largada, é uma decorrência dessa falsa partida da candidatura Serra, a par do trabalho incansável do grande demiurgo, Luiz Inácio Lula da Silva, que não escatima nenhum esforço, nem o subordina a nenhuma honraria – sequer compareceu à reunião de cúpula do G-20, delegando a Guido Mantega a tarefa de representá-lo, inda que nas fileiras de trás da foto – no seu empenho de promover a pupila. Para tanto, e a despeito da experiência, se esforça em transferir-lhe grande parte da inegável popularidade.
Em política, no entanto, tudo é possível. Magalhães Pinto, antigo prócer da UDN e governador de Minas, dizia que política é feito nuvem. Olhada agora, está de uma forma. Mas, olhada um pouco depois, as coisas podem estar mudadas.
Por isso, a situação de José Serra como candidato decerto preocupa, mas ainda é cedo para sentenças definitivas. Muita água há de passar por debaixo da ponte antes da proclamação do resultado.
E talvez na etimologia de crise – que deriva do grego krisis – José Serra encontre senão lenitivo, pelo menos motivo para reflexão. Pois krisis quer igualmente dizer escolha, processo de seleção, julgamento, tensão, conflito, alteração.
Quem sabe, a campanha subsequente possa até proporcionar o ensejo de mostrar ao eleitor quem carrega maior bagagem de realizações, quem é o mais experiente e bem-sucedido político.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
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