sábado, 17 de julho de 2010

O Aprendiz de Ditador

Há alguns meses Hugo Chávez não é mencionado por este blog. Por tal omissão o caudilho venezuelano não tem ‘responsabilidade’ direta. O leitor há de convir, no entanto, que a capacidade do coronel-presidente em produzir factóides está bem acima da média dos políticos sul-americanos.
Nas últimas semanas, na sua busca desesperada de temas diversionistas para a realidade da Venezuela – a inflação de 31%, a mais alta da América Latina, os cortes de energia, as prateleiras vazias nos supermercados, os enlatados podres, ‘produzidos’pela PDVAL, a empresa estatal encarregada da importação de alimentos – o presidente Chávez literalmente desenterrou o seu ídolo Simon Bolívar.
O propósito ? Através de uma autópsia do herói venezuelano transformar a sua morte em assassínio político, e não mais em decorrência de causas naturais, seja da tuberculose (determinada pela autópsia do médico francês do Libertador), seja de infecção pulmonar disseminada, provocada pelo arsênio (empregado na época com fins medicamentais).
Chávez, se conseguir ‘provar’ a morte dolosa de seu ídolo, teria elementos para dizer que os assassinos de Bolívar – a oligarquia nacional e seus aliados, os Estados Unidos e a Colômbia de Santander – são na verdade mutatis mutandis também os mesmos adversários com que o presidente bolivariano hoje se defronta.
O histrionismo chavista, mesmo em padrões latino-americanos, não parece conhecer limites. A foto ora distribuída para geral consumo da mídia, com o caixão do Libertador, enorme pavilhão venezuelano, e os supostos expertos médicos-legistas, paramentados com trajes de astronautas, seria ridícula, quase ofensiva, se não nos lembrasse de Samuel Johnson[1] e de seu dito tão repetido de que “o patriotismo é o último refúgio do patife”.
É mais do que discutível que toda essa movimentação, manipulada com maestria por Chávez – se a análise respectiva se limitar aos escopos imediatos do caudilho, que são o de chamar a atenção, a qualquer custo – terá alguma sequência objetiva.
De toda maneira, Hugo Chávez Frias se esforça em trazer para a ribalta outras questões que não o seu desgoverno, a crise recorrente nas relações com a Colômbia – e os inevitáveis prejuízos na queda do intercâmbio com Bogotá. Tudo isso para desviar as atenções das perseguições a opositores, acosso à imprensa e outros meios de comunicação.
A causa do hiper-ativismo – até em padrões do coronel presidente – está nas próximas eleições parlamentares de 26 de setembro. A atual Câmara Legislativa, por culpa então da própria oposição, tem sido dócil instrumento do Executivo chavista. Se as coisas mudarem, e a assembléia deixar de ser um gigantesco carimbo dos desígnios de Chávez, uma janela de potencial contestação poderá abrir-se na república bolivariana.
Para quem já domina os três poderes estatais, não será uma batalha desimportante. Não há de ser o embate final, mas pode indicar o fortalecimento de uma tendência pró-democrática.

( Fonte: O Globo )
[1] Lexicógrafo inglês (1709-1784)

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