É de provocar espécie o chorrilho de apoios na imprensa ao anteprojeto do Deputado Aldo Rebelo, estigmatizado pelos ambientalistas pelo seu embasamento pseudocientífico e pela sua defesa das teses ruralistas.
Com efeito, reportei-me no blog de nove de julho ao editorial de O Globo, que se intitula especiosamente “A busca pelo equilíbrio no Código Florestal”. Associando-se a esse inopinado canto de sereias, a revista Veja desta semana nos vem com estranha matéria, recheada de elogios para o novel porta-voz da frente ruralista.
A reportagem de duas páginas, denominada ‘Um Comunista de bom-senso’, firmada por Gabriela Carelli, vem até com avantajada foto do relator do anteprojeto, que nos mimoseia com a citação de Sua Excia.: ‘nos últimos quarenta anos, uma série de decretos, portarias e resoluções transformou o Código Florestal em uma aberração jurídica’.
Profusa em elogios para o deputado do PCdoB – que é candidato à reeleição – vejamos os mimos alinhados pelo aludido artigo: ‘Conhecido por excentricidades como a tentativa de proibir o uso de palavras estrangeiras em repartições públicas, Rebelo revelou neste episódio que, quando se trata de defender os interesses reais do Brasil, ele não tem nada de esquisito.’ (são meus os grifos do blog)
Mais adiante, somos informados pelo deputado que ‘é raro que um proprietário cumpra o código atual sem arcar com prejuízos, o que representa um risco para o agronegócio e para a economia brasileira.’ Seguem-se cálculos fornecidos pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acerca dos efeitos deletérios de uma obediência à risca do atual código, complementados pela abalizada sentença da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), que vem a ser a presidente da citada CNA.
No seu afã de convencer-nos dos alegados méritos do trabalho do deputado Rebelo, a matéria de Veja não teme afrontar ‘um dos pontos mais espinhosos (sic) da legislação (que) diz respeito à reserva legal, os percentuais de mata nativa que o dono do imóvel rural é obrigado pela lei a preservar.’
Em seguida, observa en passant que ‘em 1998, uma medida provisória elevou esses percentuais, fixando-os em 80% na Amazônia, 35% no cerrado e 20% no restante do país’.
Já no final desse peculiar arrazoado, Veja nos regala com as seguintes considerações: ‘O relatório da reforma tenta conservar outras incoerências (sic) da legislação vigente, como as regras para as áreas de preservação permanente (APPs), que incluem as várzeas, encostas e topos de morro. Essas áreas não podem ser desmatadas por nenhuma razão. Ocorre que elas abrigam muitos cultivos tradicionais, como a banana no Vale do Ribeira e o arroz no Rio Grande do Sul.’
E, em conclusão de tais observações, eis o fecho comovente: ‘ Quem sabe virá do deputado Rebelo a solução que concilia a preservação ambiental com a viabilidade do agronegócio.’
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Esta matéria da revista Veja, datada de catorze de julho corrente, e que já se acha nas bancas, pode ser considerada um exemplo de como não deve ser elaborada uma reportagem digna desse nome.
O leitor merece respeito. O semanário tem decerto o direito de defender as teses e as posições que melhor lhe parecerem, mas ao alinhar os seus argumentos tem de levar em conta mínimos requisitos de caráter ético e informativo.
A jornalista Gabriela Carelli não faz qualquer menção das declarações contrárias ao anteprojeto Rebelo, não obstante o fato de procederem de especialistas na questão.
Tampouco se detém em informar o leitor que a candidata do PV à Presidência da República, Senadora Marina Silva, se opõe ao anteprojeto da Frente Ruralista.
É elogiosa de um relatório que está recheado de pretensas citações científicas, e que na verdade estão superadas pela moderna pesquisa. A par disso, o leitor não é inteirado da dúbia generosidade do autor do anteprojeto, ao perdoar multas em torno de onze bilhões de reais. Por isso, renomado colunista alude ao interesse eleitoreiro do deputado Aldo Rebelo, que veria assim garantida a própria reeleição pela gratidão dos ruralistas.
Uma das jóias da matéria de Veja é o de atrever-se a denominar entre as supostas incoerências da legislação vigente, as Áreas de Preservação Permanente, as chamadas APPs. O intento do anteprojeto Rebelo de encolhê-las, mais do que uma falha, é um colossal erro, cujo preço será pago pelo próprio cultivador e pelas propriedades e núcleos habitacionais à jusante da corrente.
Vá perguntar às cidades e propriedades de Santa Catarina, as de Alagoas e Pernambuco, aos moradores na grande São Paulo, que se assentaram em áreas da vazante de barragens, se não prefeririam a manutenção de matas ciliares em melhores condições para a contenção das enxurradas e inundações ?
O Código Florestal em vigor incomoda não por seus eventuais defeitos, mas sim por suas grandes qualidades. Não estará na contramão da história quem batalhar pela sua preservação. O Meio Ambiente é um tema demasiado sério para ser tratado da forma com que Veja busca apresentá-lo.
Aberração jurídica é o arremedo de código florestal que o sr. Aldo Rebelo deseja impingir-nos.
domingo, 11 de julho de 2010
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2 comentários:
Parabéns para análise lúcida e contundente sobre a leviandade com que Veja abordou esse tema.
Não conheço o assunto profundamente, mas diria que como sempre falta um moderador isento – isto infelizmente está em falta generalizada no Brasil. Atacar os motivos do Deputado é válido, mas seria mais crível encontrar outros - é muito mais provável que o Deputado tenha seus de votos reduzidos do que aumentados pela polêmica (dada a sua base eleitoral urbana em SP). A briga tem um paralelo na questão agrária, cujo debate foi capturado por grupos antagônicos, que têm em comum apenas o fato que não desejarem a reforma agrária. No caso do código florestal o modus operandi é o mesmo. Uns se escondem sob a satanização dos produtores capitalistas selvagens e a consequente necessidade moral de "puni-los". Já o “outro lado” levanta a uma suposta tentativa de desestabilizar a economia, falta de "patriotismo" e de compromisso com o desenvolvimento. Todos confortáveis em seu diálogo de moucos.
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