domingo, 9 de julho de 2017

Memória de Newton Freitas

                              

       Achava-me na Embaixada em Paris, como Segundo Secretário, ainda solteiro (fui removido para lá, quando a missão estava com Encarregado de Negócios, que era o Ministro Raul de Vincenzi).  O presidente era João Goulart, e o Ministro das Relações Exteriores, Araujo Castro.
        Pouco depois ocorreu a Gloriosa, e a missão, que ficava em 45, Avenue Montaigne, passou em breve a ter como Embaixador Antonio Mendes Vianna, e Vasco Leitão da Cunha,  Ministro das Relações Exteriores.
        A lotação da velha embaixada de Souza Dantas - que, morto fazia tempo, ainda despertava ciúmes em meio a diplomatas de sua geração, pelo próprio trânsito e prestígio na sociedade parisiense - logo seria reforçada, com a vinda de outros diplomatas e de adidos civis, como Newton Freitas. que, diziam, era amigo do general Golbery do Couto e Silva. Newton, o famoso Zico, era casado com Lydia Besouchet, ambos amigos de Rubem Braga, e com permanência anterior na Argentina.
        A risada do Zico ficaria famosa, e eu a conheci bem.     
         Embora fosse da turma anterior, que era bastante reduzida, logo fiz amizade com o Newton, que seria para mim um ótimo companheiro. Apesar da diferença de idade, ele me tratava com a habitual simpatia, e dele conheci várias de suas estórias já famosas, como a da vez em que desceu para comprar cigarros - moravam em Copacabana, se não me engano na Rainha Elizabeth - e, de pijamas, disse à esposa Lydia que logo voltaria.
         No dia seguinte, ele telefona para ela, de São Paulo, para tranquilizá-la e dizendo que breve voltaria ...
         Assim, era o Newton, com a sua célebre risada, um boêmio de ótima cepa, de quem Lydia era esposa paciente e compreensiva.
          Os dois de certo já se foram há muito, e guardo, em especial, do Newton, ótimas lembranças, pois ele, que não era mais mocinho, de certa forma, me apadrinhou, contando-me muitas e divertidas estórias, que envolviam  gente de seu grupo.
           Dava-me, outrossim, várias sugestões, muitas pelo exemplo. Recordo-me de uma feita em que fora ao seu apartamento - eles alugaram um no prédio em que eu já morava, se não me engano o 45, rue de Berry. Estávamos eu e o Newton esperando pelos demais companheiros, que iriam a um bacalhau na brasa, na casa de um português com certeza, nos arredores de Paris.
          O tal português estaria interessado  na Francette, auxiliar da embaixada, de famosa descendência, e o Newton a folhas tantas, como ninguém aparecia para o programa, passou a telefonar para muitos, repetindo para todos o mesmo recado:
          "O meu! Tudo bem? Como é que é? Estão todos aqui te esperando, ô cara! Vem logo, senão você dança..."
           A mensagem do Newton, na sua voz rouca, variava um pouco, de acordo com a intimidade, mas posso garantir-lhes que fazia efeito, e pronto!
            Eu ria bastante com a desenvoltura do Newton, que pude verificar, sem muita tardança,  como método de convocação não podia ser melhor...
            Depois da minha partida de Paris, perdi contato com o Newton, que como figura humana e companheiro,  era difícil encontrar melhor.
            Era também dito amigo do general Golbery do Couto e Silva, e veio para Paris na equipe que acompanhou o Embaixador Antonio Mendes Vianna, que seria um dos meus mestres na carreira, e de quem guardo a melhor das lembranças.
             Na época, alguns colegas seus tentaram restabelecer o seu casa-mento com Cármen,  mas o intento durou pouco.  O embaixador Mendes Vianna seria para mim também um grande e bom amigo na carreira, e a ele sempre tive o prazer e a honra de homenageá-lo nas diversas situações  de vida que a celebrada carrière diplomatique sói por vezes proporcionar.
              Do Newton, depois do interlúdio parisiense,  não perdi  a lembrança. Sempre uma presença brincalhona e amiga, às vezes com atenções inusitadas para moças, colegas da embaixada, todas elas a ser filtradas através do bom-senso chocarreiro.
               Desse bom e meteórico amigo - as permanências em Lutétia costumavam ser breves, com as exceções para as auxiliares contratadas, que marcavam boas presenças - perdi contato depois que parti para postos menos festejados, como costuma ser a práxis diplomática.

               Tenho certeza de que, aonde estiver, não faltará a gargalhada que lhe marca para sempre  a celebrada presença.

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