sábado, 15 de julho de 2017

Entendendo o Passado?

                              

        Para entender o presente, precisamos esmiuçar o passado. Tanto a mídia, quanto os intelectuais, em grande parte, presumiram que Hillary Clinton venceria a eleição. Parecia premissa de uma tese. A alternativa não era sequer pensável.
        Havia também os debates. Apesar de suas confusões, nenhum deles sequer apontara para resultado contrário à Hillary.
         E, no entanto, existiam vozes discrepantes. James Comey talvez haja sido a mais aguda. Na questão dos e-mails de Hillary, a sua primeira aparição soara estranha, fora de lugar. Levantar uma questão sobre os tais e-mails, grosseiramente repreender a candidata por não ter arrumado bem o seu instrumento de trabalho, soou para muitos fora de lugar, estranho. Tratar uma candidata à presidência, com a folha corrida de Hillary, como se fosse uma colegial, apareceu para muitos como absurdo, desrespeitoso mesmo.
          Quando a reta final já apontava, o otimismo quanto à candidatura de Hillary reforçou-se. Além do juízo básico: como um concorrente com o preparo e as realizações da democrata, seu trânsito no eleitorado progressista, na faixa afro-americana, poderia perder a eleição, não só nos estados democratas e progressistas, mas também naqueles ditos contenciosos, deixariam de sufragá-la?
           A verdade é que não contaram com a circunstância de nesta eleição, aparentemente já decidida, com a estranha repetição do papel - contrário segundo os ditames do Departamento de Justiça - e que funcionou como uma intervenção fora de controle, em alguns pontos com a estranha aparência de prejulgar o que até não acontecera. Há a velha observação do pugilismo que diz que o murro do knock-out surpreende o atingido (no caso, a atingida). A absurda intervenção de James Comey, anunciando inquietantes possíveis descobertas em um computador que nem de Hillary era levantou uma senhora lebre, e conforme declarou a candidata influíu em muitos sufragantes antecipados. Irresponsável, mas nada foi dito que tentasse pelo menos colocar os fatos no seu lugar. A própria candidata democrata deixou constância da intromissão indevida, mas inexistia possibilidade de reverter a situação, de pôr os fatos em seu lugar. É difícil determinar o que causou essa intromissão no processo eleitoral, que os manuais do Departamento de Justiça recomendavam jamais fazê-la.
          Este é um dos lados do problema. A criação artificial de uma forte influência para que os votantes antecipados que pretendiam sufragar a democrata, deixassem de fazê-lo.
           Mas há muitas outras causas da inchação dos votos para Trump, notadamente a abulia de Barack Obama, recusando-se na prática a defender a candidata do próprio partido, além de não alertar o eleitorado americano sobre os perigos colocados pelo candidato do GOP, em termos da ousada interferência no processo eleitoral do amigão Vladimir Putin. Essa descabida e inaceitável ingerência não deveria ter passado em silêncio. Por primeira vez, um autócrata estrangeiro interferiu impunemente para prejudicar a candidata democrata e favorecer o respectivo protegido.
              Mesmo que as investigações dos organismos de segurança parem por aí - o que não semelha de resto provável - fica desde já cristalinamente claro que a abulia de Barack H. Obama recusando-se a informar o Povo americano de o que estava acontecendo constitui um dos maiores erros de sua presidência.  Examinando essa ousada intervenção do Kremlin em  assuntos do Povo americano - o que jamais ocorrera nos anos da Guerra Fria, quando uma ainda pujante União Soviética constituía o grande rival dos Estados Unidos e jamais ousara embrenhar-se pela senda de Putin - estamos diante de um fato que fala mais do que muitos livros sobre a realidade do declínio americano.
               A subestimação do candidato Donald Trump pela mídia e pelo estamento político constituiu outro importante fator para tornar-lhe a  vitória pelo voto indireto muito mais possível de o que parecia para os observadores.  Quem sinalizou o avanço  do candidato Trump sobre a faixa dos eleitores operários brancos de baixa escolaridade foi o conhecido jornalista George Packer - que também se assinalou por relevantes matérias no passado sobre o decline e a sua incidência no interior americano, notadamente nas small towns esvaziadas no próprio comércio e nos enormes galpões, que a evolução da indústria e da concorrência estrangeira decretou súbita decadência, a que também contribuíu a desastrosa empresa  que causou um trilhão de dólares de prejuízos aos Estados Unidos, consoante o Nobel Paul Krugman.
              Grande parte desse segmento - que antes votava pelos democratas - escolheu como seu favorito a Donald Trump. Que o partido democrata - e por conseguinte Hillary - tenha permitido de certa forma que esse eleitorado branco, com baixa formação profissional, os chamados rednecks (os pescoços vermelhos de um operariado à antiga, habituado a trabalhar no ar livre e sem grande formação profissional) tenham desertado dos democratas, e se bandeado para Trump, foi outro desenvolvimento dessa eleição, que George Packer alertou em artigo no New Yorker pré-eleição tanto ao Partido Democrata, quanto à candidata Hillary.
                O trabalho de Trump, ainda que demagógico, por prometer a essa gente o que em sã mente ele não pode deliver (tornar realidade), se nos diz da própria subestimada habilidade, muito contribuíu para trazer muitos votos de trabalhadores brancos, de baixo preparo profissional, para as urnas republicanas.
                Como objetivamente essa transferência de votos do Partido Democrata, i.e. Hillary Clinton, para Donald Trump representou outro aporte importante para os objetivos do milionário republicano nesta última eleição. O que ele não pode contar é com a sustentabilidade do seu elo com o voto dos rednecks. Se há - ou havia - forte corrente para a transferência dos votos dos trabalhadores brancos de baixa escolaridade e igualmente baixa proficiência profissional para o candidato republicano Trump, em detrimento do seu apoio tradicional, dado às fileiras dos democratas, por motivos econômicos, conforme a linha dos democratas nas suas alianças com os sindicatos de operários, e se tivermos presente que as promessas de Trump baseadas na demagogia e no oportunismo não parecem ter possibilidades mágicas de reverter os fenômenos industriais que formaram o Cinturão da Ferrugem (Rust Belt), o refluxo do operário de baixa qualificação para os candidatos democratas parece ter maiores possibilidades do que as vazias promessas do demagogo Trump.
                  Em seu artigo do New Yorker, que é anterior à eleição de Trump, George Packer assinalava que Hillary estava consciente dessa 'invasão' pelo republicano de um campo que pela deterioração de sua condição fabril se achava bastante fragilizado quanto à possibilidade de que fosse arrebanhado pelo discurso de demagogos, como foi justamente o caso.
                    Ainda que a posteriori, tem serventia o conhecimento desse êxito paralelo do candidato Trump. Não lhe faltaram escrúpulos para prometer situações que não poderia disponibilizar (deliver).
                     Se ganhou a eleição nessas condições, nada garante que repita o sucesso da próxima vez.


( Fontes: George Packer, em The NewYorker; Paul Krugman )

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