Compartilho das reservas do candidato José Serra quanto à magnânima extemporaneidade da concessão da candidata Dilma Rousseff[1], no sentido de que “essa declaração tem certa falta de respeito com as pessoas. É alguém sentando na cadeira[2] a mais de um mês da eleição. Quem vai decidir quem vai sentar na cadeira é o povo.”
E, não obstante a comezinha sabedoria de que não se deve contar com fatos e/ou situações que, embora pareçam prováveis, ainda não aconteceram – e fiquemos no anexim ‘o futuro a Deus pertence’ para evitar os chulos - , se me afigura estarrecedora a alegre desenvoltura de muitos colunistas que ora só se interessam em conjecturas fundadas na base da eleição em primeiro turno da moça tirada da algibeira do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tal sofreguidão em participar, inda que de forma vicária, do anunciado cortejo triunfal tem outra vertente, menos óbvia e confessável, que também se encontra nas folhas dos diários, se bem que felizmente em menor número. Reporto-me aos comentários de alguns medalhões que na ânsia cortesã da lisonja, mesmo nos recorrentes exemplos dos dossiês, só se preocupam em sinalizar as finalidades de tais transgressões, que para eles justificariam os meios...
Por tudo isso, sempre me impressionou o “Vae victis !”[3] dito pelo chefe gaulês Breno, ao jogar sua espada na balança, para determinar o montante do ouro a ser pago pelos romanos para obter a liberação da então nascente cidade de Roma. Duríssimos são os termos impostos aos vencidos, mas pelo menos na Antiguidade se estabelecia a condição necessária da derrota não previsível mas efetiva.
Sem prejuízo de tais considerações, para não fugir de todo da atmosfera que na atualidade prevalece, permito-me acrescentar algumas observações que não são decorrência de nenhuma bola de cristal. Correspondem, na verdade, a consequências possíveis, segundo se verifica pelas lições, quer balbuciadas, quer murmuradas, quer até gritadas pela História, que nos repassa esse estranho personagem, enigma para alguns, mestra para outros, e ledo, desconhecido mistério para os muitos.
Premissa. Para gáudio de seus partidários e dos incontáveis adesistas, Dilma Rousseff vence as eleições (não importa para o argumento se no primeiro, ou no segundo turno).
Efeito panglossiano. A gratíssima candidata, ora eleita presidente, não se esquece nem na transição subsequente, nem em qualquer dia de seu quadriênio, de o quanto deve ao seu criador, o Presidente Lula. A ele permanecerá fiel, ouvindo seus conselhos, atendendo a todos os seus telefonemas e pedidos, dentro do camoniano espírito do “mais servira, se não fora para tão longo amor tão curta a vida ![4]” e, por certo o mandato.
Efeito mexicano. Dilma procura governar, mas na realidade só consegue reinar . O ex-Presidente Lula logra estabelecer um arremedo do chamado Maximato, estabelecido na década de trinta pelo Presidente Plutarco Elias Calles. Obediente à cláusula da não-reeleição, permite os pleitos para os sucessores, que são empossados presidentes mas estes não governam, submetidos que estão ao poder político de Elias Calles. O maximato só terminaria com o presidente Lázaro Cárdenas, e ao cabo de dois anos, quando despacha para o estrangeiro o líder máximo. Esta seria a versão coercitiva do primeiro cenário, em que a servitude seria voluntária.
Efeito brasileiro. Depois de uma respeitosa lua de mel, seja cansada pelas interferências e discordâncias do criador (versão da criatura), seja por repetidas mostras de ingratidão, desrespeito às suas ponderações, e até de traição (versão do criador), a senhora presidente se arvora a ser dona do próprio nariz, e se dispõe a deixar na História a marca gloriosa do mandato que lhe foi cometido, em decisão soberana do Povo brasileiro.
( Fonte: O Globo )
[1] a qual pretende abrir espaço aos concorrentes que quiserem colaborar com seu eventual governo
[2] Alusão à famosa foto de 1985, em que Fernando Henrique Cardoso , então líder nas pesquisas, se deixou fotografar sentado na cadeira do prefeito. A eleição seria ganha por Janio Quadros.
[3] Ai dos vencidos !
[4] Do soneto 88 de Luís de Camões.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
domingo, 29 de agosto de 2010
Colcha de Retalhos LII
A incrível insegurança na Venezuela de Chávez
O assunto veio à baila pela maneira com que o judiciário venezuelano procurou ‘resolver’ o problema da segurança naquele país. Na República bolivariana, como se sabe, tanto o Legislativo, quanto a Justiça, estão ‘afinados’ com o regime de Hugo Chávez. Acercando-se as eleições para a Assembleia legislativa – quando a oposição terá a oportunidade de corrigir o seu erro histórico de dela não participar – a campanha se vai acalorando, na expectativa de formação de bancadas em que se expresse o desconforto de boa parte da população com a atual situação.
Como a liberdade de expressão não se coaduna com os parâmetros do caudilho Chávez, um juiz censurou El Nacional, um jornal de Caracas, proibindo que estampasse foto tirada no necrotério daquela cidade, com uma dúzia de cadáveres – a macabra colheita usual de dois dias.
No desgoverno de Chávez, desde muito, os venezuelanos vivem sob a ameaça de morte súbita em algum logradouro citadino. No entanto, a venda do jornal com um carimbo de ‘censurado’ no espaço da primeira página que seria ocupado pela foto provocou uma inesperada reação da população. Ao invés do torpor conformista com que encara o número de infelizes vítimas da violência, reacendeu-se a revolta da opinião.
Segundo dados de órgão não-governamental, desde que Chávez assumiu o poder em 1999, o cômputo de homicídios – não contestado pelos meios oficiais – atinge 118.541 vítimas fatais. A questão da segurança não é decerto um tópico de particular brilho em nosso país. Não obstante, a primazia nesse setor semelha ser indiscutivelmente da Venezuela.
Para tanto, cotejos com os totais de outros países também violentos tendem a mostrar que não há exagero em tal afirmação. O Iraque, que tem população similar à da Venezuela, apresentou 4.644 vítimas civis em 2009, enquanto o total venezuelano nesse ano foi de aproximadamente 16 mil. Por outro lado, a quota de homicídios por cem mil habitantes, é de duzentos em Caracas, 22,7 em Bogotá, e 14 na cidade de São Paulo.
Conquanto as causas da violência urbana sejam muitas (polícia corrupta e mal paga, enormes contrastes na distribuição de renda, falta de controle em termos de disponibilidade de armas de fogo, etc.), a situação na Venezuela, a despeito dos programas chavistas de assistência a comunidades pobres, agravou-se de modo dramático desde a assunção do coronel Chávez – o número de homicídios é superior a tres vêzes o existente quando de sua primeira eleição em 1998. Nem a violência mexicana, exacerbada na guerra contra os cartéis de droga, afigura-se comparável aos totais venezuelanos.
Recrudescimento de surto de infecção hospitalar
Os hospitais na língua portuguesa são também conhecidos como casas de saúde. Todo ser humano ao precisar entrar como paciente em hospital – seja na forma de ambulatório, seja em uma internação – terá algum problema relacionado com a saúde, e por isso a designação otimista semelha cabível, máxime por dar a todos nós a esperança de logo dali sairmos válidos.
No entanto, a versão grega – que o vernáculo igualmente acolheu – os chama de nosocômios. Como nósos significa doença em grego, poderá parecer a muitos como designação mais veraz, embora um pouco mais sombria.
A expressão infecção hospitalar, se parece a princípio um contrassenso, é uma triste realidade, por mais contraditória que se afigure. A sua presença constitui um desafio cotidiano para tais estabelecimentos, e na maioria dos casos, tende a ser evitado, ou contido no limite do possível.
Na hipótese em que a aludida infecção entre para o noticiário, a presunção é de que algo de muito errado se encontre no hospital.
Ressurge agora um surto hospitalar que já causara, entre 2006 e 2008, cerca de dois mil casos de infecções por micobactérias decorrentes de videolaparoscopias,artroscopias e lipoesculturas. A difusão da bactéria se deve a falhas na esterilização dos instrumentos utilizados os nesses exames.
Diante da grave situação, a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o órgão governamental competente na matéria – determinara novas regras para a limpeza dos materiais. Muitos desses equipamentos, pela sua própria natureza e sofisticação, não são descartáveis, e são feitos para a realização de exames sucessivos. Daí, a necessidade de observância de regras de higiene e esterilização.
Em dois hospitais em pontos quase extremos do país - um em Manaus, o Hospital Santa Júlia, e outro em Carazinho, a 290 km de Porto Alegre (o seu nome não foi revelado) – se registram agora 78 casos suspeitos desta bactéria. O problema merece a atenção das autoridades, e as suas causas são conhecidas. Além de um controle precário das infecções hospitalares, verifica-se igualmente o fenômeno da maior resistência da micobactéria aos meios de tratamento empregados.
É de fazer-se votos que o surto seja prontamente debelado. O anterior, pela sua duração e extensão, nos colocara na incômoda posição de aqui verificar-se contaminação que não dera ao setor uma ficha invejável em termos mundiais. A reincidência, inda que localizada, recoloca em questão a fiscalização do governo quanto às indispensáveis medidas preventivas.
( Fontes: International Herald Tribune e Estado de S. Paulo)
O assunto veio à baila pela maneira com que o judiciário venezuelano procurou ‘resolver’ o problema da segurança naquele país. Na República bolivariana, como se sabe, tanto o Legislativo, quanto a Justiça, estão ‘afinados’ com o regime de Hugo Chávez. Acercando-se as eleições para a Assembleia legislativa – quando a oposição terá a oportunidade de corrigir o seu erro histórico de dela não participar – a campanha se vai acalorando, na expectativa de formação de bancadas em que se expresse o desconforto de boa parte da população com a atual situação.
Como a liberdade de expressão não se coaduna com os parâmetros do caudilho Chávez, um juiz censurou El Nacional, um jornal de Caracas, proibindo que estampasse foto tirada no necrotério daquela cidade, com uma dúzia de cadáveres – a macabra colheita usual de dois dias.
No desgoverno de Chávez, desde muito, os venezuelanos vivem sob a ameaça de morte súbita em algum logradouro citadino. No entanto, a venda do jornal com um carimbo de ‘censurado’ no espaço da primeira página que seria ocupado pela foto provocou uma inesperada reação da população. Ao invés do torpor conformista com que encara o número de infelizes vítimas da violência, reacendeu-se a revolta da opinião.
Segundo dados de órgão não-governamental, desde que Chávez assumiu o poder em 1999, o cômputo de homicídios – não contestado pelos meios oficiais – atinge 118.541 vítimas fatais. A questão da segurança não é decerto um tópico de particular brilho em nosso país. Não obstante, a primazia nesse setor semelha ser indiscutivelmente da Venezuela.
Para tanto, cotejos com os totais de outros países também violentos tendem a mostrar que não há exagero em tal afirmação. O Iraque, que tem população similar à da Venezuela, apresentou 4.644 vítimas civis em 2009, enquanto o total venezuelano nesse ano foi de aproximadamente 16 mil. Por outro lado, a quota de homicídios por cem mil habitantes, é de duzentos em Caracas, 22,7 em Bogotá, e 14 na cidade de São Paulo.
Conquanto as causas da violência urbana sejam muitas (polícia corrupta e mal paga, enormes contrastes na distribuição de renda, falta de controle em termos de disponibilidade de armas de fogo, etc.), a situação na Venezuela, a despeito dos programas chavistas de assistência a comunidades pobres, agravou-se de modo dramático desde a assunção do coronel Chávez – o número de homicídios é superior a tres vêzes o existente quando de sua primeira eleição em 1998. Nem a violência mexicana, exacerbada na guerra contra os cartéis de droga, afigura-se comparável aos totais venezuelanos.
Recrudescimento de surto de infecção hospitalar
Os hospitais na língua portuguesa são também conhecidos como casas de saúde. Todo ser humano ao precisar entrar como paciente em hospital – seja na forma de ambulatório, seja em uma internação – terá algum problema relacionado com a saúde, e por isso a designação otimista semelha cabível, máxime por dar a todos nós a esperança de logo dali sairmos válidos.
No entanto, a versão grega – que o vernáculo igualmente acolheu – os chama de nosocômios. Como nósos significa doença em grego, poderá parecer a muitos como designação mais veraz, embora um pouco mais sombria.
A expressão infecção hospitalar, se parece a princípio um contrassenso, é uma triste realidade, por mais contraditória que se afigure. A sua presença constitui um desafio cotidiano para tais estabelecimentos, e na maioria dos casos, tende a ser evitado, ou contido no limite do possível.
Na hipótese em que a aludida infecção entre para o noticiário, a presunção é de que algo de muito errado se encontre no hospital.
Ressurge agora um surto hospitalar que já causara, entre 2006 e 2008, cerca de dois mil casos de infecções por micobactérias decorrentes de videolaparoscopias,artroscopias e lipoesculturas. A difusão da bactéria se deve a falhas na esterilização dos instrumentos utilizados os nesses exames.
Diante da grave situação, a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o órgão governamental competente na matéria – determinara novas regras para a limpeza dos materiais. Muitos desses equipamentos, pela sua própria natureza e sofisticação, não são descartáveis, e são feitos para a realização de exames sucessivos. Daí, a necessidade de observância de regras de higiene e esterilização.
Em dois hospitais em pontos quase extremos do país - um em Manaus, o Hospital Santa Júlia, e outro em Carazinho, a 290 km de Porto Alegre (o seu nome não foi revelado) – se registram agora 78 casos suspeitos desta bactéria. O problema merece a atenção das autoridades, e as suas causas são conhecidas. Além de um controle precário das infecções hospitalares, verifica-se igualmente o fenômeno da maior resistência da micobactéria aos meios de tratamento empregados.
É de fazer-se votos que o surto seja prontamente debelado. O anterior, pela sua duração e extensão, nos colocara na incômoda posição de aqui verificar-se contaminação que não dera ao setor uma ficha invejável em termos mundiais. A reincidência, inda que localizada, recoloca em questão a fiscalização do governo quanto às indispensáveis medidas preventivas.
( Fontes: International Herald Tribune e Estado de S. Paulo)
sábado, 28 de agosto de 2010
Do Recorrente Mau Hábito dos Dossiês
Nas campanhas eleitorais, e até fora delas, conquanto os suspeitos neguem de pés juntos, a utilização do chamado dossier se tornou um recurso quase habitual. Como explicar tal recorrência, a despeito de seu vício de origem, dada a ilicitude que o caracteriza, pela sua origem muita vez clandestina ou mesmo criminal ?
Analisando as suas mais recentes aparições, dir-se-ía que esta prática seria exemplo da mítica geração espontânea. Os seus rebentos, ultimados ou não, jamais ostentam os respectivos autores. No submundo da política brasileira, essas nefandas compilações de alegados delitos, tráfico de influência, e quejandos, parecem ter adquirido foros de armas quase corriqueiras, pela ânsia de atingir a honra do inimigo e/ou de seu grupo, e assim enfraquecê-lo politicamente.
Para que melhor se entenda esse vezo, é importante notar que falo de inimigos e não de adversários, por que tal usança só é concebível nos porões da ilegalidade. Ela está na descendência da campanha difamatória dos tempos do regime militar. A principal diferença entre os dossiers de hoje e as notícias difamatórias de ontem, verberadas então pela mídia alinhada à ditadura, é que essas últimas em geral eram verdadeiras[1].
Não obstante o caráter antiético e passível de punição da feitura – em geral sob encomenda - e da comercialização de maços de informações alegadamente comprometedoras, os que, talvez em reminiscência aos temores do personagem sinhozinho Malta, da novela Roque Santeiro, ora se denomina rotineiramente de dossier.
Galicismo ou não, mais uma vez o vernáculo, esta ultima flor do Lácio, se curva diante da língua literária europeia do século dezenove. Se este fato linguístico é comum, e participa do livre mercado da evolução dos idiomas – o que contraria opinião idiossincrática de um deputado – tal circunstância nada tem a ver com a natureza vil e desprezível do exercício, visto por alguns como linha auxiliar da política, malgrado o seu estampo vil, nefário e marginal.
Analisado de forma sumária esse obnóxio recurso da política nacional, é tão confrangedor que, não obstante o caráter condenável, seja tão encontradiço na atualidade. A quase banalização deste meio de ataque fora dos padrões vigentes deve ser atribuída à impunidade a qual, por motivos vários, tem bafejado os indivíduos e/ou corporações que recorreram a tal meio.
Foi assim no caso do escândalo dos aloprados do PT, em 2006, descoberto pela ação da Polícia Federal. Ninguém foi condenado, mas a sua repercussão teve como consequência forçar Lula a ir para o segundo turno contra Geraldo Alckmin.
Por causa de outro escândalo, o dos cartões corporativos (janeiro de 2008), a Ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, teve de pedir demissão. Em represália, a Casa Civil teria montado, por ordem da Secretária-Executiva Erenice Alves Guerra, um dossiê que detalhava os gastos da família do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A Ministra Dilma Rousseff, seguindo sua orientação costumeira, não admitiu a feitura de dossiê, mas sim de o que definiu como um banco de dados. Descartou, a propósito, qualquer conotação política desse recurso.
Já na fase inicial da pré-campanha presidencial, atendida a então vantagem considerável do pré-candidato José Serra nas pesquisas, vazou por denúncia do delegado aposentado Onésimo Sousa a realização de reunião em Brasília para tratar da elaboração de dossiê contra o pré-candidato do PSDB. Veiculou-se a participação, depois desmentida, do dirigente petista Fernando Pimentel.
Nesse contexto, foram acessados ilegalmente os dados fiscais do Vice-Presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Feita a denúncia pela vítima, a reação da Receita Federal foi a princípio bastante lenta. Determinou-se a origem de tais infrações em Mauá, no ABC paulista, e os acessos teriam sido feitos com a utilização da senha de duas analistas da Receita.
Somente por determinação judicial, ao cabo de dois meses, pôde Eduardo Jorge ter ciência do material da sindicância. Revelada a devassa das declarações de renda de 140 pessoas, o Secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, e o corregedor-geral, Antônio Carlos Costa d’Avila, disseram não acreditar que houvesse motivação eleitoral no que chamaram de “balcão de venda de sigilos”. Não descartaram, contudo, a possibilidade de uma vinculação política vir a ser apurada até o fim das investigações.
Desde o início, porém, a Receita tem frisado que o resultado dessas investigações só será conhecido depois das eleições. Também da investigação da Polícia Federal o seu diretor-executivo, Luiz Pontel não deu prazo para a conclusão do inquérito.
A esse propósito, o candidato José Serra, após definir como “história da carochinha” a versão dada pela direção da Receita Federal, declarou : “Em todas as eleições, o PT procura fazer a mesma coisa.(...) Agora tem a quebra de sigilo, e todo aquele dossiê que estavam fazendo, comandado pelo candidato ao Senado de Minas Fernando Pimentel e que não deu certo. (...) Não adianta usar de baixarias para querer me desgastar na véspera de eleição. Isso não funciona. (...) A tradição já está mostrando que vai contra aquele que faz esse tipo de ação.”
Forçoso será reconhecer que o emprego de dossiês tem sido contraproducente para os seus fautores, malgrado os usuais desmentidos e outras reações pro forma. De resto, para determinar o mandante de tais ações não é às mais das vezes nem necessário convocar os usual suspects[2], na fala do personagem Claude Rains, do filme Casablanca. Basta valer-se do velho axioma latino “cui prodest”[3], e já teremos uma base assaz verossímil para chegarmos aos responsáveis.
Se tudo terminar em pizza, não será por falta de elementos de razoável convicção.
Entram aí fatores sociopolíticos que tornariam este artigo demasiado longo...
(Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo)
[1] As denúncias de torturas, sevícias, desaparecimentos et al., divulgadas no exterior pela oposição, posto que negadas pelo governo castrense, nada tinham de difamatório, eis que correspondiam a fatos que a censura vedava menção ou publicação pelos meios de comunicação.
[2] suspeitos costumeiros.
[3] a quem aproveita.
Analisando as suas mais recentes aparições, dir-se-ía que esta prática seria exemplo da mítica geração espontânea. Os seus rebentos, ultimados ou não, jamais ostentam os respectivos autores. No submundo da política brasileira, essas nefandas compilações de alegados delitos, tráfico de influência, e quejandos, parecem ter adquirido foros de armas quase corriqueiras, pela ânsia de atingir a honra do inimigo e/ou de seu grupo, e assim enfraquecê-lo politicamente.
Para que melhor se entenda esse vezo, é importante notar que falo de inimigos e não de adversários, por que tal usança só é concebível nos porões da ilegalidade. Ela está na descendência da campanha difamatória dos tempos do regime militar. A principal diferença entre os dossiers de hoje e as notícias difamatórias de ontem, verberadas então pela mídia alinhada à ditadura, é que essas últimas em geral eram verdadeiras[1].
Não obstante o caráter antiético e passível de punição da feitura – em geral sob encomenda - e da comercialização de maços de informações alegadamente comprometedoras, os que, talvez em reminiscência aos temores do personagem sinhozinho Malta, da novela Roque Santeiro, ora se denomina rotineiramente de dossier.
Galicismo ou não, mais uma vez o vernáculo, esta ultima flor do Lácio, se curva diante da língua literária europeia do século dezenove. Se este fato linguístico é comum, e participa do livre mercado da evolução dos idiomas – o que contraria opinião idiossincrática de um deputado – tal circunstância nada tem a ver com a natureza vil e desprezível do exercício, visto por alguns como linha auxiliar da política, malgrado o seu estampo vil, nefário e marginal.
Analisado de forma sumária esse obnóxio recurso da política nacional, é tão confrangedor que, não obstante o caráter condenável, seja tão encontradiço na atualidade. A quase banalização deste meio de ataque fora dos padrões vigentes deve ser atribuída à impunidade a qual, por motivos vários, tem bafejado os indivíduos e/ou corporações que recorreram a tal meio.
Foi assim no caso do escândalo dos aloprados do PT, em 2006, descoberto pela ação da Polícia Federal. Ninguém foi condenado, mas a sua repercussão teve como consequência forçar Lula a ir para o segundo turno contra Geraldo Alckmin.
Por causa de outro escândalo, o dos cartões corporativos (janeiro de 2008), a Ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, teve de pedir demissão. Em represália, a Casa Civil teria montado, por ordem da Secretária-Executiva Erenice Alves Guerra, um dossiê que detalhava os gastos da família do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A Ministra Dilma Rousseff, seguindo sua orientação costumeira, não admitiu a feitura de dossiê, mas sim de o que definiu como um banco de dados. Descartou, a propósito, qualquer conotação política desse recurso.
Já na fase inicial da pré-campanha presidencial, atendida a então vantagem considerável do pré-candidato José Serra nas pesquisas, vazou por denúncia do delegado aposentado Onésimo Sousa a realização de reunião em Brasília para tratar da elaboração de dossiê contra o pré-candidato do PSDB. Veiculou-se a participação, depois desmentida, do dirigente petista Fernando Pimentel.
Nesse contexto, foram acessados ilegalmente os dados fiscais do Vice-Presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Feita a denúncia pela vítima, a reação da Receita Federal foi a princípio bastante lenta. Determinou-se a origem de tais infrações em Mauá, no ABC paulista, e os acessos teriam sido feitos com a utilização da senha de duas analistas da Receita.
Somente por determinação judicial, ao cabo de dois meses, pôde Eduardo Jorge ter ciência do material da sindicância. Revelada a devassa das declarações de renda de 140 pessoas, o Secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, e o corregedor-geral, Antônio Carlos Costa d’Avila, disseram não acreditar que houvesse motivação eleitoral no que chamaram de “balcão de venda de sigilos”. Não descartaram, contudo, a possibilidade de uma vinculação política vir a ser apurada até o fim das investigações.
Desde o início, porém, a Receita tem frisado que o resultado dessas investigações só será conhecido depois das eleições. Também da investigação da Polícia Federal o seu diretor-executivo, Luiz Pontel não deu prazo para a conclusão do inquérito.
A esse propósito, o candidato José Serra, após definir como “história da carochinha” a versão dada pela direção da Receita Federal, declarou : “Em todas as eleições, o PT procura fazer a mesma coisa.(...) Agora tem a quebra de sigilo, e todo aquele dossiê que estavam fazendo, comandado pelo candidato ao Senado de Minas Fernando Pimentel e que não deu certo. (...) Não adianta usar de baixarias para querer me desgastar na véspera de eleição. Isso não funciona. (...) A tradição já está mostrando que vai contra aquele que faz esse tipo de ação.”
Forçoso será reconhecer que o emprego de dossiês tem sido contraproducente para os seus fautores, malgrado os usuais desmentidos e outras reações pro forma. De resto, para determinar o mandante de tais ações não é às mais das vezes nem necessário convocar os usual suspects[2], na fala do personagem Claude Rains, do filme Casablanca. Basta valer-se do velho axioma latino “cui prodest”[3], e já teremos uma base assaz verossímil para chegarmos aos responsáveis.
Se tudo terminar em pizza, não será por falta de elementos de razoável convicção.
Entram aí fatores sociopolíticos que tornariam este artigo demasiado longo...
(Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo)
[1] As denúncias de torturas, sevícias, desaparecimentos et al., divulgadas no exterior pela oposição, posto que negadas pelo governo castrense, nada tinham de difamatório, eis que correspondiam a fatos que a censura vedava menção ou publicação pelos meios de comunicação.
[2] suspeitos costumeiros.
[3] a quem aproveita.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Como Interpretar a Crise da Candidatura Serra ?
Não como raio em céu límpido fulmina o meio político a última pesquisa do Datafolha. Divulgados ontem, os dados enegrecem ainda mais o horizonte do candidato José Serra, do PSDB. A candidata Dilma Rousseff – alcunhada a ‘mulher do Lula’ por eleitores nordestinos de baixa renda – não só incrementa o seu percentual geral, passando a 49%, mas também vence nas quatro regiões do Brasil, com o requinte de superar o ex-governador Serra em São Paulo e também no Rio Grande do Sul.
Por sua vez, José Serra continua a regredir. Dista agora vinte pontos percentuais da candidata do PT. A sua comprida liderança nas pesquisas, que persistiu até maio p.p., com totais na casa dos quarenta, teria sido apenas fruto do maior conhecimento relativo, despojada de maior consistência política ?
Completa o quadro a candidata do Partido Verde, e a sua curva de intenções de voto na verdade persiste como reta na monotonia dos nove por cento.
Há geral desconcerto e constrangimento no campo tucano. Depois do golpe vibrado por Aécio Neves, contrariando a todo o alto tucanato – a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique – enjeitando formar a chapa dita puro-sangue com o companheiro Serra, a campanha do governador de São Paulo - que timbrou em respeitar todos os prazos para o lançamento efetivo – entrou em banho-maria.
A própria escolha do vice – não caracterizada por excessivo ímpeto dos medalhões da aliança PSDB-DEM – representou outro momento que tampouco acrescentou gás ou dinamismo à candidatura oposicionista.
Confrontado com a reversão de tendência, pelas sinalizações de diversas pesquisas, a opinião pública não assistiu a qualquer intento de monta que buscasse, seja o reagrupamento das forças partidárias supostamente comprometidas com a sua candidatura, seja um esforço marcado que revelasse disposição clara e oposicionista ao presente situacionismo.
Ao invés, o que se viu foi uma espécie de anti-reação, em que se chegou a reivindicar uma proximidade com o Presidente Lula, além de súbito avatar do ex-governador Serra como o candidato ‘Zé’, o que só poderia gerar confusão e certo mal-estar, menos pelo personagem do que pela natureza errática da sua campanha.
Quando as hostes inimigas em toda parte encontram fronts que se esfacelam, o próprio campo tende a ser convulsionado ou pelo desejo de fuga, ou pelos gerais reclamos, em que a ‘culpa’ será sempre a do outro.
A crise da candidatura José Serra tem muitas causas decerto, a partir da falta de ânimo, coragem ou personalidade do PSDB de fazer oposição ao petismo oficialista. A mediocridade tucana – e a decadência do DEM, que definha a olhos vistos – não terá sido motor de alta octanagem, que instile em todos os seus níveis, dos chefes aos soldados rasos, confiança e denodo que possam configurar uma exitosa empresa.
A altíssima popularidade do Presidente Lula – que beira os inacreditáveis 80% de aprovação , mantendo-se em tal imponente patamar já nos meses derradeiros dos oitos anos de um duplo mandato – há de intimidar os aspirantes a Davi, diante desse portentoso Golias. Constitui, sem dúvida, um enigma que pode devorar a aventureiros mais afoitos, eventuais tentativas de bater de frente contra essa constante arrimada em um sem número de pesquisas.
No entanto, a timidez e a irresolução são más conselheiras defronte de tal desafio. Se ambiciona empolgar o magno prêmio, o candidato oposicionista tem de transmitir à opinião pública clara, inequívoca certeza quanto aos motivos pelos quais se propõe suceder ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tudo acontece como se o ex-Governador José Serra não lograsse dissociar a criatura do criador. Tampouco tem conseguido passar ao eleitorado a convicção de que não questiona as virtudes e os feitos do antecessor, e que se julgue com melhores condições, tanto pessoais, quanto políticas, de levar ele e não Dilma adiante a obra encetada.
Para imantar uma grande coligação – e não conglomerado de confusos e contrafeitos aliados – José Serra terá de convencer a si próprio que a sua candidatura é viável. Não é através de comportamento quase autista, que parece comprazer-se no marasmo, que o candidato poderá transmitir imagem coerente. A condição sine qua non de convencer a outrem está no simples passo da auto-persuasão de que a façanha é possível. Como pode pretender mover multidões se não irradia vontade inabalável e se se deixa aureolar pela tácita admissão do fracasso ?
Em tempos de crise, este vocábulo de semântica tão rica que nos legaram os antigos Helenos, mais do que repontam, proliferam rumores e suspicácias de toda ordem. Diante da irresolução do comandante, as falanges se mostram inquietas. Correm boatos de generalizada cristianização do candidato, o que a meu ver mais reflete a perplexidade gerada pela ausência de uma atitude mais pró-ativa de Serra, do que a abjeta traição dos correligionários, eis que só contribuiria para tornar-lhes a derrota ainda mais abrangente e irreversível.
Nesta hora e vez dramáticas, estaria acaso tudo perdido para o campo de Serra e dos tucanos ? O bom senso há de dizer que faltam ainda demasiadas semanas, para que das escaramuças das pesquisas se estabeleça a certeza de um resultado, com a imutabilidade que, para muitos, se desenha na frieza dos cômputos dos institutos de opinião.
O silêncio prudente dos dirigentes petistas é o reconhecimento tácito de verdade quase corriqueira, mas que sob tantos golpes pode ser esquecida. Pois os gélidos números de um sucesso virtual refletem realidades momentâneas, suscetíveis, como nas previsões meteorológicas de antanho, a instabilidades imprevisíveis.
O Partido dos Trabalhadores evidenciara no passado ânsia auto-destrutiva, que já lhe fez males imprevistos e desnecessários. Como o ídolo, uma espécie de Baal, sofrem de irrefreado desejo de consumir informações para a produção de dossiers. Paira ora no horizonte um novo escândalo em perspectiva, qual seja a progressão da devassa de dados fiscais, de parte de analistas da Receita Federal, que veio primeiro à baila direcionada a Eduardo Jorge, em seguida a mais três aliados de Serra, e mais tarde a relação que abrangeria cento e quarenta vítimas.
A Justiça já principia a enfronhar-se do caso. Por enquanto, ainda não a Polícia Federal.
( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
Por sua vez, José Serra continua a regredir. Dista agora vinte pontos percentuais da candidata do PT. A sua comprida liderança nas pesquisas, que persistiu até maio p.p., com totais na casa dos quarenta, teria sido apenas fruto do maior conhecimento relativo, despojada de maior consistência política ?
Completa o quadro a candidata do Partido Verde, e a sua curva de intenções de voto na verdade persiste como reta na monotonia dos nove por cento.
Há geral desconcerto e constrangimento no campo tucano. Depois do golpe vibrado por Aécio Neves, contrariando a todo o alto tucanato – a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique – enjeitando formar a chapa dita puro-sangue com o companheiro Serra, a campanha do governador de São Paulo - que timbrou em respeitar todos os prazos para o lançamento efetivo – entrou em banho-maria.
A própria escolha do vice – não caracterizada por excessivo ímpeto dos medalhões da aliança PSDB-DEM – representou outro momento que tampouco acrescentou gás ou dinamismo à candidatura oposicionista.
Confrontado com a reversão de tendência, pelas sinalizações de diversas pesquisas, a opinião pública não assistiu a qualquer intento de monta que buscasse, seja o reagrupamento das forças partidárias supostamente comprometidas com a sua candidatura, seja um esforço marcado que revelasse disposição clara e oposicionista ao presente situacionismo.
Ao invés, o que se viu foi uma espécie de anti-reação, em que se chegou a reivindicar uma proximidade com o Presidente Lula, além de súbito avatar do ex-governador Serra como o candidato ‘Zé’, o que só poderia gerar confusão e certo mal-estar, menos pelo personagem do que pela natureza errática da sua campanha.
Quando as hostes inimigas em toda parte encontram fronts que se esfacelam, o próprio campo tende a ser convulsionado ou pelo desejo de fuga, ou pelos gerais reclamos, em que a ‘culpa’ será sempre a do outro.
A crise da candidatura José Serra tem muitas causas decerto, a partir da falta de ânimo, coragem ou personalidade do PSDB de fazer oposição ao petismo oficialista. A mediocridade tucana – e a decadência do DEM, que definha a olhos vistos – não terá sido motor de alta octanagem, que instile em todos os seus níveis, dos chefes aos soldados rasos, confiança e denodo que possam configurar uma exitosa empresa.
A altíssima popularidade do Presidente Lula – que beira os inacreditáveis 80% de aprovação , mantendo-se em tal imponente patamar já nos meses derradeiros dos oitos anos de um duplo mandato – há de intimidar os aspirantes a Davi, diante desse portentoso Golias. Constitui, sem dúvida, um enigma que pode devorar a aventureiros mais afoitos, eventuais tentativas de bater de frente contra essa constante arrimada em um sem número de pesquisas.
No entanto, a timidez e a irresolução são más conselheiras defronte de tal desafio. Se ambiciona empolgar o magno prêmio, o candidato oposicionista tem de transmitir à opinião pública clara, inequívoca certeza quanto aos motivos pelos quais se propõe suceder ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tudo acontece como se o ex-Governador José Serra não lograsse dissociar a criatura do criador. Tampouco tem conseguido passar ao eleitorado a convicção de que não questiona as virtudes e os feitos do antecessor, e que se julgue com melhores condições, tanto pessoais, quanto políticas, de levar ele e não Dilma adiante a obra encetada.
Para imantar uma grande coligação – e não conglomerado de confusos e contrafeitos aliados – José Serra terá de convencer a si próprio que a sua candidatura é viável. Não é através de comportamento quase autista, que parece comprazer-se no marasmo, que o candidato poderá transmitir imagem coerente. A condição sine qua non de convencer a outrem está no simples passo da auto-persuasão de que a façanha é possível. Como pode pretender mover multidões se não irradia vontade inabalável e se se deixa aureolar pela tácita admissão do fracasso ?
Em tempos de crise, este vocábulo de semântica tão rica que nos legaram os antigos Helenos, mais do que repontam, proliferam rumores e suspicácias de toda ordem. Diante da irresolução do comandante, as falanges se mostram inquietas. Correm boatos de generalizada cristianização do candidato, o que a meu ver mais reflete a perplexidade gerada pela ausência de uma atitude mais pró-ativa de Serra, do que a abjeta traição dos correligionários, eis que só contribuiria para tornar-lhes a derrota ainda mais abrangente e irreversível.
Nesta hora e vez dramáticas, estaria acaso tudo perdido para o campo de Serra e dos tucanos ? O bom senso há de dizer que faltam ainda demasiadas semanas, para que das escaramuças das pesquisas se estabeleça a certeza de um resultado, com a imutabilidade que, para muitos, se desenha na frieza dos cômputos dos institutos de opinião.
O silêncio prudente dos dirigentes petistas é o reconhecimento tácito de verdade quase corriqueira, mas que sob tantos golpes pode ser esquecida. Pois os gélidos números de um sucesso virtual refletem realidades momentâneas, suscetíveis, como nas previsões meteorológicas de antanho, a instabilidades imprevisíveis.
O Partido dos Trabalhadores evidenciara no passado ânsia auto-destrutiva, que já lhe fez males imprevistos e desnecessários. Como o ídolo, uma espécie de Baal, sofrem de irrefreado desejo de consumir informações para a produção de dossiers. Paira ora no horizonte um novo escândalo em perspectiva, qual seja a progressão da devassa de dados fiscais, de parte de analistas da Receita Federal, que veio primeiro à baila direcionada a Eduardo Jorge, em seguida a mais três aliados de Serra, e mais tarde a relação que abrangeria cento e quarenta vítimas.
A Justiça já principia a enfronhar-se do caso. Por enquanto, ainda não a Polícia Federal.
( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Do Controle Social da Mídia
Além da gerontocrática ditadura cubana, onde inexiste liberdade de imprensa, regimes sul-americanos de estampo social-burocrático-sindico-esquerdizante se acham em pleno processo de tentar estabelecer o controle social da mídia.
A máscara autoritária de tais regimes não é um simples disfarce, de que caudilhos, tiranetes e assemelhados se possam desvencilhar. Esta persona é um dos sinais vitais de seu esquema de poder, e a tal ponto ela se acha entranhada na carantonha do regime, que serão vãs as tentativas oportunistas de suprimi-la, inda que por conveniências momentâneas.
Pedir-lhes que não mais invistam contra a imprensa livre, seria mutatis mutandis o mesmo da reivindicação civil a ditaduras militares para que abandonem os fuzis e todos os indispensáveis agregados da repressão.
Os tiranos e todos os seus sucedâneos, nos seus múltiplos avatares, têm horror da má notícia. O paroxismo encarnado por Saddam Hussein – que simplesmente matava os mensageiros de más novas – não é um personagem isolado. Os demais, na sua demonização quer da oposição, quer da mídia, dele diferem não na natureza, mas na aparência. A tal gente igualmente aborrece a notícia contrária, dissonante da imagem de bonança e de ficção triunfalista, que já nos vem dos dias longínquos dos chamados déspotas esclarecidos e de seus cortesãos.
As democracias adjetivadas – de que a queda do muro de Berlim anunciara o inglório, melancólico fim na Europa do Leste – como cabeças de hidra repontam em nosso continente, nas encarnações hodiernas da praga dos aventureiros, caudilhos e generais-presidente de antanho.
A direita e a esquerda , desde que a Convenção da Revolução Francesa as inventou, se subsistem em bolsões doutrinários, as mais das vezes, ou são rótulos que os próprios cabecilhas, no caso da direita, negam despejadamente, ou correspondem a adulteração dos propósitos da esquerda.
Na fieira do proto-ditador Coronel Hugo Chávez Frias, há muitos outros para quem os ideais esquerdistas não passam de pano escasso e sovado, que mal recobre os reais propósitos de ideologia do poder, reedições adaptadas da fórmula peronista do populismo sindicalista. Para os ingênuos, o discurso libertário, posto que vazio. Para os que porventura ousem afrontá-los, a dureza de uma lei feita sob medida, em cortes vários, mas sempre conformes às necessidades e idiossincrasias do homem forte de turno.
Às conquistas da democracia, esses governantes fazem rituais e protocolares homenagens. Cuidam, no entanto, de esvaziá-las ou de retorcê-las. As eleições são sagradas, mas eles têm por elas o rasteiro respeito que antes lhes votavam os señores presidentes do P.R.I.[1]. Cumpre dizer que, ao contrário de seus epígonos atuais, os presidentes do PRI respeitaram o preceito da não-reeleição. Cumprido o sexênio, jamais houve presidente que ousasse pleitear nova eleição. A própria exceção de Obregón confirma a regra, eis que mão assassina o abateu antes de ser empossado no novo mandato. Poder-se-á dizer o mesmo dos atuais presidentes sul-americanos ? Chávez, cuja vida pública se iniciou em tentativa de golpe militar contra Carlos Andrés Perez, e que a partir de 1999 se apossou, pela vontade da maioria, da presidência, ora transformada em um misto de tragédia e farsa, com as encenações da incrível reexumação do Libertador Bolívar, e o prolixo e proliferante desgoverno, que o povo venezuelano depara por toda parte – nas prateleiras vazias dos armazéns e supermercados, nos cortes de energia, na estuante corrupção, no reaparelhamento militar da burocracia, e na explosão da violência comum. Para isso, o líder bolivariano prodiga seus compatriotas com arengas infindáveis e, agora para resolver os efeitos gráficos dos massacres proíbe, através de Judiciário caudatário, a sua reprovável exposição pela imprensa não afinada com a revolução bolivariana.
A censura é uma das filhas mais diletas do regime autoritário, não importa a sua adjetivação. Ao invés de expô-la às intempéries – o remédio cruel que a Antiguidade reservava à progênie indesejada ou deformada – o que assistimos no Equador, de Rafael Correa, na Nicarágua, de um redivivo Daniel Ortega, na Bolívia, de Evo Morales, são intentos de emular o grande modelo, o coronel Hugo Chávez.
E não se diga que os arreganhos da aliança neo-populista e sindicalista se confinem a tais países. A Argentina da sempre jovem Presidente Cristina Kirchner, eleita com a ajuda pouco convencional, embora bastante efetiva, do munificente chefe máximo da Alba, escolheu como sua besta-fera o grupo Clarín, culpado do crime inafiançável e imiprescritível de ser veículo de oposição ao casal Kirchner e ao congregado peronista. Desta feita, a pugnaz Presidente se empenha em tentativa de apossar-se de fábrica de papel, que ora por acaso tem como proprietários os donos do grupo Clarín – La Nación.
Já disse alguém que a história se repete, mas em farsa. Se tudo indica que as acusações da Casa Rosada sejam infundadas, sem embargo Sua Excelência ao buscar apropriar-se do fabrico do papel tenha quiçá em mente a que o longo regime do PRI mexicano utilizou como instrumento de provada eficácia em manter sempre dócil a imprensa azteca. Caso contrário, não teriam papel para imprimir seus pasquins denunciando torpemente as ações bem-intencionadas da administração oficialista mexicana.
Poderemos considerar livre o Brasil de tais perigos ? Diante das repetidas tentativas do P.T. de estabelecer um controle social da mídia, e a despeito dos seguidos malogros de tais empresas – como no primeiro mandato de Lula – e no alvoroço que cercou a divulgação do III Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborado pelo Ministro Paulo Vannuchi, e divulgado na passagem para o último ano do segundo mandato deste Presidente petista, a resposta otimista seria um estentórico Sim. Infelizmente, não é o que prenuncia seja o possível resultado dos comícios de três de outubro, com a vantagem estarrecedora de vinte pontos na ultimíssima pesquisa do Datafolha, atendidas as indicações de que o ditocontrole social da imprensa será deixado como legado por Lula da Silva à sua criatura. Consoante alerta o colunista Merval Pereira, esse designio persiste como se verifica com “o dirigente petista Valter Pomar : tentar desmoralizar os meios de comunicação independentes, para controlar a opinião pública.”
Malgrado a seriedade da ameaça, reforçada pelos sinais de maiorias nada promissoras, pelo inusitado prolongamento de um partido no poder, com os perigos acrescidos do reaparalhamento do estado a seu serviço e ao da outra legenda, o tentacular e oportunista PMDB, e a consequente veia autoritária de quem se propõe policiar a opinião contrastante, naquele caminho fatídico em que oposição vira sinônimo de traição.
É importar não quebrar essa paradigmática e insubstituível frágil plantinha da democracia. A história brasileira – de que os atuais protagonistas não podem declarar-se ignorantes – nos mostra sobejamente dos perigos da intolerância e da imposição.
Para reforçar a nossa democracia, o Supremo deve reimplantar, sem mais tardança, a plena vigência da cláusula pétrea da proibição da censura, sob qualquer forma ou pretexto. Uma sentença que despertou a revolta de tantos não pode continuar a refestelar-se na exibição insolente da vitoriosa proteção concedida ao clã de um gerarca, que muitos afirmaram, açodadamente, já a palmilhar a via crepuscular do longo vice-reinado.
O Brasil deve continuar a ser exemplo para os nossos irmãos latino-americanos de uma democracia jovem sem dúvida, mas sólida nos princípios, e aberta na prática frutuosa do diálogo de iguais, cujas eventuais discordâncias políticas não abalem as vigas do portentoso edifício da Constituição de cinco de outubro de 1988.
A Constituição Cidadã, a que Ulysses Guimarães associa imorredouro o próprio nome, não mereceria outra sorte.
( Fonte: O Globo )
[1] O antigo Partido Revolucionário Institucional que na própria denominação já embutia a sua inerente e cínica contradição.
A máscara autoritária de tais regimes não é um simples disfarce, de que caudilhos, tiranetes e assemelhados se possam desvencilhar. Esta persona é um dos sinais vitais de seu esquema de poder, e a tal ponto ela se acha entranhada na carantonha do regime, que serão vãs as tentativas oportunistas de suprimi-la, inda que por conveniências momentâneas.
Pedir-lhes que não mais invistam contra a imprensa livre, seria mutatis mutandis o mesmo da reivindicação civil a ditaduras militares para que abandonem os fuzis e todos os indispensáveis agregados da repressão.
Os tiranos e todos os seus sucedâneos, nos seus múltiplos avatares, têm horror da má notícia. O paroxismo encarnado por Saddam Hussein – que simplesmente matava os mensageiros de más novas – não é um personagem isolado. Os demais, na sua demonização quer da oposição, quer da mídia, dele diferem não na natureza, mas na aparência. A tal gente igualmente aborrece a notícia contrária, dissonante da imagem de bonança e de ficção triunfalista, que já nos vem dos dias longínquos dos chamados déspotas esclarecidos e de seus cortesãos.
As democracias adjetivadas – de que a queda do muro de Berlim anunciara o inglório, melancólico fim na Europa do Leste – como cabeças de hidra repontam em nosso continente, nas encarnações hodiernas da praga dos aventureiros, caudilhos e generais-presidente de antanho.
A direita e a esquerda , desde que a Convenção da Revolução Francesa as inventou, se subsistem em bolsões doutrinários, as mais das vezes, ou são rótulos que os próprios cabecilhas, no caso da direita, negam despejadamente, ou correspondem a adulteração dos propósitos da esquerda.
Na fieira do proto-ditador Coronel Hugo Chávez Frias, há muitos outros para quem os ideais esquerdistas não passam de pano escasso e sovado, que mal recobre os reais propósitos de ideologia do poder, reedições adaptadas da fórmula peronista do populismo sindicalista. Para os ingênuos, o discurso libertário, posto que vazio. Para os que porventura ousem afrontá-los, a dureza de uma lei feita sob medida, em cortes vários, mas sempre conformes às necessidades e idiossincrasias do homem forte de turno.
Às conquistas da democracia, esses governantes fazem rituais e protocolares homenagens. Cuidam, no entanto, de esvaziá-las ou de retorcê-las. As eleições são sagradas, mas eles têm por elas o rasteiro respeito que antes lhes votavam os señores presidentes do P.R.I.[1]. Cumpre dizer que, ao contrário de seus epígonos atuais, os presidentes do PRI respeitaram o preceito da não-reeleição. Cumprido o sexênio, jamais houve presidente que ousasse pleitear nova eleição. A própria exceção de Obregón confirma a regra, eis que mão assassina o abateu antes de ser empossado no novo mandato. Poder-se-á dizer o mesmo dos atuais presidentes sul-americanos ? Chávez, cuja vida pública se iniciou em tentativa de golpe militar contra Carlos Andrés Perez, e que a partir de 1999 se apossou, pela vontade da maioria, da presidência, ora transformada em um misto de tragédia e farsa, com as encenações da incrível reexumação do Libertador Bolívar, e o prolixo e proliferante desgoverno, que o povo venezuelano depara por toda parte – nas prateleiras vazias dos armazéns e supermercados, nos cortes de energia, na estuante corrupção, no reaparelhamento militar da burocracia, e na explosão da violência comum. Para isso, o líder bolivariano prodiga seus compatriotas com arengas infindáveis e, agora para resolver os efeitos gráficos dos massacres proíbe, através de Judiciário caudatário, a sua reprovável exposição pela imprensa não afinada com a revolução bolivariana.
A censura é uma das filhas mais diletas do regime autoritário, não importa a sua adjetivação. Ao invés de expô-la às intempéries – o remédio cruel que a Antiguidade reservava à progênie indesejada ou deformada – o que assistimos no Equador, de Rafael Correa, na Nicarágua, de um redivivo Daniel Ortega, na Bolívia, de Evo Morales, são intentos de emular o grande modelo, o coronel Hugo Chávez.
E não se diga que os arreganhos da aliança neo-populista e sindicalista se confinem a tais países. A Argentina da sempre jovem Presidente Cristina Kirchner, eleita com a ajuda pouco convencional, embora bastante efetiva, do munificente chefe máximo da Alba, escolheu como sua besta-fera o grupo Clarín, culpado do crime inafiançável e imiprescritível de ser veículo de oposição ao casal Kirchner e ao congregado peronista. Desta feita, a pugnaz Presidente se empenha em tentativa de apossar-se de fábrica de papel, que ora por acaso tem como proprietários os donos do grupo Clarín – La Nación.
Já disse alguém que a história se repete, mas em farsa. Se tudo indica que as acusações da Casa Rosada sejam infundadas, sem embargo Sua Excelência ao buscar apropriar-se do fabrico do papel tenha quiçá em mente a que o longo regime do PRI mexicano utilizou como instrumento de provada eficácia em manter sempre dócil a imprensa azteca. Caso contrário, não teriam papel para imprimir seus pasquins denunciando torpemente as ações bem-intencionadas da administração oficialista mexicana.
Poderemos considerar livre o Brasil de tais perigos ? Diante das repetidas tentativas do P.T. de estabelecer um controle social da mídia, e a despeito dos seguidos malogros de tais empresas – como no primeiro mandato de Lula – e no alvoroço que cercou a divulgação do III Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborado pelo Ministro Paulo Vannuchi, e divulgado na passagem para o último ano do segundo mandato deste Presidente petista, a resposta otimista seria um estentórico Sim. Infelizmente, não é o que prenuncia seja o possível resultado dos comícios de três de outubro, com a vantagem estarrecedora de vinte pontos na ultimíssima pesquisa do Datafolha, atendidas as indicações de que o ditocontrole social da imprensa será deixado como legado por Lula da Silva à sua criatura. Consoante alerta o colunista Merval Pereira, esse designio persiste como se verifica com “o dirigente petista Valter Pomar : tentar desmoralizar os meios de comunicação independentes, para controlar a opinião pública.”
Malgrado a seriedade da ameaça, reforçada pelos sinais de maiorias nada promissoras, pelo inusitado prolongamento de um partido no poder, com os perigos acrescidos do reaparalhamento do estado a seu serviço e ao da outra legenda, o tentacular e oportunista PMDB, e a consequente veia autoritária de quem se propõe policiar a opinião contrastante, naquele caminho fatídico em que oposição vira sinônimo de traição.
É importar não quebrar essa paradigmática e insubstituível frágil plantinha da democracia. A história brasileira – de que os atuais protagonistas não podem declarar-se ignorantes – nos mostra sobejamente dos perigos da intolerância e da imposição.
Para reforçar a nossa democracia, o Supremo deve reimplantar, sem mais tardança, a plena vigência da cláusula pétrea da proibição da censura, sob qualquer forma ou pretexto. Uma sentença que despertou a revolta de tantos não pode continuar a refestelar-se na exibição insolente da vitoriosa proteção concedida ao clã de um gerarca, que muitos afirmaram, açodadamente, já a palmilhar a via crepuscular do longo vice-reinado.
O Brasil deve continuar a ser exemplo para os nossos irmãos latino-americanos de uma democracia jovem sem dúvida, mas sólida nos princípios, e aberta na prática frutuosa do diálogo de iguais, cujas eventuais discordâncias políticas não abalem as vigas do portentoso edifício da Constituição de cinco de outubro de 1988.
A Constituição Cidadã, a que Ulysses Guimarães associa imorredouro o próprio nome, não mereceria outra sorte.
( Fonte: O Globo )
[1] O antigo Partido Revolucionário Institucional que na própria denominação já embutia a sua inerente e cínica contradição.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
O BOM JUIZ
O Ministro Gilson Dipp, atual Corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deixará em breve este cargo, por decurso de mandato. A esse respeito, acompanho esta inexorável transmissão de função, a um tempo com pesar e satisfação.
Ao contrário de que estamos acostumados nos dias que correm, a satisfação é devida pelo seu exercício, que se caracterizou pela correção, coragem e competência no cumprimento de uma função difícil. Pautou-se pela exação no seu trabalho, que bem longe esteve de qualquer mancha de corporativismo, esta praga que se alastra por tantas atividades nesses brasis, e que nada tem a ver com o amor pelo próprio ofício e o respeito a seus colegas.
O Corregedor do CNJ Gilson Dipp teve o respaldo do anterior presidente, Ministro Gilmar Mendes. Por reparos que se façam à atuação deste último, é dever elementar de justiça registrar o apoio prestado pelo Ministro Mendes, enquanto à testa do CNJ, à atuação do Corregedor Dipp.
O pesar acima mencionado é decorrência natural da saída do Ministro Gilson Dipp da corregedoria do CNJ. É um sentimento ambíguo, eis que o informam tanto a consciência de não mais dispor-se de sua válida, afirmativa e não obstante equilibrada gestão, quanto a compreensível dúvida se a sua substituta designada, a ministra Eliana Calmon, se mostrará à altura do desafio de encargo de tal monta. Fazemos votos que a sucessora esteja em condições de patentear o acerto da própria indicação.
Nesses dias em que deparamos tantos motivos de consternação, confrangimento e mesmo revolta, é bom e oportuno assinalar que luzes ainda brilham, e com o fulgor da verdadeira justiça, e que a corrupção, o corporativismo e seu aparentado bom-mocismo, podem ser individuados, combatidos e extirpados, sem embargo da sua rede de apoios, muita vez disfarçados em uma extremada defesa de classe, que não consegue ou não quer distinguir entre joio e trigo, maçãs podres e sadias.
O Ministro Gilson Dipp, natural de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, tem 65 anos e volta agora para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para onde fora promovido em 1998. Por tudo o que fez – e o descriminarei abaixo – e pelo que é, o Ministro Dipp deveria ser indicado para o Supremo Tribunal Federal. De magistrados da sua estirpe, a nossa Suprema Corte será sempre carecedora, e na atualidade, em que a filiação política semelha prevalecer, é mais do que tempo de designar juízes com a fé de ofício de Gilson Dipp.
Na gestão Dipp, como corregedor do CNJ, segundo indica a Folha, trinta e seis magistrados foram condenados (com 18 aposentadorias compulsórias), dezessete tribunais foram inspecionados, e 5.561 titularidades de cartórios, que eram irregulares, foram declaradas vagas.
Com a franqueza, tão diversa dos subterfúgios usuais, Dipp nos diz que nas inspeções nos Estados encontrou mais “maçãs podres” que o previsto. “Nós imaginávamos que os casos de ‘maçãs podres’eram muito pontuais. Na verdade, não foram tão pontuais assim. Isso foi surpreendente, chocante. Mostrou a todos nós que a magistratura não tem uma blindagem contra atos de corrupção e irregularidades.”
No que tange à aposentadoria[1] do ministro Paulo Medina, do STJ, disse: “É sempre muito penoso ser o relator de um processo que investiga um colega de tribunal. No caso, houve a decisão unânime do colegiado de penalizá-lo com a aposentadoria compulsória. Eu e meus colegas de conselho não fazemos isso sem traumatismos.(...) Mas ou assumo a condição de corregedor ou temos que reconhecer que o CNJ não é capaz de tomar decisões drásticas.”
Perguntado sobre a estranha e recente liminar do Ministro Celso de Mello, do STF, que determina a volta ao cargo de dez juízes aposentados pelo CNJ, e se tal determinação comprometeria o Conselho, assim se expressou o Ministro Dipp:
“Absolutamente. É um caso pontual em que houve o afastamento de dez magistrados. É uma decisão ainda provisória, proferida isoladamente” (a liminar do Ministro Mello). “Não vejo como essa decisão comprometa a autonomia do CNJ. O processo veio para cá a pedido do próprio corregedor do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Mas isso são percalços que o CNJ está correndo, correu e vai correr. Há decisões muitas vezes incompreendidas, porque estamos aqui no chão, no front, e não fechados em gabinetes.”
Por fim, o Corregedor que deixa as suas funções, é perguntado acerca do futuro, vale dizer se o presente Presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, há de manter a disposição do antecessor, o ministro Gilmar Mendes, de apoiar as inspeções.
“Ele sempre manifestou a intenção de ser bem intransigente com todos os deslizes administrativos e disciplinares. Sempre recebemos todo o apoio dele. As inspeções e audiências tendem a diminuir. Já sabemos os problemas recorrentes da magistratura. As inspeções no futuro serão pontuais para apurar determinados fatos, mesmo com alguma amplitude. Não serão inspeções que deslocam muitos funcionários.” (os grifos são do responsável pelo blog)
A perplexidade diante da liminar do Ministro Celso de Mello, suspendendo a punição do CNJ aos dez juízes envolvidos em esquema de desvio de R$1,4 milhão de verbas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, tem cabimento, pela lisura do processo realizado pelo CNJ, e pela unanimidade de sua decisão, com a consequente anuência de seu Presidente – e atual presidente do Supremo – o Ministro Cezar Peluso. É de augurar-se que essa liminar caia prontamente, com a confirmação da decisão do órgão constitucional competente, o CNJ.
( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
[1] Provoca crescente estranheza o privilégio da magistratura em não serem suscetíveis os juízes declarados culpados pela instância competente de, como os seus irmãos brasileiros, sofrerem a pena de prisão cabível no caso. Segundo se propala, a questão está em estudos, porque há uma evidente antinomia com a cláusula pétrea da igualdade de todos perante a lei.
Ao contrário de que estamos acostumados nos dias que correm, a satisfação é devida pelo seu exercício, que se caracterizou pela correção, coragem e competência no cumprimento de uma função difícil. Pautou-se pela exação no seu trabalho, que bem longe esteve de qualquer mancha de corporativismo, esta praga que se alastra por tantas atividades nesses brasis, e que nada tem a ver com o amor pelo próprio ofício e o respeito a seus colegas.
O Corregedor do CNJ Gilson Dipp teve o respaldo do anterior presidente, Ministro Gilmar Mendes. Por reparos que se façam à atuação deste último, é dever elementar de justiça registrar o apoio prestado pelo Ministro Mendes, enquanto à testa do CNJ, à atuação do Corregedor Dipp.
O pesar acima mencionado é decorrência natural da saída do Ministro Gilson Dipp da corregedoria do CNJ. É um sentimento ambíguo, eis que o informam tanto a consciência de não mais dispor-se de sua válida, afirmativa e não obstante equilibrada gestão, quanto a compreensível dúvida se a sua substituta designada, a ministra Eliana Calmon, se mostrará à altura do desafio de encargo de tal monta. Fazemos votos que a sucessora esteja em condições de patentear o acerto da própria indicação.
Nesses dias em que deparamos tantos motivos de consternação, confrangimento e mesmo revolta, é bom e oportuno assinalar que luzes ainda brilham, e com o fulgor da verdadeira justiça, e que a corrupção, o corporativismo e seu aparentado bom-mocismo, podem ser individuados, combatidos e extirpados, sem embargo da sua rede de apoios, muita vez disfarçados em uma extremada defesa de classe, que não consegue ou não quer distinguir entre joio e trigo, maçãs podres e sadias.
O Ministro Gilson Dipp, natural de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, tem 65 anos e volta agora para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para onde fora promovido em 1998. Por tudo o que fez – e o descriminarei abaixo – e pelo que é, o Ministro Dipp deveria ser indicado para o Supremo Tribunal Federal. De magistrados da sua estirpe, a nossa Suprema Corte será sempre carecedora, e na atualidade, em que a filiação política semelha prevalecer, é mais do que tempo de designar juízes com a fé de ofício de Gilson Dipp.
Na gestão Dipp, como corregedor do CNJ, segundo indica a Folha, trinta e seis magistrados foram condenados (com 18 aposentadorias compulsórias), dezessete tribunais foram inspecionados, e 5.561 titularidades de cartórios, que eram irregulares, foram declaradas vagas.
Com a franqueza, tão diversa dos subterfúgios usuais, Dipp nos diz que nas inspeções nos Estados encontrou mais “maçãs podres” que o previsto. “Nós imaginávamos que os casos de ‘maçãs podres’eram muito pontuais. Na verdade, não foram tão pontuais assim. Isso foi surpreendente, chocante. Mostrou a todos nós que a magistratura não tem uma blindagem contra atos de corrupção e irregularidades.”
No que tange à aposentadoria[1] do ministro Paulo Medina, do STJ, disse: “É sempre muito penoso ser o relator de um processo que investiga um colega de tribunal. No caso, houve a decisão unânime do colegiado de penalizá-lo com a aposentadoria compulsória. Eu e meus colegas de conselho não fazemos isso sem traumatismos.(...) Mas ou assumo a condição de corregedor ou temos que reconhecer que o CNJ não é capaz de tomar decisões drásticas.”
Perguntado sobre a estranha e recente liminar do Ministro Celso de Mello, do STF, que determina a volta ao cargo de dez juízes aposentados pelo CNJ, e se tal determinação comprometeria o Conselho, assim se expressou o Ministro Dipp:
“Absolutamente. É um caso pontual em que houve o afastamento de dez magistrados. É uma decisão ainda provisória, proferida isoladamente” (a liminar do Ministro Mello). “Não vejo como essa decisão comprometa a autonomia do CNJ. O processo veio para cá a pedido do próprio corregedor do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Mas isso são percalços que o CNJ está correndo, correu e vai correr. Há decisões muitas vezes incompreendidas, porque estamos aqui no chão, no front, e não fechados em gabinetes.”
Por fim, o Corregedor que deixa as suas funções, é perguntado acerca do futuro, vale dizer se o presente Presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, há de manter a disposição do antecessor, o ministro Gilmar Mendes, de apoiar as inspeções.
“Ele sempre manifestou a intenção de ser bem intransigente com todos os deslizes administrativos e disciplinares. Sempre recebemos todo o apoio dele. As inspeções e audiências tendem a diminuir. Já sabemos os problemas recorrentes da magistratura. As inspeções no futuro serão pontuais para apurar determinados fatos, mesmo com alguma amplitude. Não serão inspeções que deslocam muitos funcionários.” (os grifos são do responsável pelo blog)
A perplexidade diante da liminar do Ministro Celso de Mello, suspendendo a punição do CNJ aos dez juízes envolvidos em esquema de desvio de R$1,4 milhão de verbas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, tem cabimento, pela lisura do processo realizado pelo CNJ, e pela unanimidade de sua decisão, com a consequente anuência de seu Presidente – e atual presidente do Supremo – o Ministro Cezar Peluso. É de augurar-se que essa liminar caia prontamente, com a confirmação da decisão do órgão constitucional competente, o CNJ.
( Fontes: Folha de S. Paulo e O Globo )
[1] Provoca crescente estranheza o privilégio da magistratura em não serem suscetíveis os juízes declarados culpados pela instância competente de, como os seus irmãos brasileiros, sofrerem a pena de prisão cabível no caso. Segundo se propala, a questão está em estudos, porque há uma evidente antinomia com a cláusula pétrea da igualdade de todos perante a lei.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
O Candidato José Serra Merece Respeito
A última pesquisa do Instituto Datafolha não anuncia a morte da candidatura de José Serra. O Datafolha se assinala, decerto, pela exação e seriedade, e não por acaso tem o trabalho reconhecido com o respeito pela ética e o profissionalismo de seus prognósticos.
Este elogio, devido e dito com o prazer derivado da vivência das boas obras, se reporta ao objeto específico dos dados colhidos e computados pelos seus agentes, que se enfronham, no caso em tela, das indicações várias no vasto campo de colheita, para colocar no papel o sentir da opinião pública em um determinado momento. Da cacofonia dos sons e dos juízos contrastantes moldar,na frieza dos números, a imagem veraz de um sentir transitório.
Que não se apressem aqueles que pensam entrever nessas linhas crítica à validade de tal conhecimento. No passado, tanto o próximo, quanto o já longínquo, diversos candidatos tentaram investir contra as novas a eles desfavoráveis trazidas pelas pesquisas, como se esses dados fossem espúrios, armas do adversário na luta pré-eleitoral. Na mor parte das vezes, se enganavam redondamente, e reeditavam, na pobreza de suas concepções, a quixotesca carga contra os moinhos de vento.
Ao fazer o encômio – desnecessário talvez pela solidez do conceito e da estima atribuídos ao Datafolha – obedeço a contingência que se me afigura esquecida por chorrilho de observações e julgamentos, provocados pela divulgação da citada pesquisa.
Por mais afinado e exato que logre ser, o resultado do trabalho de coleta de opiniões – como a determinação das preferências do eleitor por um candidato, por manifestações provocadas ou espontâneas – não poderá pretender outra coisa que não a aferição no tempo de um sentir específico. Em outras palavras, as pesquisas se escrevem sobre o palinpsesto volúvel e portanto mutável da opinião pública. Elas não mentem, nem é seu propósito iludir. Como a foto magistral de uma cena antológica, elas carecem de ser captadas e compreendidas em tudo aquilo que nos proporcionam e nos transmitem daquele átimo fugidio.
As pesquisas indicam um caminho e uma situação. Constituem esforços louváveis por ajudar a quem disso necessita- escutar o distante clamor, assim como decifrar sinais antes enigmáticos. A pesquisa representa, por conseguinte, a epítome do apoio e da advertência, mas sempre relativo a período determinado. A transitoriedade pode ser válida – quem ousará negá-lo ? - porém sua eventual pertinência, por severa ou promissora que se mostre, nunca alcançará ser vestida com outros panos que os do par de dias em que foi amealhada, cotejada, trançada e ultimada.
Como das sentinelas avançadas e até dos audazes emissários que, sob o manto permissivo da treva, se adiantavam fundo no terreno insidioso das hostes inimigas, as lacônicas informações por eles transportadas, a preço por vezes da própria vida, elas têm a utilidade preciosa acerca do instante único de determinada trajetória. A informação não pode ser completa, e nem por isso deixa de ser válida.
Por precisa e veraz que ela seja, no entanto, não lhe é dada a ambição de proporcionar dados e elementos não compreendidos naquele tempo a que corresponda a sua ação.
Não obstante essas considerações - que pelo seu caráter poderiam até ser tachadas de tautológicas, tão evidentes semelham à luz da razão – foram abraçadas por muitos como se ao invés do mônito de um gesto, relevante sem dúvida, mas sempre atinente a um ponto em uma trajetória, elas foram erigidas em verdades perenes e imutáveis, dignas de serem cinzeladas no mármore dos grandes eventos públicos.
É difícil não suspeitar que, por motivos vários, inclusive os inconfessáveis, a nova anunciada pelo Datafolha foi acolhida com ânsia pressurosa, que ora podia derramar-se em expressões de mal disfarçado júbilo pela suposta desgraça do candidato José Serra.
Antes de ocupar-me de tais comportamentos, creio oportuno que se tenha presente distinção relevante entre as crenças da Antiguidade e a profissional frieza dos cômputos do Datafolha.
Quando os antigos se animavam com os prenúncios transmitidos por oráculos, pitonisas ou entranhas de animais interpretados pelos harúspices e outros adivinhos, importa assinalar que, embalados pela superstição, eles ouviam vaticínios sobre o futuro querido pelos deuses. Não falavam, por interposta pessoa, as divindades sobre esta ou aquela tendência. Ao contrário, exibiam para os infelizes mortais qual seria o porvir que lhes esperava.
Como não penso que o Datafolha recorra a tais métodos, nem se preocupe com projeções futuristas, não posso evitar paráfrase do escritor e humorista Mark Twain. A Folha de S. Paulo, no meu entender, extrapolou o significado da pesquisa do instituto Datafolha. Ao invés de sinal de desvantagem na preferência da opinião pública, ou até mesmo de indutor de uma crise na postulação presidencial do candidato Serra, resolveu ler o seu resultado como veredicto, sentença inelutável da empresa cívica que é partilhada por milhões de brasileiros.
A liberdade de imprensa é garantida pela Constituição Cidadã. Isso, nos tempos que correm, a despeito do silêncio prolongado dos confrades acerca da inconstitucional censura imposta ao Estado de São Paulo, e da sua escandalosa permanência por mais de ano. As eventuais falhas não nos induzirão jamais a descrer da validade desta cláusula pétrea da Constituição. Por isso, se aceito da Folha o direito de opinar como bem lhe parece, devo confessar que vislumbro um certo exagero na proclamação da suposta inevitabilidade da derrota do candidato do PSDB a cerca de sete semanas dos comícios de três de outubro.
Igualmente me parece que no seu editorial “Avesso do Avesso” , de 21 de agosto de 2010,a direção da Folha haja cometido outros exageros, e desvelado uma sanha desmesurada, em que certos limites usuais do convívio humano e civilizado não tenham merecido a atenção a que fazem jus. Dessarte, depois de declarar, e cito:
“Mais difícil ainda, contudo, quando em vez de um político disposto a levar adiante suas próprias convicções, o que se viu foi um personagem errático, não raro evasivo, que submeteu o cronograma da oposição ao cálculo finório das conveniências pessoais, que se acomodou em índices inerciais de popularidade, que preferiu o jogo das pressões de bastidor à disputa aberta, e que agora se apresenta como “Zé”, no improvável intento de redefinir sua imagem pública.”
É forçoso admitir que são palavras duras, até cruéis, com que o editorial fustiga o candidato culpado de desvantagem na pesquisa. Quiçá até o redator dessa verrina tenha tido intuição de haver transposto algum limite, eis que se apressou em aditar, para compreensível assombro do leitor:
“Não é do feitio deste jornal tripudiar sobre quem vê, agora, o peso dos próprios erros, e colhe o que merece.”
Mas o ímpeto é demasiado forte, e o platônico corcel empolga na paixão os frágeios freios da razão, e dessarte conclui a peça:
“Numa rudimentar tentativa de passa-moleque politico, Serra desrespeitou não apenas o papel, exitoso ou não, que teria a representar na disputa presidencial. Desrespeitou os eleitores, tanto lulistas quanto serristas.”
Aí entra outro exagero e já bastante próximo de o que causou a célebre expressão de Mark Twain. Fazer o necrológio político de José Serra é uma empresa pelo menos dúbia, porque adentra as névoas de um futuro que até hoje, por motivos deploráveis ou não, foge da capacidade humana em determinar.
Nesse contexto ingressa um artigo de novel sucessor de Clóvis Rossi, que o autor não se peja de titular como o ‘Pós-Serra’.
Não valhe a pena adentrar-se nas linhas acima referidas. Não sei se o volúvel e inaferrável futuro o fará arrepender-se de havê-las escrito. Isso, contudo, é coisa de somenos.
Para o candidato José Serra o que importa é olhar para frente, determinar com a assistência de seus próximos o que terá motivado a inflexão na sua curva de preferências, e o que doravante deve fazer, armado de confiança e perseverança.
Serra não carece de comparações. Tem uma biografia de homem público, traçada ao longo do tempo com coragem, determinação, coerência, cultura e integridade. A respectiva fé de ofício dele constitui a sua publicidade melhor, porque independe dos truques e enfeites dos consultores políticos. O seu estilo – que, como Buffon nos ensina – é o reflexo do homem já representa apresentação bastante. Serra, seja você mesmo, e como velho caminhante avance na sua trilha. Os cães da lenda podem continuar latindo, mas o destino de sua progressão está marcado e a seu alcance. Por vezes, um instante difícil o olhamos mais tarde com satisfação, eis que nos liberou das falsas peias e nos rasgou a senda que lhe é predestinada.
Este elogio, devido e dito com o prazer derivado da vivência das boas obras, se reporta ao objeto específico dos dados colhidos e computados pelos seus agentes, que se enfronham, no caso em tela, das indicações várias no vasto campo de colheita, para colocar no papel o sentir da opinião pública em um determinado momento. Da cacofonia dos sons e dos juízos contrastantes moldar,na frieza dos números, a imagem veraz de um sentir transitório.
Que não se apressem aqueles que pensam entrever nessas linhas crítica à validade de tal conhecimento. No passado, tanto o próximo, quanto o já longínquo, diversos candidatos tentaram investir contra as novas a eles desfavoráveis trazidas pelas pesquisas, como se esses dados fossem espúrios, armas do adversário na luta pré-eleitoral. Na mor parte das vezes, se enganavam redondamente, e reeditavam, na pobreza de suas concepções, a quixotesca carga contra os moinhos de vento.
Ao fazer o encômio – desnecessário talvez pela solidez do conceito e da estima atribuídos ao Datafolha – obedeço a contingência que se me afigura esquecida por chorrilho de observações e julgamentos, provocados pela divulgação da citada pesquisa.
Por mais afinado e exato que logre ser, o resultado do trabalho de coleta de opiniões – como a determinação das preferências do eleitor por um candidato, por manifestações provocadas ou espontâneas – não poderá pretender outra coisa que não a aferição no tempo de um sentir específico. Em outras palavras, as pesquisas se escrevem sobre o palinpsesto volúvel e portanto mutável da opinião pública. Elas não mentem, nem é seu propósito iludir. Como a foto magistral de uma cena antológica, elas carecem de ser captadas e compreendidas em tudo aquilo que nos proporcionam e nos transmitem daquele átimo fugidio.
As pesquisas indicam um caminho e uma situação. Constituem esforços louváveis por ajudar a quem disso necessita- escutar o distante clamor, assim como decifrar sinais antes enigmáticos. A pesquisa representa, por conseguinte, a epítome do apoio e da advertência, mas sempre relativo a período determinado. A transitoriedade pode ser válida – quem ousará negá-lo ? - porém sua eventual pertinência, por severa ou promissora que se mostre, nunca alcançará ser vestida com outros panos que os do par de dias em que foi amealhada, cotejada, trançada e ultimada.
Como das sentinelas avançadas e até dos audazes emissários que, sob o manto permissivo da treva, se adiantavam fundo no terreno insidioso das hostes inimigas, as lacônicas informações por eles transportadas, a preço por vezes da própria vida, elas têm a utilidade preciosa acerca do instante único de determinada trajetória. A informação não pode ser completa, e nem por isso deixa de ser válida.
Por precisa e veraz que ela seja, no entanto, não lhe é dada a ambição de proporcionar dados e elementos não compreendidos naquele tempo a que corresponda a sua ação.
Não obstante essas considerações - que pelo seu caráter poderiam até ser tachadas de tautológicas, tão evidentes semelham à luz da razão – foram abraçadas por muitos como se ao invés do mônito de um gesto, relevante sem dúvida, mas sempre atinente a um ponto em uma trajetória, elas foram erigidas em verdades perenes e imutáveis, dignas de serem cinzeladas no mármore dos grandes eventos públicos.
É difícil não suspeitar que, por motivos vários, inclusive os inconfessáveis, a nova anunciada pelo Datafolha foi acolhida com ânsia pressurosa, que ora podia derramar-se em expressões de mal disfarçado júbilo pela suposta desgraça do candidato José Serra.
Antes de ocupar-me de tais comportamentos, creio oportuno que se tenha presente distinção relevante entre as crenças da Antiguidade e a profissional frieza dos cômputos do Datafolha.
Quando os antigos se animavam com os prenúncios transmitidos por oráculos, pitonisas ou entranhas de animais interpretados pelos harúspices e outros adivinhos, importa assinalar que, embalados pela superstição, eles ouviam vaticínios sobre o futuro querido pelos deuses. Não falavam, por interposta pessoa, as divindades sobre esta ou aquela tendência. Ao contrário, exibiam para os infelizes mortais qual seria o porvir que lhes esperava.
Como não penso que o Datafolha recorra a tais métodos, nem se preocupe com projeções futuristas, não posso evitar paráfrase do escritor e humorista Mark Twain. A Folha de S. Paulo, no meu entender, extrapolou o significado da pesquisa do instituto Datafolha. Ao invés de sinal de desvantagem na preferência da opinião pública, ou até mesmo de indutor de uma crise na postulação presidencial do candidato Serra, resolveu ler o seu resultado como veredicto, sentença inelutável da empresa cívica que é partilhada por milhões de brasileiros.
A liberdade de imprensa é garantida pela Constituição Cidadã. Isso, nos tempos que correm, a despeito do silêncio prolongado dos confrades acerca da inconstitucional censura imposta ao Estado de São Paulo, e da sua escandalosa permanência por mais de ano. As eventuais falhas não nos induzirão jamais a descrer da validade desta cláusula pétrea da Constituição. Por isso, se aceito da Folha o direito de opinar como bem lhe parece, devo confessar que vislumbro um certo exagero na proclamação da suposta inevitabilidade da derrota do candidato do PSDB a cerca de sete semanas dos comícios de três de outubro.
Igualmente me parece que no seu editorial “Avesso do Avesso” , de 21 de agosto de 2010,a direção da Folha haja cometido outros exageros, e desvelado uma sanha desmesurada, em que certos limites usuais do convívio humano e civilizado não tenham merecido a atenção a que fazem jus. Dessarte, depois de declarar, e cito:
“Mais difícil ainda, contudo, quando em vez de um político disposto a levar adiante suas próprias convicções, o que se viu foi um personagem errático, não raro evasivo, que submeteu o cronograma da oposição ao cálculo finório das conveniências pessoais, que se acomodou em índices inerciais de popularidade, que preferiu o jogo das pressões de bastidor à disputa aberta, e que agora se apresenta como “Zé”, no improvável intento de redefinir sua imagem pública.”
É forçoso admitir que são palavras duras, até cruéis, com que o editorial fustiga o candidato culpado de desvantagem na pesquisa. Quiçá até o redator dessa verrina tenha tido intuição de haver transposto algum limite, eis que se apressou em aditar, para compreensível assombro do leitor:
“Não é do feitio deste jornal tripudiar sobre quem vê, agora, o peso dos próprios erros, e colhe o que merece.”
Mas o ímpeto é demasiado forte, e o platônico corcel empolga na paixão os frágeios freios da razão, e dessarte conclui a peça:
“Numa rudimentar tentativa de passa-moleque politico, Serra desrespeitou não apenas o papel, exitoso ou não, que teria a representar na disputa presidencial. Desrespeitou os eleitores, tanto lulistas quanto serristas.”
Aí entra outro exagero e já bastante próximo de o que causou a célebre expressão de Mark Twain. Fazer o necrológio político de José Serra é uma empresa pelo menos dúbia, porque adentra as névoas de um futuro que até hoje, por motivos deploráveis ou não, foge da capacidade humana em determinar.
Nesse contexto ingressa um artigo de novel sucessor de Clóvis Rossi, que o autor não se peja de titular como o ‘Pós-Serra’.
Não valhe a pena adentrar-se nas linhas acima referidas. Não sei se o volúvel e inaferrável futuro o fará arrepender-se de havê-las escrito. Isso, contudo, é coisa de somenos.
Para o candidato José Serra o que importa é olhar para frente, determinar com a assistência de seus próximos o que terá motivado a inflexão na sua curva de preferências, e o que doravante deve fazer, armado de confiança e perseverança.
Serra não carece de comparações. Tem uma biografia de homem público, traçada ao longo do tempo com coragem, determinação, coerência, cultura e integridade. A respectiva fé de ofício dele constitui a sua publicidade melhor, porque independe dos truques e enfeites dos consultores políticos. O seu estilo – que, como Buffon nos ensina – é o reflexo do homem já representa apresentação bastante. Serra, seja você mesmo, e como velho caminhante avance na sua trilha. Os cães da lenda podem continuar latindo, mas o destino de sua progressão está marcado e a seu alcance. Por vezes, um instante difícil o olhamos mais tarde com satisfação, eis que nos liberou das falsas peias e nos rasgou a senda que lhe é predestinada.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
De um Inusitado Projeto
A princípio, é difícil acreditar na veracidade da notícia. No entanto, Elio Gaspari é um jornalista respeitado e respeitável, com currículo que dispensa apresentações. Por isso, ainda que consternado, não tenho alternativa senão tratar a questão, não no como fato consumado – eis que felizmente não o é – mas na qualidade de iniciativa sem o fundamento seja da Constituição, seja da correta disposição das matérias administrativas e financeiras da União.
Como Elio Gaspari nos informa, “o presidente do Supremo Tribunal Federal,Cezar Peluso, e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminharam ao Congresso projetos de lei que lhes transferem a tarefa de fixar os vencimentos dos servidores sob suas jurisdições. Atualmente, os reajustes salariais do Supremo e do Ministério Público dependem de aprovação do Congresso, como ocorre com o Orçamento da União.”
Mesmo nos tempos que correm, em que o egoismo corporativista sói ser a regra - a ponto de haver induzido no passado os juízes a entrarem em greve e a deputados declararem que se lixam para a opinião pública – há de convir-se que não é todo dia que se depara com disposição de tal gênero, decidida aparentemente em concerto, respectivamente, pelo atuais chefes de nossa Corte Suprema e de nosso Ministério Público, que ocupam as suas altas funções há relativamente pouco tempo.
A alvitrada providência, sob inúmeras facetas, algumas delas constrangedoras,
não é sensata, nem conforme o ordenamento constitucional, nem tampouco é adequada.
Constrange, de início, que tal medida, tão manifestamente pro domo sua, seja solicitada de um Congresso com a legislatura em fim de mandato. Não é decerto o momento de considerar seja ela de conformidade ao mandamento constitucional, seja da sua conveniência política, administrativa e financeira.
Não há muito se tomou ciência de que os Ministros do Supremo reivindicam nova atualização salarial. Como a sua alta remuneração – que no país das incongruências supera inclusive a do Presidente da República, também cognominado o Primeiro Magistrado da Nação – havia sido atualizada há pouco, provoca alguma espécie este zelo em obter nova adequação salarial. Afinal, graças ao Plano Real e às sucessivas administrações fazendárias, a inflação é coisa do passado. Se fora retrato na parede, já estaria desbotado como aquelas velhas memórias que não estão no referencial das novas gerações.
Como percebem polpudos salários, a que se agregam tantos suplementos, para tão altos personagens conviria manter a respeito a atitude sobranceira de seus maiores, na história republicana.
Do que o jornalista Elio Gaspari nos vem chamar a atenção constitui, no entanto, questão ainda mais grave. O Presidente da Corte Suprema e o Chefe do Ministério Público, que é bom lembrar, tem aquele como honroso e sumo encargo a defesa da Carta constitucional de 5 de outubro de 1988, e este o relevante dever da fiscalia-mor – um dos pontos mais salientes da Constituição Cidadã. Carecem, portanto, de repensar essa iniciativa.
Senão vejamos. Do prisma da ordenação dos poderes, cabe ao Legislativo considerar e aprovar as remunerações dos funcionários, altos e baixos, dos três Poderes, inclusive do Presidente da República. Esta é norma corriqueira em direito constitucional. A Constituição Americana, com o seu sistema dos checks and balances, a consagra, e não creio que haja país civilizado que, no delicado campo da remuneração, opte por outro caminho. No fim de contas, vivemos em regime republicano, em que, por definição, o Povo é soberano. E com todos os seus defeitos, não há Poder que mais dependa e se relacione com o Povo do que o Legislativo.
O corporativismo, este egoismo de classe, será sempre pernicioso, na medida em que se aliena da população em geral, e não mais reflete os anseios da comunidade. Entre esses desejos, haverá maior do que a igualdade perante a lei ?
Antes de passarmos a outro domínio, convém frisar que a norma de que os estipêndios dos magistrados sejam determinados pelo Legislativo não corresponde apenas ao bom senso, mas também à experiência histórica. Se se transferir para o próprio Judiciário a competência de legislar sobre o respectivo salário, estaremos introduzindo uma hidra de ascendência polonesa no nosso ordenamento constitucional. Desejamos, entre outras coisas, ao promover esta anomia, reintroduzir pela porta dos fundos o monstro da inflação, com a sua farra de indexações ?
E que não se esqueça que os aumentos salariais dos ministros do Supremo estão no topo de uma cascata infindável, que vai percorrer toda a escala do Poder Judiciário, com as previsíveis consequências.
Do alto devem vir os bons exemplos. Hoje em dia persistem muitos reclamos contra a morosidade e a excessiva burocracia no Judiciário. Se por vezes assistimos a céleres intervenções, essa aparente rapidez não concerne, em geral, ao cidadão comum. É sabido que muitas procrastinações se devem aos códigos processuais obsoletos, adrede utilizados por hábeis advogados para estender muito além do que caberia ações que mereceriam terminar em prazos razoáveis, para que, por meio de uma demora despropositada, contrariem ao próprio objetivo maior da Justiça. É de augurar-se que se possa em breve dispor de novos códigos, para pôr fim a tais abusos.
Por falar em aplicação da Justiça – e respeito à Constituição – que me seja facultado, à maneira de Catão, que a inaceitável censura ao Estado de São Paulo, estabelecida há mais de ano, seja tornada írrita sem mais demora.
Senhor Presidente Cezar Peluso e Senhor Procurador-Geral da República Roberto Gurgel,
a bem da boa norma constitucional, venho mui respeitosamente encarecer-lhes se dignem reconsiderar a iniciativa do projeto encaminhado ao Congresso, em que solicitam lhes seja transferida a tarefa de fixar os vencimentos dos servidores sob suas jurisdições.
Em assim procedendo, Vossas Excelências cresceriam no respeito da Nação brasileira.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
Como Elio Gaspari nos informa, “o presidente do Supremo Tribunal Federal,Cezar Peluso, e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encaminharam ao Congresso projetos de lei que lhes transferem a tarefa de fixar os vencimentos dos servidores sob suas jurisdições. Atualmente, os reajustes salariais do Supremo e do Ministério Público dependem de aprovação do Congresso, como ocorre com o Orçamento da União.”
Mesmo nos tempos que correm, em que o egoismo corporativista sói ser a regra - a ponto de haver induzido no passado os juízes a entrarem em greve e a deputados declararem que se lixam para a opinião pública – há de convir-se que não é todo dia que se depara com disposição de tal gênero, decidida aparentemente em concerto, respectivamente, pelo atuais chefes de nossa Corte Suprema e de nosso Ministério Público, que ocupam as suas altas funções há relativamente pouco tempo.
A alvitrada providência, sob inúmeras facetas, algumas delas constrangedoras,
não é sensata, nem conforme o ordenamento constitucional, nem tampouco é adequada.
Constrange, de início, que tal medida, tão manifestamente pro domo sua, seja solicitada de um Congresso com a legislatura em fim de mandato. Não é decerto o momento de considerar seja ela de conformidade ao mandamento constitucional, seja da sua conveniência política, administrativa e financeira.
Não há muito se tomou ciência de que os Ministros do Supremo reivindicam nova atualização salarial. Como a sua alta remuneração – que no país das incongruências supera inclusive a do Presidente da República, também cognominado o Primeiro Magistrado da Nação – havia sido atualizada há pouco, provoca alguma espécie este zelo em obter nova adequação salarial. Afinal, graças ao Plano Real e às sucessivas administrações fazendárias, a inflação é coisa do passado. Se fora retrato na parede, já estaria desbotado como aquelas velhas memórias que não estão no referencial das novas gerações.
Como percebem polpudos salários, a que se agregam tantos suplementos, para tão altos personagens conviria manter a respeito a atitude sobranceira de seus maiores, na história republicana.
Do que o jornalista Elio Gaspari nos vem chamar a atenção constitui, no entanto, questão ainda mais grave. O Presidente da Corte Suprema e o Chefe do Ministério Público, que é bom lembrar, tem aquele como honroso e sumo encargo a defesa da Carta constitucional de 5 de outubro de 1988, e este o relevante dever da fiscalia-mor – um dos pontos mais salientes da Constituição Cidadã. Carecem, portanto, de repensar essa iniciativa.
Senão vejamos. Do prisma da ordenação dos poderes, cabe ao Legislativo considerar e aprovar as remunerações dos funcionários, altos e baixos, dos três Poderes, inclusive do Presidente da República. Esta é norma corriqueira em direito constitucional. A Constituição Americana, com o seu sistema dos checks and balances, a consagra, e não creio que haja país civilizado que, no delicado campo da remuneração, opte por outro caminho. No fim de contas, vivemos em regime republicano, em que, por definição, o Povo é soberano. E com todos os seus defeitos, não há Poder que mais dependa e se relacione com o Povo do que o Legislativo.
O corporativismo, este egoismo de classe, será sempre pernicioso, na medida em que se aliena da população em geral, e não mais reflete os anseios da comunidade. Entre esses desejos, haverá maior do que a igualdade perante a lei ?
Antes de passarmos a outro domínio, convém frisar que a norma de que os estipêndios dos magistrados sejam determinados pelo Legislativo não corresponde apenas ao bom senso, mas também à experiência histórica. Se se transferir para o próprio Judiciário a competência de legislar sobre o respectivo salário, estaremos introduzindo uma hidra de ascendência polonesa no nosso ordenamento constitucional. Desejamos, entre outras coisas, ao promover esta anomia, reintroduzir pela porta dos fundos o monstro da inflação, com a sua farra de indexações ?
E que não se esqueça que os aumentos salariais dos ministros do Supremo estão no topo de uma cascata infindável, que vai percorrer toda a escala do Poder Judiciário, com as previsíveis consequências.
Do alto devem vir os bons exemplos. Hoje em dia persistem muitos reclamos contra a morosidade e a excessiva burocracia no Judiciário. Se por vezes assistimos a céleres intervenções, essa aparente rapidez não concerne, em geral, ao cidadão comum. É sabido que muitas procrastinações se devem aos códigos processuais obsoletos, adrede utilizados por hábeis advogados para estender muito além do que caberia ações que mereceriam terminar em prazos razoáveis, para que, por meio de uma demora despropositada, contrariem ao próprio objetivo maior da Justiça. É de augurar-se que se possa em breve dispor de novos códigos, para pôr fim a tais abusos.
Por falar em aplicação da Justiça – e respeito à Constituição – que me seja facultado, à maneira de Catão, que a inaceitável censura ao Estado de São Paulo, estabelecida há mais de ano, seja tornada írrita sem mais demora.
Senhor Presidente Cezar Peluso e Senhor Procurador-Geral da República Roberto Gurgel,
a bem da boa norma constitucional, venho mui respeitosamente encarecer-lhes se dignem reconsiderar a iniciativa do projeto encaminhado ao Congresso, em que solicitam lhes seja transferida a tarefa de fixar os vencimentos dos servidores sob suas jurisdições.
Em assim procedendo, Vossas Excelências cresceriam no respeito da Nação brasileira.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
domingo, 22 de agosto de 2010
Cuba: Considerações de uma Ditadura
A revolução cubana foi vista nos seus albores como um sinal de novos tempos na América Latina. Com a guerrilha na Sierra Maestra e a queda do ditador Fulgencio Baptista, em 1º de janeiro de 1959, representou para muitos uma promessa de justiça social, econômica e política, a par de revolução diferente dos anteriores golpes de estado em que o povo representava um comparsa retórico. Antes, os pronunciamientos se faziam na verdade para que nada mudasse, exceto a carantonha do caudilho de turno, e a camarilha que o cercava.
Epitomizada por duas figuras carismáticas, Fidel Castro e Che Guevara, a própria dinâmica da revolução, com a sua crescente radicalização, a dupla face de Jano perduraria, e apenas simbolicamente, até a segunda metade dos anos sessenta. Che Guevara sobreviveria na imagem dos posters inigualáveis, com a sua personalidade mítica e romântica, o avatar da eterna promessa da revolução egualitária e generosa, mantido pela sua morte prematura, exposta em esquálido casebre, selando na sua eterna juventude a aliança perene com gerações sucessivas de jovens empenhados em criar uma sociedade justa.
Para o Comandante Máximo restou a dádiva ambígua das Parcas de sobreviver a ataques anônimos de assassinos mercenários, e levar avante, na progressão nunca monótona das décadas, tanto a mística de uma mensagem revolucionária para o Continente, quanto a faina diuturna de navegar por mares sempre cambiantes, seja pelas curtas bonanças, seja pelos contínuos desafios que soem visitar os caudilhos longevos.
Permanente apenas a cercania da superpotência e o seu embargo. No limiar dos noventa, Cuba arrosta o impensável. A União Soviética, que, com o seu sufocante abraço, permitira ao regime a própria sobrevivência, ora se desfaz, em episódio inaudito. Com enorme sacrifício, Fidel e o povo cubano venceriam a provação.
Para tanto, o outrora orgulhoso Lider Máximo teve de beber do cálice amargo das concessões e dos recuos. Recebeu, inclusive, ansioso e compungido a visita do Sumo Pontífice João Paulo II, o Papa Wojtyla que, por sua liderança e exemplo, vencera o embate com o comunismo ateu da Europa do Leste.
Para envelhecer no poder, Fidel terá perdido anéis, mas nas suas concessões privilegiou o acessório sobre a essência. Por isso, o jovem revolucionário da Sierra Maestra tornou-se o gerontocrata de um esquema de mando, que se não mais empolga o jovem, nas suas fossilizadas estruturas se vai assemelhando sempre mais a todas as ditaduras no seu medo do novo e do alternativo. Por isso, os velhos gerarcas, como Muammar al-Gaddafi, Kim Jong-il e o próprio Fidel, ora encarnado pelo irmão Raul, são patéticos elementais que o tempo, com sua chã crueldade, destruíu.
Existem aqueles que ainda os visitam e elogiam. Sem falar do proto-ditador Hugo Chávez, que financia a penúria da ilha com os minguantes recursos da monocultura petrolífera, e se prodiga em louvaminhas e beija-mãos, há outros, como o Presidente Rafael Correa, do Equador, que não trepida em falar-nos do “orgulho latino-americano”que ele sente ao assistir à permanente revolução cubana, a qual “assegurou o restabelecimento dos direitos humanos para todos os homens e mulheres de Cuba”.
Em momento infeliz, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu acólito assessor para assuntos latino-americanos, foi prestar sua homenagem ao líder convalescente e a seu irmão Raul. Enquanto morria em alguma enxovia o dissidente herói Orlando Zapata Tamayo, em greve de fome de protesto, Lula perdeu na ocasião duas preciosas oportunidades: não estar na companhia dos tiranos e não ter falado as constrangedoras sandices de que sua língua, inculta e solta, muitas vezes envergonha o homem brasileiro.
Cuba é hoje objeto de maravilha às avessas. Os anos impiedosos ensinaram aos irmãos Castro como sobreviver enquanto regime. Não podem jactar-se sozinhos dessa obra inglória. Os fautores do embargo, com a sua cega exação, tem direito a reivindicar a sua parte. Mas não se pode esquecer que o embargo tem sido aliado perverso do Comandante e do chefe atual. Muitas ignomínias e muitas injustiças encontram arrimo nessa infernal criatura, que, como gigantesca serpente, tolhe os movimentos e estiola tantas atividades na ilha caribenha.
A organização não-governamental Human Rights Watch logrou percorreu desapercebida Havana e suas províncias. Encontrou gente amedrontada e gente corajosa. Na indigência em que vive o povo cubano, cercado pelos alcaguetes dos ubiquos comitês de vizinhança, ou até, se preciso for, pela violência dos oi polloi [1] a apedrejar-lhes as moradas, se porventura suspeitos de conluios democráticos.
No presente, o regime de Raul Castro tenta obter maiores facilidades comerciais através do afrouxamento do embargo da União Europeia, aplicado para forçar uma abertura democrática, inda que modesta, do governo comunista. Seguindo o exemplo de Fidel, o irmão mais moço confia na mágica do tokenismo. Em outras palavras, são concessões pontuais[2] e marginais. Quer colher vantagens comerciais com medidas simbólicas que o ministro da Czarina Catarina II, o príncipe Poniatowski – que deu à posteridade a falsa prosperidade das chamadas Vilas Poniatowski – decerto aprovaria.
Não sou contra a recente negociação entabulada pela Igreja, com o apoio do governo Zapatero, na Espanha, de que pode resultar a libertação de 52 dissidentes cubanos (até agora foram libertos e mandados para a Espanha 23 presos políticos). Toda a minoração do sofrimento injusto, se é digna de encômio, não deve ser confundida com a panaceia, em que os diarcas cubanos gostariam de transformá-la. Assim como a caridade não resolve o problema da pobreza e a má-distribuiçãao da riqueza, de igual modo esse conta-gotas liberatório, se motivar uma abertura desmedida nos controles da União Europeia, logrará apenas o que almejam os ditadores: exportar sem peias, enquanto mantêm cheias as respectivas masmorras.
A descrição dos procedimentos da ditadura comunista exigiria um espaço que, se lhe ressaltaria a magnitude e a capilaridade dos instrumentos utilizados pelo regime, não se coadunaria com os parâmetros deste artigo.
Limito-me, por conseguinte, a alguns tópicos da matéria “Os heróis de Cuba”, publicada por The New York Review of Books [3]. A internet praticamente não existe em Cuba. A famosa blogueira Yoani Sánchez é quase desconhecida na sua terra, porque o cubano do povo, que não tem acesso à internet, nunca ouviu falar dela, apesar de ter sido designada no estrangeiro como uma das cem pessoas mais influentes no mundo.
Ao assumir do irmão enfermo, em junho de 2006, as rédeas do poder, Raul Castro dera esperanças de que poderia haver uma perestroika na ilha. Dessarte, o novo líder patrocinou foros públicos supostamente destinados a encorajar a crítica a políticas do governo [4]. De forma ainda mais animadora, Raul Castro assinou dois tratados internacionais sobre direitos humanos. Essa suposta primavera cubana não levou a nada, pois o regime, apesar dos foros, permaneceu fechado, e os dois tratados, posto que assinados, nunca foram ratificados.
Importa, outrossim, assinalar que os dissidentes são amiúde referidos como se fossem um grupo uno e coordenado. Tal não corresponde à realidade. A comunidade dissidente é assim cognominada por atividades desconectadas e fragmentárias. Assim, um dissidente pode ser alguém que escreve artigos críticos do governo, ou que tenta formar um sindicato independente, ou simplesmente se recusa a participar de reuniões de um comitê revolucionário local. Na sua variedade e falta de qualquer coordenação, a única abrangência que possuem é o fato de serem carimbados como contra-revolucionários.
A legislação cubana tem no seu código penal artigo – que parece ter saído do 1984, de George Orwell – sobre a periculosidade. A acusação de periculosidade é a arma invejável da ditadura mais opressiva: permite, assim, às autoridades trancafiar em seus cárceres indivíduos antes que eles tenham cometido qualquer crime. Basta a suspeita de que eles possam perpetrar o ato em um futuro imprecisado. Mas o conceito é realmente admirável na sua conveniente adaptabilidade para o funcionário repressor, eis que atividades alegadamente perigosas incluem o não-comparecimento a comícios e reuniões pró-governo. Também é motivo de suspicácia legal o fato de não integrar as organizações oficiais do Partido, ou até a circunstância de achar-se desempregado.
É importante assinalar que o conceito polivalente de periculosidade não é limitativo em termos de duração de pena. Por ter escrito artigos para sites estrangeiros na internet Raymundo Perdigón Brito foi condenado a quatro anos, por causa dessa extrema periculosidade,ser articulista. Outro homem, igualmente sentenciado por quatro anos pela tal ‘periculosidade’ (tentara distribuir cópias da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao público em 2006), enquanto preso, intentou celebrar no cárcere o Dia Internacional dos Direitos Humanos – dez de Dezembro. A sua leitura foi interrompida por um guarda, que mandou que engolisse o papel. Como se recusou, levou uma surra, foi jogado em solitária por várias semanas, e, ao fim e ao cabo, sentenciado em procedimento secreto a mais seis de prisão, por desacato à autoridade.
Diante de tanta crueldade, de tantas sevícias, dessa exaltação excessiva do amálgama de burrice e boçalidade, além de toda a repulsa que a descrição pormenorizada de todos esses abusos – que põem no chinelo as práticas da famigerada prisão de Abu Graib no Iraque - a única impressão que volta, renitente e impertinente à minha mente, é a de buscar entender como o companheiro Lula e seu acólito podem se sentir camaradamente e risonhamente à vontade na companhia desses ditadores.
( Fonte: The New York Review of Books )
[1] os muitos.
[2] token significa ponto.
[3] The New York Review, número de 27/05/2010.
[4] O que é estranhamente reminiscente da campanha de Mao das Cem Flores, em que o líder chinês semelhava encorajar a formulação de outras ideias políticas diante das oficiais.
Epitomizada por duas figuras carismáticas, Fidel Castro e Che Guevara, a própria dinâmica da revolução, com a sua crescente radicalização, a dupla face de Jano perduraria, e apenas simbolicamente, até a segunda metade dos anos sessenta. Che Guevara sobreviveria na imagem dos posters inigualáveis, com a sua personalidade mítica e romântica, o avatar da eterna promessa da revolução egualitária e generosa, mantido pela sua morte prematura, exposta em esquálido casebre, selando na sua eterna juventude a aliança perene com gerações sucessivas de jovens empenhados em criar uma sociedade justa.
Para o Comandante Máximo restou a dádiva ambígua das Parcas de sobreviver a ataques anônimos de assassinos mercenários, e levar avante, na progressão nunca monótona das décadas, tanto a mística de uma mensagem revolucionária para o Continente, quanto a faina diuturna de navegar por mares sempre cambiantes, seja pelas curtas bonanças, seja pelos contínuos desafios que soem visitar os caudilhos longevos.
Permanente apenas a cercania da superpotência e o seu embargo. No limiar dos noventa, Cuba arrosta o impensável. A União Soviética, que, com o seu sufocante abraço, permitira ao regime a própria sobrevivência, ora se desfaz, em episódio inaudito. Com enorme sacrifício, Fidel e o povo cubano venceriam a provação.
Para tanto, o outrora orgulhoso Lider Máximo teve de beber do cálice amargo das concessões e dos recuos. Recebeu, inclusive, ansioso e compungido a visita do Sumo Pontífice João Paulo II, o Papa Wojtyla que, por sua liderança e exemplo, vencera o embate com o comunismo ateu da Europa do Leste.
Para envelhecer no poder, Fidel terá perdido anéis, mas nas suas concessões privilegiou o acessório sobre a essência. Por isso, o jovem revolucionário da Sierra Maestra tornou-se o gerontocrata de um esquema de mando, que se não mais empolga o jovem, nas suas fossilizadas estruturas se vai assemelhando sempre mais a todas as ditaduras no seu medo do novo e do alternativo. Por isso, os velhos gerarcas, como Muammar al-Gaddafi, Kim Jong-il e o próprio Fidel, ora encarnado pelo irmão Raul, são patéticos elementais que o tempo, com sua chã crueldade, destruíu.
Existem aqueles que ainda os visitam e elogiam. Sem falar do proto-ditador Hugo Chávez, que financia a penúria da ilha com os minguantes recursos da monocultura petrolífera, e se prodiga em louvaminhas e beija-mãos, há outros, como o Presidente Rafael Correa, do Equador, que não trepida em falar-nos do “orgulho latino-americano”que ele sente ao assistir à permanente revolução cubana, a qual “assegurou o restabelecimento dos direitos humanos para todos os homens e mulheres de Cuba”.
Em momento infeliz, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu acólito assessor para assuntos latino-americanos, foi prestar sua homenagem ao líder convalescente e a seu irmão Raul. Enquanto morria em alguma enxovia o dissidente herói Orlando Zapata Tamayo, em greve de fome de protesto, Lula perdeu na ocasião duas preciosas oportunidades: não estar na companhia dos tiranos e não ter falado as constrangedoras sandices de que sua língua, inculta e solta, muitas vezes envergonha o homem brasileiro.
Cuba é hoje objeto de maravilha às avessas. Os anos impiedosos ensinaram aos irmãos Castro como sobreviver enquanto regime. Não podem jactar-se sozinhos dessa obra inglória. Os fautores do embargo, com a sua cega exação, tem direito a reivindicar a sua parte. Mas não se pode esquecer que o embargo tem sido aliado perverso do Comandante e do chefe atual. Muitas ignomínias e muitas injustiças encontram arrimo nessa infernal criatura, que, como gigantesca serpente, tolhe os movimentos e estiola tantas atividades na ilha caribenha.
A organização não-governamental Human Rights Watch logrou percorreu desapercebida Havana e suas províncias. Encontrou gente amedrontada e gente corajosa. Na indigência em que vive o povo cubano, cercado pelos alcaguetes dos ubiquos comitês de vizinhança, ou até, se preciso for, pela violência dos oi polloi [1] a apedrejar-lhes as moradas, se porventura suspeitos de conluios democráticos.
No presente, o regime de Raul Castro tenta obter maiores facilidades comerciais através do afrouxamento do embargo da União Europeia, aplicado para forçar uma abertura democrática, inda que modesta, do governo comunista. Seguindo o exemplo de Fidel, o irmão mais moço confia na mágica do tokenismo. Em outras palavras, são concessões pontuais[2] e marginais. Quer colher vantagens comerciais com medidas simbólicas que o ministro da Czarina Catarina II, o príncipe Poniatowski – que deu à posteridade a falsa prosperidade das chamadas Vilas Poniatowski – decerto aprovaria.
Não sou contra a recente negociação entabulada pela Igreja, com o apoio do governo Zapatero, na Espanha, de que pode resultar a libertação de 52 dissidentes cubanos (até agora foram libertos e mandados para a Espanha 23 presos políticos). Toda a minoração do sofrimento injusto, se é digna de encômio, não deve ser confundida com a panaceia, em que os diarcas cubanos gostariam de transformá-la. Assim como a caridade não resolve o problema da pobreza e a má-distribuiçãao da riqueza, de igual modo esse conta-gotas liberatório, se motivar uma abertura desmedida nos controles da União Europeia, logrará apenas o que almejam os ditadores: exportar sem peias, enquanto mantêm cheias as respectivas masmorras.
A descrição dos procedimentos da ditadura comunista exigiria um espaço que, se lhe ressaltaria a magnitude e a capilaridade dos instrumentos utilizados pelo regime, não se coadunaria com os parâmetros deste artigo.
Limito-me, por conseguinte, a alguns tópicos da matéria “Os heróis de Cuba”, publicada por The New York Review of Books [3]. A internet praticamente não existe em Cuba. A famosa blogueira Yoani Sánchez é quase desconhecida na sua terra, porque o cubano do povo, que não tem acesso à internet, nunca ouviu falar dela, apesar de ter sido designada no estrangeiro como uma das cem pessoas mais influentes no mundo.
Ao assumir do irmão enfermo, em junho de 2006, as rédeas do poder, Raul Castro dera esperanças de que poderia haver uma perestroika na ilha. Dessarte, o novo líder patrocinou foros públicos supostamente destinados a encorajar a crítica a políticas do governo [4]. De forma ainda mais animadora, Raul Castro assinou dois tratados internacionais sobre direitos humanos. Essa suposta primavera cubana não levou a nada, pois o regime, apesar dos foros, permaneceu fechado, e os dois tratados, posto que assinados, nunca foram ratificados.
Importa, outrossim, assinalar que os dissidentes são amiúde referidos como se fossem um grupo uno e coordenado. Tal não corresponde à realidade. A comunidade dissidente é assim cognominada por atividades desconectadas e fragmentárias. Assim, um dissidente pode ser alguém que escreve artigos críticos do governo, ou que tenta formar um sindicato independente, ou simplesmente se recusa a participar de reuniões de um comitê revolucionário local. Na sua variedade e falta de qualquer coordenação, a única abrangência que possuem é o fato de serem carimbados como contra-revolucionários.
A legislação cubana tem no seu código penal artigo – que parece ter saído do 1984, de George Orwell – sobre a periculosidade. A acusação de periculosidade é a arma invejável da ditadura mais opressiva: permite, assim, às autoridades trancafiar em seus cárceres indivíduos antes que eles tenham cometido qualquer crime. Basta a suspeita de que eles possam perpetrar o ato em um futuro imprecisado. Mas o conceito é realmente admirável na sua conveniente adaptabilidade para o funcionário repressor, eis que atividades alegadamente perigosas incluem o não-comparecimento a comícios e reuniões pró-governo. Também é motivo de suspicácia legal o fato de não integrar as organizações oficiais do Partido, ou até a circunstância de achar-se desempregado.
É importante assinalar que o conceito polivalente de periculosidade não é limitativo em termos de duração de pena. Por ter escrito artigos para sites estrangeiros na internet Raymundo Perdigón Brito foi condenado a quatro anos, por causa dessa extrema periculosidade,ser articulista. Outro homem, igualmente sentenciado por quatro anos pela tal ‘periculosidade’ (tentara distribuir cópias da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao público em 2006), enquanto preso, intentou celebrar no cárcere o Dia Internacional dos Direitos Humanos – dez de Dezembro. A sua leitura foi interrompida por um guarda, que mandou que engolisse o papel. Como se recusou, levou uma surra, foi jogado em solitária por várias semanas, e, ao fim e ao cabo, sentenciado em procedimento secreto a mais seis de prisão, por desacato à autoridade.
Diante de tanta crueldade, de tantas sevícias, dessa exaltação excessiva do amálgama de burrice e boçalidade, além de toda a repulsa que a descrição pormenorizada de todos esses abusos – que põem no chinelo as práticas da famigerada prisão de Abu Graib no Iraque - a única impressão que volta, renitente e impertinente à minha mente, é a de buscar entender como o companheiro Lula e seu acólito podem se sentir camaradamente e risonhamente à vontade na companhia desses ditadores.
( Fonte: The New York Review of Books )
[1] os muitos.
[2] token significa ponto.
[3] The New York Review, número de 27/05/2010.
[4] O que é estranhamente reminiscente da campanha de Mao das Cem Flores, em que o líder chinês semelhava encorajar a formulação de outras ideias políticas diante das oficiais.
sábado, 21 de agosto de 2010
A Crise da Candidatura Serra
Com o cintilante fragor do relâmpago, a pesquisa Datafolha hoje divulgada pela Folha de S.Paulo anuncia o começo tonitruante e avassalador da derradeira fase da campanha. Depois de apenas três dias do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, lança para as alturas a progressão de Dilma Rousseff e assesta duríssimo golpe na postulação de José Serra. Em longínquo terceiro lugar, a candidata Marina Silva continua a patinar na própria aparente irrelevância.
Dilma Rousseff, com os seus 47%, já se elegeria no primeiro turno. José Serra, depois da longa jornada em que liderou as pesquisas, como aqueles esfuziantes corcéis que fraquejam ao entremostrar-se na reta final a meta, agarra-se a meros 30% dos sufrágios. Já Marina Silva é a única que não discrepa do passado, continuando a seguir em monótona andadura de 9%.
Estariam então decididos os comícios de três de outubro ? Mesmo na terra do já ganhou, se afigura arriscado que alguém se aventure a proclamar o triunfo de Dilma com sete semanas de antecedência. Não obstante, batalha muito importante foi vencida. Além do significado de Dilma Rousseff vencer em três regiões do Brasil e estar praticamente empatada no Sul, um desenvolvimento dessa ordem e em fase tão incipiente da campanha oficial, tem um efeito multiplicador respeitável.
O único tópico em que houve avanço de Serra – o da pesquisa espontânea – o acréscimo foi de somente um ponto (de 16% para 17%), enquanto Dilma aumentou de 26% para 31%. Por outra parte, esse dado desvela que o núcleo duro dos partidários do tucano apresentou mínima alteração, que não há de refletir-se no cômputo agregado daqueles que contam sufragá-lo no primeiro turno.
A intenção de voto por região assim se decompõe: Sudeste – Dilma (42%) e Serra (33%); Sul – Dilma (38%) e Serra (40%); Nordeste – Dilma (60%) e Serra 22%); e Norte/Centro-Oeste – Dilma (50%) e Serra (27%). Dilma cresceu em todas as regiões (5% no Sudeste; 4% no Sul; 11% no Nordeste; e 7% no Norte/Centro Oeste). Por sua vez, Serra caíu em todo o país: (2% no Sudeste; 1% no Sul, onde ainda lidera; 3% no Nordeste; e 6% no Norte/Centro Oeste.
É interessante notar que a terceira colocada, Marina Silva cresceu em duas regiões, 2% no Sul e 1% no Norte/Centro Oeste. Já no Sudeste e no Nordeste, ela caíu em 3%.
Também na estratificação por gênero, os resultados são favoráveis a Dilma: ela consolida a sua vantagem no voto masculino, passando de 47% a 52%, e passa à frente no feminino, de 35% a 43%. Serra, por outro lado, cai 1% no voto masculino e quatro por cento no feminino.
No momento presente, os sinos tocam em dobre pela morte anunciada da candidatura de José Serra. Na imprensa, os primeiros comentários apontam para as evidências de uma eleição cujo destino já está selado, a par de uma verdadeira avalanche a três de outubro, com resultados que tendem a reverberar em muitos outros candidatos da sigla tucana e/ou da oposição a Lula/Dilma.
A discórdia e a cacofonia são velhas características de postulações que fazem água. Que dizer então daquelas que soçobram de forma assustadora ? Os tucanos nunca se assinalaram pela união. A própria chapa de Serra sofreu o desgaste da negativa de Aécio Neves, que acreditou ter a argúcia do avô ao não atender ao apelo da cúpula do PSDB, enquanto pensava haver-se melhor no bloco eu-sozinho, com cliente provinciano. Ao julgar cuidar dos próprios interesses, poderá estar reeditando a sorte reservada ao abraço dos afogados, como observou colunista da Folha.
Não é de estranhar que os aliados do PSDB sofram da comichão irresistível da traição. Antes mesmo da débacle desta pesquisa, já se falava sobre cristianizações várias. Se terá sido Benedito Valladares o prógono dessa punhalada pelo voto – que elegeu em 1950 Getúlio Vargas com folga sobre o nominal candidato do PSD, Cristiano Machado – a prática é hoje bem mais desenvolta e sequer semelha ter vergonha do próprio desrespeito à palavra e ao compromisso assinado.
Se José Serra continuar na sua linha esquizofrênica – procurando dissociar a criatura do criador, e ao mesmo tempo tentando pateticamente associar-se à própria nêmesis, como que afirma eis Lula, de quem sou, apesar de tudo, amigo, amigo sim, apesar de que ele seja também o meu inimigo ! – não há dúvida de que a sorte esteja selada.
A coerência é fundamental em qualquer candidato. Até o presente, Serra, com todo o seu passado e toda a sua fé de ofício, não é mais do que uma sombra. Prolonga na campanha presente a medíocre postura de seu partido, que por oito anos teve pejo de fazer oposição. Se não há uma linha alternativa de governo que seja crível e tenha personalidade própria, a sapiência do eleitor há de ignorar os pálidos matizes e agarrar a realidade de uma presença que paira nos 75% das preferências.
Sem embargo, a frase de Magalhães Pinto – como na mineração, na eleição só depois da apuração – deveria ser tomada a sério por José Serra. Decerto que ele enfrenta agora a sua maior crise. Todavia, se tiver presente o sentido primeiro desta palavra – que nos vem do grego krisis – que implica em escolha, ele carece, nesta vigésima quinta hora de coragem, confiança e clarividência. Tais ocasiões, por separarem o joio do trigo, tem a sua recôndita utilidade. Se ele souber empolgar o momento, livrar-se dos disfarces e dos penduricalhos inúteis, e assumir a própria identidade – que o trouxe até esta soleira – quem sabe não logre ser ouvido e mostrar ao eleitor, esta criatura tão volúvel e impressionável, por que ele mereceria receber o seu voto de confiança.
( Fonte: Folha de S.Paulo )
Dilma Rousseff, com os seus 47%, já se elegeria no primeiro turno. José Serra, depois da longa jornada em que liderou as pesquisas, como aqueles esfuziantes corcéis que fraquejam ao entremostrar-se na reta final a meta, agarra-se a meros 30% dos sufrágios. Já Marina Silva é a única que não discrepa do passado, continuando a seguir em monótona andadura de 9%.
Estariam então decididos os comícios de três de outubro ? Mesmo na terra do já ganhou, se afigura arriscado que alguém se aventure a proclamar o triunfo de Dilma com sete semanas de antecedência. Não obstante, batalha muito importante foi vencida. Além do significado de Dilma Rousseff vencer em três regiões do Brasil e estar praticamente empatada no Sul, um desenvolvimento dessa ordem e em fase tão incipiente da campanha oficial, tem um efeito multiplicador respeitável.
O único tópico em que houve avanço de Serra – o da pesquisa espontânea – o acréscimo foi de somente um ponto (de 16% para 17%), enquanto Dilma aumentou de 26% para 31%. Por outra parte, esse dado desvela que o núcleo duro dos partidários do tucano apresentou mínima alteração, que não há de refletir-se no cômputo agregado daqueles que contam sufragá-lo no primeiro turno.
A intenção de voto por região assim se decompõe: Sudeste – Dilma (42%) e Serra (33%); Sul – Dilma (38%) e Serra (40%); Nordeste – Dilma (60%) e Serra 22%); e Norte/Centro-Oeste – Dilma (50%) e Serra (27%). Dilma cresceu em todas as regiões (5% no Sudeste; 4% no Sul; 11% no Nordeste; e 7% no Norte/Centro Oeste). Por sua vez, Serra caíu em todo o país: (2% no Sudeste; 1% no Sul, onde ainda lidera; 3% no Nordeste; e 6% no Norte/Centro Oeste.
É interessante notar que a terceira colocada, Marina Silva cresceu em duas regiões, 2% no Sul e 1% no Norte/Centro Oeste. Já no Sudeste e no Nordeste, ela caíu em 3%.
Também na estratificação por gênero, os resultados são favoráveis a Dilma: ela consolida a sua vantagem no voto masculino, passando de 47% a 52%, e passa à frente no feminino, de 35% a 43%. Serra, por outro lado, cai 1% no voto masculino e quatro por cento no feminino.
No momento presente, os sinos tocam em dobre pela morte anunciada da candidatura de José Serra. Na imprensa, os primeiros comentários apontam para as evidências de uma eleição cujo destino já está selado, a par de uma verdadeira avalanche a três de outubro, com resultados que tendem a reverberar em muitos outros candidatos da sigla tucana e/ou da oposição a Lula/Dilma.
A discórdia e a cacofonia são velhas características de postulações que fazem água. Que dizer então daquelas que soçobram de forma assustadora ? Os tucanos nunca se assinalaram pela união. A própria chapa de Serra sofreu o desgaste da negativa de Aécio Neves, que acreditou ter a argúcia do avô ao não atender ao apelo da cúpula do PSDB, enquanto pensava haver-se melhor no bloco eu-sozinho, com cliente provinciano. Ao julgar cuidar dos próprios interesses, poderá estar reeditando a sorte reservada ao abraço dos afogados, como observou colunista da Folha.
Não é de estranhar que os aliados do PSDB sofram da comichão irresistível da traição. Antes mesmo da débacle desta pesquisa, já se falava sobre cristianizações várias. Se terá sido Benedito Valladares o prógono dessa punhalada pelo voto – que elegeu em 1950 Getúlio Vargas com folga sobre o nominal candidato do PSD, Cristiano Machado – a prática é hoje bem mais desenvolta e sequer semelha ter vergonha do próprio desrespeito à palavra e ao compromisso assinado.
Se José Serra continuar na sua linha esquizofrênica – procurando dissociar a criatura do criador, e ao mesmo tempo tentando pateticamente associar-se à própria nêmesis, como que afirma eis Lula, de quem sou, apesar de tudo, amigo, amigo sim, apesar de que ele seja também o meu inimigo ! – não há dúvida de que a sorte esteja selada.
A coerência é fundamental em qualquer candidato. Até o presente, Serra, com todo o seu passado e toda a sua fé de ofício, não é mais do que uma sombra. Prolonga na campanha presente a medíocre postura de seu partido, que por oito anos teve pejo de fazer oposição. Se não há uma linha alternativa de governo que seja crível e tenha personalidade própria, a sapiência do eleitor há de ignorar os pálidos matizes e agarrar a realidade de uma presença que paira nos 75% das preferências.
Sem embargo, a frase de Magalhães Pinto – como na mineração, na eleição só depois da apuração – deveria ser tomada a sério por José Serra. Decerto que ele enfrenta agora a sua maior crise. Todavia, se tiver presente o sentido primeiro desta palavra – que nos vem do grego krisis – que implica em escolha, ele carece, nesta vigésima quinta hora de coragem, confiança e clarividência. Tais ocasiões, por separarem o joio do trigo, tem a sua recôndita utilidade. Se ele souber empolgar o momento, livrar-se dos disfarces e dos penduricalhos inúteis, e assumir a própria identidade – que o trouxe até esta soleira – quem sabe não logre ser ouvido e mostrar ao eleitor, esta criatura tão volúvel e impressionável, por que ele mereceria receber o seu voto de confiança.
( Fonte: Folha de S.Paulo )
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
CIDADE NUA IV
Um bom Partido (19)
Na penumbra o olhar passeia sobre a pele cor de jambo do colo. Admira o cálido brilho da jovem epiderme, sem outros atavios que o próprio viço a enfeitar-lhe o corpo.
Enquanto em silêncio a contempla na sua louçania, carinhoso se demora em mirá-la. A terna, atenta visão tem, por força das circunstâncias, de distribuir-se no espaço, mas tal não o impede de abandonar-se com deleite àquela particular visita aos encantos da mulher amada.
Em breves, amorosas, embevecidas incursões os seus olhos mergulham nas delicadas, quase insinuadas formas cujo aprendizado é para ele agradável e incessante sucessão de surpresas.
Sente, subreptício, o sedutor calor da excitação a percorrer-lhe o peito. Inquieto, temeroso de imprevistas consequências, busca desviar as olhadas.
Será um esforço vão, pois as quase surripiadas vistas têm atrações que mexem com ele, e o arrastam para debruçar-se em outras sempre mais fortes e cativantes.
Então o acomete o desejo não só de envolvê-la em abraços apaixonados, mas também de acariciá-la com a tentativa meiguice dos despertares.
Com sorriso que beira o tristonho, ele logra conter-se. As contingências da vida o forçam a tomar a estrada na noitinha de domingo, deixando para trás o recanto escolhido para as primeiras experiências da mútua entrega do casal. Carece de ter cuidado nas curvas do caminho. Naquela volta ao Rio tal prudência não é metafórica, embora, em certos momentos lhe seja humanamente impossível abafar e ignorar a felicidade que ali está a seu lado, e, quase imperceptivelmente, ressona tangida pelos inefáveis, inesquecíveis ímpetos de maldormidas noites de uma lua-de-mel antecipada.
* *
Na penumbra o olhar passeia sobre a pele cor de jambo do colo. Admira o cálido brilho da jovem epiderme, sem outros atavios que o próprio viço a enfeitar-lhe o corpo.
Enquanto em silêncio a contempla na sua louçania, carinhoso se demora em mirá-la. A terna, atenta visão tem, por força das circunstâncias, de distribuir-se no espaço, mas tal não o impede de abandonar-se com deleite àquela particular visita aos encantos da mulher amada.
Em breves, amorosas, embevecidas incursões os seus olhos mergulham nas delicadas, quase insinuadas formas cujo aprendizado é para ele agradável e incessante sucessão de surpresas.
Sente, subreptício, o sedutor calor da excitação a percorrer-lhe o peito. Inquieto, temeroso de imprevistas consequências, busca desviar as olhadas.
Será um esforço vão, pois as quase surripiadas vistas têm atrações que mexem com ele, e o arrastam para debruçar-se em outras sempre mais fortes e cativantes.
Então o acomete o desejo não só de envolvê-la em abraços apaixonados, mas também de acariciá-la com a tentativa meiguice dos despertares.
Com sorriso que beira o tristonho, ele logra conter-se. As contingências da vida o forçam a tomar a estrada na noitinha de domingo, deixando para trás o recanto escolhido para as primeiras experiências da mútua entrega do casal. Carece de ter cuidado nas curvas do caminho. Naquela volta ao Rio tal prudência não é metafórica, embora, em certos momentos lhe seja humanamente impossível abafar e ignorar a felicidade que ali está a seu lado, e, quase imperceptivelmente, ressona tangida pelos inefáveis, inesquecíveis ímpetos de maldormidas noites de uma lua-de-mel antecipada.
* *
A Geni da Campanha Presidencial
Depois que a pesquisa Ibope anunciara a passagem para a liderança da candidata oficial, Dilma Rousseff (PT), e, semanas mais tarde, a confirmação pelo Instituto Datafolha desta ultrapassagem, agora com oito pontos de vantagem de Dilma sobre José Serra (PSDB), e com a tantalizante perspectiva da vitória em primeiro turno, aconteceu mudança radical na atitude da mídia, em especial nos doutos colunistas, também na postura de partidos aliados, em particular nas composições estaduais.
Como o personagem de Kafka, de repente o político José Serra, se metamorfoseara em gigantesca barata. Ele, com a sua fé de ofício irreprochável, e que bisa a candidatura à Presidência da República, se descobria em incômodo avatar. Do dia para a noite se torna personagem cuja companhia muitos anteriores ardorosos correligionários ora tratam de evitar.
Estaria acaso em vias de cumprir-se o pesado vaticínio de Marco Aurélio Garcia, que lhe antevia vergonhosa derrota em primeiro e único turno pela novel campeã, Dilma Rousseff. Sim a própria Dilma, a candidata do PT, sem qualquer prévia passagem pelo crivo das eleições ? Como seu Pai político não a veria com orgulho, pelo fato de, apenas tirada da sua algibeira, ela arrebataria o cobiçado prêmio, e da primeira vez ? Como não enternecer-se se ele, o carismático sindicalista, tinha mordido a poeira da derrota em três eleições seguidas, e nas duas vezes em que arrebatara o galardão, só o lograra em segundo turno ?
O fato é que Serra desperta fortes paixões, muitas delas negativas. E o mais notável é que tais sentimentos hajam surgido por causa de suas qualidades. Senão, vejamos. O coronel baiano e senador da república Antonio Carlos Magalhães, o inabalável amigo dos poderosos de turno, tentou por todos os meios demover FHC de nomear Serra Ministro da Saúde. Tentaria por ventura impedi-lo por não julgá-lo à altura do cargo ? Não, muito pelo contrário. ACM antevia a exitosa atuação de Serra na Saúde, e por isso se empenhava, por motivos que mal se chamam políticos, de inviabilizar-lhe a nomeação !
Em outra oportunidade, José Serra colheria o ódio do clã Sarney, pela sua suposta atuação na descoberta e pública exposição dos maços de dinheiro em escritório ligado à nascente campanha pela presidência da Musa das Diretas, Roseana Sarney. Desde o velho patriarca até a sua dileta filha, José Serra seria objeto do rancor daqueles benfeitores por incontáveis lustros do próspero Maranhão.
A campanha de José Serra não tem sido uma progressão sem solavancos. Depois de prolongada tentativa de arrancar-lhe a designação partidária – que o seu mais velho correligionário tratara com simpatia e férrea paciência – Aécio Neves acabou por ceder o passo. No entanto, movido por ignotos sentimentos, negou-se a atender ao reclamo de toda a cúpula tucana, a partir do patriarca FHC. Em atitude que é difícil de ver com bons olhos, recusou formar com Serra a chamada chapa puro-sangue. Deu várias razões,em que o seu companheiro fingiu acreditar. Mas semelha árduo não entrever na motivação mais o rancor do jovem impetuoso que tudo quer e já, do que sensatas considerações que fariam jus a seu avô Tancredo Neves.
Mas voltemos ao momento presente. Estabelecida como a filha dileta de Lula e mãe do PAC, Dilma Rousseff galgou os píncaros promissores nas pesquisas tanto no Datafolha, quanto nos demais com o venerando Ibope à frente.
E mais do que um transitório dado estatístico, sua liderança surgiu para muitos como talhada no mármore ático, e não na cera volúvel dos palimpsestos. O já ganhou assumiu aquela estrondosa quase unanimidade, forjado pela certeza de um suposto movimento inercial inelutável, e pela sofreguidão das coortes de adesistas sinceros, no seu incoercível afã de assenhorear-se do título quiçá rentável de firmes partidários da primeira hora.
É verdade que na política, há alianças registradas e aquelas de ocasião, sejam movidas pela sede do ganho, sejam as pululantes na cristianização do candidato havido como perdedor. Mesmo nas descaradas traições que não temem mostrar o que são, essa inerente falta de caráter ou de coerência tudo isso pode ser encarado pelo político calejado como fazendo parte do jogo, inda que confinada aos porões da democracia.
Existe, no entanto, um outro campo que, se arremeda o que precede, não obedece aparentemente às mesmas pouco confessáveis motivações de cru e despudorado interesse. Reporto-me à grei ilustre dos chers collègues do jornalismo, e especial aos colunistas, de fama muitas vezes encanecida por longa trajetória. Na palavra dos antigos, seu comportamento suscita estranhável assombro. Quanto mais alto o candidato, mais longos podem ser os punhais dos conjurados e de sua malta de clientes e simpatizantes.
Defronte do irrefragável êxito da Mãe do PAC e herdeira do Pai Lula – sucesso que será eterno enquanto dure – irrompe nesse grupo de nomes que enfeitam as colunas dos jornalões o comovente atropelo de verberar o candidato Serra, culpado do crime capital de ser havido como o perdedor. Terá todos os defeitos e dele serão caladas todas as qualidades. Estas, porque para aqueles que se lançam com gosto contra o leão que reputam ferido de morte, não é hora de encômios.
À vencedora, todos os louros, das batatas aos elogios mais incongruentes!
A quem se proclama derrotado, a estação da caça livre, quando é hora de tirar para fora todas as ofensas, reais ou imaginárias, que tão truculenta e corajosa companhia ora se anima a lançar, como se pedras fossem, sobre a vítima da vez.
Na sua ordem, unida e desembestada, são rebanho de nomes conhecidos que se crêem confundidos em rebanho de anônimos carneiros.
É um esporte que se pratica, inda que sempre feito sob as alegações as mais fundadas e entranhadas.
É o momento deles, em que melhor se discernem os respectivos semblantes. Jogam pedras na Geni, nesse esporte nacional.
O mais engraçado será a maneira com que torpemente refarão outros caminhos se acontecer algum imprevisto e o candidato dito perdedor, por algum insondável capricho dos deuses, virar ganhador.
E a unanimidade voltará, salvo a temida memória, que só o futuro desvelará.
Como o personagem de Kafka, de repente o político José Serra, se metamorfoseara em gigantesca barata. Ele, com a sua fé de ofício irreprochável, e que bisa a candidatura à Presidência da República, se descobria em incômodo avatar. Do dia para a noite se torna personagem cuja companhia muitos anteriores ardorosos correligionários ora tratam de evitar.
Estaria acaso em vias de cumprir-se o pesado vaticínio de Marco Aurélio Garcia, que lhe antevia vergonhosa derrota em primeiro e único turno pela novel campeã, Dilma Rousseff. Sim a própria Dilma, a candidata do PT, sem qualquer prévia passagem pelo crivo das eleições ? Como seu Pai político não a veria com orgulho, pelo fato de, apenas tirada da sua algibeira, ela arrebataria o cobiçado prêmio, e da primeira vez ? Como não enternecer-se se ele, o carismático sindicalista, tinha mordido a poeira da derrota em três eleições seguidas, e nas duas vezes em que arrebatara o galardão, só o lograra em segundo turno ?
O fato é que Serra desperta fortes paixões, muitas delas negativas. E o mais notável é que tais sentimentos hajam surgido por causa de suas qualidades. Senão, vejamos. O coronel baiano e senador da república Antonio Carlos Magalhães, o inabalável amigo dos poderosos de turno, tentou por todos os meios demover FHC de nomear Serra Ministro da Saúde. Tentaria por ventura impedi-lo por não julgá-lo à altura do cargo ? Não, muito pelo contrário. ACM antevia a exitosa atuação de Serra na Saúde, e por isso se empenhava, por motivos que mal se chamam políticos, de inviabilizar-lhe a nomeação !
Em outra oportunidade, José Serra colheria o ódio do clã Sarney, pela sua suposta atuação na descoberta e pública exposição dos maços de dinheiro em escritório ligado à nascente campanha pela presidência da Musa das Diretas, Roseana Sarney. Desde o velho patriarca até a sua dileta filha, José Serra seria objeto do rancor daqueles benfeitores por incontáveis lustros do próspero Maranhão.
A campanha de José Serra não tem sido uma progressão sem solavancos. Depois de prolongada tentativa de arrancar-lhe a designação partidária – que o seu mais velho correligionário tratara com simpatia e férrea paciência – Aécio Neves acabou por ceder o passo. No entanto, movido por ignotos sentimentos, negou-se a atender ao reclamo de toda a cúpula tucana, a partir do patriarca FHC. Em atitude que é difícil de ver com bons olhos, recusou formar com Serra a chamada chapa puro-sangue. Deu várias razões,em que o seu companheiro fingiu acreditar. Mas semelha árduo não entrever na motivação mais o rancor do jovem impetuoso que tudo quer e já, do que sensatas considerações que fariam jus a seu avô Tancredo Neves.
Mas voltemos ao momento presente. Estabelecida como a filha dileta de Lula e mãe do PAC, Dilma Rousseff galgou os píncaros promissores nas pesquisas tanto no Datafolha, quanto nos demais com o venerando Ibope à frente.
E mais do que um transitório dado estatístico, sua liderança surgiu para muitos como talhada no mármore ático, e não na cera volúvel dos palimpsestos. O já ganhou assumiu aquela estrondosa quase unanimidade, forjado pela certeza de um suposto movimento inercial inelutável, e pela sofreguidão das coortes de adesistas sinceros, no seu incoercível afã de assenhorear-se do título quiçá rentável de firmes partidários da primeira hora.
É verdade que na política, há alianças registradas e aquelas de ocasião, sejam movidas pela sede do ganho, sejam as pululantes na cristianização do candidato havido como perdedor. Mesmo nas descaradas traições que não temem mostrar o que são, essa inerente falta de caráter ou de coerência tudo isso pode ser encarado pelo político calejado como fazendo parte do jogo, inda que confinada aos porões da democracia.
Existe, no entanto, um outro campo que, se arremeda o que precede, não obedece aparentemente às mesmas pouco confessáveis motivações de cru e despudorado interesse. Reporto-me à grei ilustre dos chers collègues do jornalismo, e especial aos colunistas, de fama muitas vezes encanecida por longa trajetória. Na palavra dos antigos, seu comportamento suscita estranhável assombro. Quanto mais alto o candidato, mais longos podem ser os punhais dos conjurados e de sua malta de clientes e simpatizantes.
Defronte do irrefragável êxito da Mãe do PAC e herdeira do Pai Lula – sucesso que será eterno enquanto dure – irrompe nesse grupo de nomes que enfeitam as colunas dos jornalões o comovente atropelo de verberar o candidato Serra, culpado do crime capital de ser havido como o perdedor. Terá todos os defeitos e dele serão caladas todas as qualidades. Estas, porque para aqueles que se lançam com gosto contra o leão que reputam ferido de morte, não é hora de encômios.
À vencedora, todos os louros, das batatas aos elogios mais incongruentes!
A quem se proclama derrotado, a estação da caça livre, quando é hora de tirar para fora todas as ofensas, reais ou imaginárias, que tão truculenta e corajosa companhia ora se anima a lançar, como se pedras fossem, sobre a vítima da vez.
Na sua ordem, unida e desembestada, são rebanho de nomes conhecidos que se crêem confundidos em rebanho de anônimos carneiros.
É um esporte que se pratica, inda que sempre feito sob as alegações as mais fundadas e entranhadas.
É o momento deles, em que melhor se discernem os respectivos semblantes. Jogam pedras na Geni, nesse esporte nacional.
O mais engraçado será a maneira com que torpemente refarão outros caminhos se acontecer algum imprevisto e o candidato dito perdedor, por algum insondável capricho dos deuses, virar ganhador.
E a unanimidade voltará, salvo a temida memória, que só o futuro desvelará.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
CIDADE NUA IV
Um bom Partido (18)
Entretidos no próprio convívio, nos mútuos agrados e nos encantos que ambos partilham, seja da permissividade do ambiente, seja das tácitas promessas da ocasião, deixam felizes passar o tempo.
Não será que belisquem os pratos que ordenaram, mas sentem que esse apetite não os domina. Apreciam o que comem, embora guardem um certo controle. Dão a impressão de que os encaram mais como um pretexto para a conversa, de que um fim em si mesmo.
Já o vinho o degustam com o vagar de quem se compraz com qualidade. Por isso escolheram a meia-garrafa. O excesso aqui não tem vez. Sem o ritual dos provadores, a maneira comedida de Álvaro vai ensinando à companheira das vantagens de mais larga convivência com a prática.
Terá sido de tantas prazerosas circunstâncias a causa de perderem a noção da hora. E acham graça nas desajeitadas desculpas do maître, que se vê forçado a apresentar, de iniciativa própria, ao cavalheiro a conta do jantar, para que a rubrica do hóspede libere afinal os garçons.
*
Antes de subirem para o quarto, Eudóxia quis admirar a noite. Lá fora, no entanto, o azul profundo do céu estrelado vem acompanhado do frio serrano que pede um abrigo. De longe, a cintilante mudez do firmamento. A lua estaria em outros cantos.
Assim o inesperado desconforto do relento a faz arrepiar caminho.
Álvaro a cinge com o braço. Quer, a um tempo, acalentá-la e fruir do momento. Dengosa, ela se achega ainda mais ao namorado.
“ Meu bem, mudei de ideia”, murmura em seu ouvido. “Vamos curtir o calorzinho de nosso quarto.”
Ele se diverte. Por um instante, a retém, e talvez inspirado pela sentida beleza do cenário, a envolve em abraço que a traz para junto do ímpeto de seus lábios.
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Entretidos no próprio convívio, nos mútuos agrados e nos encantos que ambos partilham, seja da permissividade do ambiente, seja das tácitas promessas da ocasião, deixam felizes passar o tempo.
Não será que belisquem os pratos que ordenaram, mas sentem que esse apetite não os domina. Apreciam o que comem, embora guardem um certo controle. Dão a impressão de que os encaram mais como um pretexto para a conversa, de que um fim em si mesmo.
Já o vinho o degustam com o vagar de quem se compraz com qualidade. Por isso escolheram a meia-garrafa. O excesso aqui não tem vez. Sem o ritual dos provadores, a maneira comedida de Álvaro vai ensinando à companheira das vantagens de mais larga convivência com a prática.
Terá sido de tantas prazerosas circunstâncias a causa de perderem a noção da hora. E acham graça nas desajeitadas desculpas do maître, que se vê forçado a apresentar, de iniciativa própria, ao cavalheiro a conta do jantar, para que a rubrica do hóspede libere afinal os garçons.
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Antes de subirem para o quarto, Eudóxia quis admirar a noite. Lá fora, no entanto, o azul profundo do céu estrelado vem acompanhado do frio serrano que pede um abrigo. De longe, a cintilante mudez do firmamento. A lua estaria em outros cantos.
Assim o inesperado desconforto do relento a faz arrepiar caminho.
Álvaro a cinge com o braço. Quer, a um tempo, acalentá-la e fruir do momento. Dengosa, ela se achega ainda mais ao namorado.
“ Meu bem, mudei de ideia”, murmura em seu ouvido. “Vamos curtir o calorzinho de nosso quarto.”
Ele se diverte. Por um instante, a retém, e talvez inspirado pela sentida beleza do cenário, a envolve em abraço que a traz para junto do ímpeto de seus lábios.
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Oposição, Caráter e Campanha Presidencial
Colocado em inferioridade pela pesquisa mais séria, a do Instituto Datafolha, o candidato José Serra do PSDB, resolveu assumir postura mais afirmativa e agressiva, buscando passar para a opinião pública postura pró-ativa e oposicionista. Se a continuidade é algo a ser perseguido – como o foi pelo próprio Lula, ao acatar a política-econômica financeira de FHC – não se deve confundi-la com falta de personalidade. A assunção de um lulismo ersatz[1] não impressiona o eleitor. Na ausência de um propósito claro de mudar o que está errado, este mesmo eleitor há de preferir a duplicata do presidente em função, e não pálida e inofensiva alternativa que sequer ousa na prática chamar-se de oposicionista.
Para que se tenha uma campanha digna de tal nome, o debate presidencial Folha/UOL terá contribuído para ensejar escolha mais clara e determinante, através da apresentação ao público de propostas críveis e originais.
O debate não foi modorrento, nem falto de emoção. Serra chamou Dilma de “ingrata”, quando declarou: “Você tem fixação no passado, no Fernando Henrique Cardoso.. Você é ingrata com o Itamar e com FHC, porque eles fizeram o Plano Real,a Lei da Responsabilidade Fiscal,o Fundef.”
José Serra disse também que Dilma copiara sua proposta de implantação do Ambulatório Médico Especializado (AMES), insinuando que o PT deixava o trabalho sujo a cargo de sindicalistas. E mais uma vez, lançou dúvidas sobre a competência de Dilma Rousseff. “Esse negócio de DEM parece brincadeira. Você também não está preocupada, Aí, algum assessor te deu isso e você vem querer criar dificuldade.”
Já no segundo bloco do debate, Serra disse que, após o vazamento da prova e de dados, o Enem estava “desmoralizado”.
Sem responder na substância, Dilma optou por afirmar que acha “um absurdo um candidato à Presidência vir aqui dizer que o Enem está desmoralizado.”
Como a candidata oficial repetisse que uma lei impedia investimento em saneamento sem que houvesse custeio de Estados e municípios, Serra não vacilou em replicar que ela divulgava uma “mentira”. E valendo-se do termo vazamento, ele voltou à carga: “Vocês quebraram o sigilo bancário de um vice-presidente do PSDB (Eduardo Jorge Caldas Pereira). Você disse que não tinha acontecido, chegou até ameaçar a processar e depois isso aconteceu.”
A evolução do debate levou Dilma a despojar-se da calma, quando o assunto foi carga tributária em contraposição à falta de investimentos em saneamento. Taxou os números de Serra de antigos, de 2008. Evitando olhar para o adversário, tentou ironizar : “É bom atualizar o número para saber se de fato essa afirmação tem consistência.” Em resposta, o candidato tucano disse que ela estava desinformada sobre o que acontecia no próprio governo: “PIS/Cofins sobre saneamento aumentou de 3% para 7,6%. Isso foi feito no seu governo, e com você, segundo se diz, coordenando o governo.”
Dilma chegou a pedir direito de resposta, diante da assertiva de Serra que o governo era marcado por um “troca-troca desavergonhado”. A direção do debate não a atendeu.
Quanto à terceira candidata, talvez induzida pelos assessores, resolveu liberar-se da sua isenção anterior. Resolveu entrar para o que parecia uma linha auxiliar de Dilma Rousseff. Especulou-se que a sua postura oportunista se devia por julgar que só teria chances de crescer às custas de Serra. Foi o que disse alto um petista: “Isso é efeito da pesquisa; ela só vê chance de crescer em cima do Serra.” Dada a sua patética e linear permanência nos dez por cento de preferência, tal opção oportunista, se esquecida a sua motivação de sair do PT, pode ser até inteligível, dentro do atual ambiente político.
É esse ambiente algo mefítico que não deve ser tratado como um cenário irrelevante e não merecedor da necessária exposição e condenação. É preciso não esquecer que os comportamentos sectários ora prevalentes não são inevitáveis, nem inextirpáveis. Miriam Leitão em sua coluna de ontem nos diz: “O Brasil perderá esta eleição, independentemente de quem vença, se ficarem consagrados comportamentos desviantes assustadoramente presentes na política brasileira. Uso de um fundo de pensão para construir falsas acusações contra adversários, funcionários da Receita acessando dados protegidos por sigilo, centrais de dossiês montados por pessoas próximas ao presidente.”
Sabe-se que muita vez uma eleição pode ser perdida menos pela eloquência do candidato da oposição, do que por um erro da situação. A respeito, temos o exemplo do chamado episódio dos aloprados, descoberto pela Polícia Federal, às vésperas do primeiro turno de 2006. Por causa dessa revelação e do fato de ter ido parar na soleira do Partido dos Trabalhadores, a vitória de Lula no primeiro turno se esfumou, com o súbito crescimento do candidato Geraldo Alckmin.
Haverá algum outro erro calamitoso, a castigar a cultura do dossiê e do golpe sujo? É dificil de dizer, mas decerto mais difícil ainda será a eventual participação de uma Polícia Federal a serviço do Brasil e não de um partido, eis que estranhamente foi imposto, como um raio em céu sereno, um drástico corte nas verbas dessa instituição que tanto tem feito no combate ao crime, corte esse que lhe impede de sequer, às vezes, servir-se das próprias viaturas. É deveras estranho que uma medida como essa tenha sido admitida sem reclamo pela própria direção da P.F. É ainda mais estranho que o tema seja tratado com as luvas de pelica das tímidas alusões...
( Fonte: Folha de S. Paulo)
[1] substituto
Para que se tenha uma campanha digna de tal nome, o debate presidencial Folha/UOL terá contribuído para ensejar escolha mais clara e determinante, através da apresentação ao público de propostas críveis e originais.
O debate não foi modorrento, nem falto de emoção. Serra chamou Dilma de “ingrata”, quando declarou: “Você tem fixação no passado, no Fernando Henrique Cardoso.. Você é ingrata com o Itamar e com FHC, porque eles fizeram o Plano Real,a Lei da Responsabilidade Fiscal,o Fundef.”
José Serra disse também que Dilma copiara sua proposta de implantação do Ambulatório Médico Especializado (AMES), insinuando que o PT deixava o trabalho sujo a cargo de sindicalistas. E mais uma vez, lançou dúvidas sobre a competência de Dilma Rousseff. “Esse negócio de DEM parece brincadeira. Você também não está preocupada, Aí, algum assessor te deu isso e você vem querer criar dificuldade.”
Já no segundo bloco do debate, Serra disse que, após o vazamento da prova e de dados, o Enem estava “desmoralizado”.
Sem responder na substância, Dilma optou por afirmar que acha “um absurdo um candidato à Presidência vir aqui dizer que o Enem está desmoralizado.”
Como a candidata oficial repetisse que uma lei impedia investimento em saneamento sem que houvesse custeio de Estados e municípios, Serra não vacilou em replicar que ela divulgava uma “mentira”. E valendo-se do termo vazamento, ele voltou à carga: “Vocês quebraram o sigilo bancário de um vice-presidente do PSDB (Eduardo Jorge Caldas Pereira). Você disse que não tinha acontecido, chegou até ameaçar a processar e depois isso aconteceu.”
A evolução do debate levou Dilma a despojar-se da calma, quando o assunto foi carga tributária em contraposição à falta de investimentos em saneamento. Taxou os números de Serra de antigos, de 2008. Evitando olhar para o adversário, tentou ironizar : “É bom atualizar o número para saber se de fato essa afirmação tem consistência.” Em resposta, o candidato tucano disse que ela estava desinformada sobre o que acontecia no próprio governo: “PIS/Cofins sobre saneamento aumentou de 3% para 7,6%. Isso foi feito no seu governo, e com você, segundo se diz, coordenando o governo.”
Dilma chegou a pedir direito de resposta, diante da assertiva de Serra que o governo era marcado por um “troca-troca desavergonhado”. A direção do debate não a atendeu.
Quanto à terceira candidata, talvez induzida pelos assessores, resolveu liberar-se da sua isenção anterior. Resolveu entrar para o que parecia uma linha auxiliar de Dilma Rousseff. Especulou-se que a sua postura oportunista se devia por julgar que só teria chances de crescer às custas de Serra. Foi o que disse alto um petista: “Isso é efeito da pesquisa; ela só vê chance de crescer em cima do Serra.” Dada a sua patética e linear permanência nos dez por cento de preferência, tal opção oportunista, se esquecida a sua motivação de sair do PT, pode ser até inteligível, dentro do atual ambiente político.
É esse ambiente algo mefítico que não deve ser tratado como um cenário irrelevante e não merecedor da necessária exposição e condenação. É preciso não esquecer que os comportamentos sectários ora prevalentes não são inevitáveis, nem inextirpáveis. Miriam Leitão em sua coluna de ontem nos diz: “O Brasil perderá esta eleição, independentemente de quem vença, se ficarem consagrados comportamentos desviantes assustadoramente presentes na política brasileira. Uso de um fundo de pensão para construir falsas acusações contra adversários, funcionários da Receita acessando dados protegidos por sigilo, centrais de dossiês montados por pessoas próximas ao presidente.”
Sabe-se que muita vez uma eleição pode ser perdida menos pela eloquência do candidato da oposição, do que por um erro da situação. A respeito, temos o exemplo do chamado episódio dos aloprados, descoberto pela Polícia Federal, às vésperas do primeiro turno de 2006. Por causa dessa revelação e do fato de ter ido parar na soleira do Partido dos Trabalhadores, a vitória de Lula no primeiro turno se esfumou, com o súbito crescimento do candidato Geraldo Alckmin.
Haverá algum outro erro calamitoso, a castigar a cultura do dossiê e do golpe sujo? É dificil de dizer, mas decerto mais difícil ainda será a eventual participação de uma Polícia Federal a serviço do Brasil e não de um partido, eis que estranhamente foi imposto, como um raio em céu sereno, um drástico corte nas verbas dessa instituição que tanto tem feito no combate ao crime, corte esse que lhe impede de sequer, às vezes, servir-se das próprias viaturas. É deveras estranho que uma medida como essa tenha sido admitida sem reclamo pela própria direção da P.F. É ainda mais estranho que o tema seja tratado com as luvas de pelica das tímidas alusões...
( Fonte: Folha de S. Paulo)
[1] substituto
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
CIDADE NUA IV
Um bom Partido (17)
A princípio, pelejou um pouco para sair de Teresópolis. De noite, orientar-se não é tão fácil, quanto na plena luz do dia. Acabou, no entanto, graças a indicações de moradores, no entanto, dando no estreito, esburacado e tortuoso caminho que os conduziria ao hotel.
Malconservada e com excesso de curvas, a estrada secundária recomenda cautela. Dessarte, a despeito da cercania do destino, terá sido a parte menos agradável da travessia.
Por isso, chegaram tarde.
Para alívio do casal, contudo, o restaurante tem horário que se adapta aos previsíveis atrasos de quem venha do Rio de Janeiro.
*
Admira a rapidez com que Eudóxia se arruma. Veste blusa de seda, a que complementa um colete de couro. Nas noitadas, o contorno dos jovens seios dispensa a ajuda do sutiã. Dessa vez, decerto pelo toque rústico do local, prefere com a minissaia calçar saltos médios.
A serena confiança que Álvaro sempre demonstrou com a namorada, malgrado a audácia de alguns de seus trajes, é um traço que ainda mais dele a aproxima. Ao contrário da insegurança e do ciúme tão comuns em homens mais velhos, ele parecia ter prazer em tê-la a seu lado, do modo em que a ela aprouvesse arranjar-se.
Descem para o salão em que, pelo adiantado da hora, restam poucos convivas. Apesar da penumbra, que oscila entre o lúgubre e o romântico, um que outro olhar a visita de esguelha.
Sentam-se a um canto, como de preferência da dupla. No cálido aconchego da companhia, a única liberdade que ali se reservam será mandar vir meia-garrafa de um Cabernet-Sauvignon chileno.
*
A princípio, pelejou um pouco para sair de Teresópolis. De noite, orientar-se não é tão fácil, quanto na plena luz do dia. Acabou, no entanto, graças a indicações de moradores, no entanto, dando no estreito, esburacado e tortuoso caminho que os conduziria ao hotel.
Malconservada e com excesso de curvas, a estrada secundária recomenda cautela. Dessarte, a despeito da cercania do destino, terá sido a parte menos agradável da travessia.
Por isso, chegaram tarde.
Para alívio do casal, contudo, o restaurante tem horário que se adapta aos previsíveis atrasos de quem venha do Rio de Janeiro.
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Admira a rapidez com que Eudóxia se arruma. Veste blusa de seda, a que complementa um colete de couro. Nas noitadas, o contorno dos jovens seios dispensa a ajuda do sutiã. Dessa vez, decerto pelo toque rústico do local, prefere com a minissaia calçar saltos médios.
A serena confiança que Álvaro sempre demonstrou com a namorada, malgrado a audácia de alguns de seus trajes, é um traço que ainda mais dele a aproxima. Ao contrário da insegurança e do ciúme tão comuns em homens mais velhos, ele parecia ter prazer em tê-la a seu lado, do modo em que a ela aprouvesse arranjar-se.
Descem para o salão em que, pelo adiantado da hora, restam poucos convivas. Apesar da penumbra, que oscila entre o lúgubre e o romântico, um que outro olhar a visita de esguelha.
Sentam-se a um canto, como de preferência da dupla. No cálido aconchego da companhia, a única liberdade que ali se reservam será mandar vir meia-garrafa de um Cabernet-Sauvignon chileno.
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A Sombra de Lula na Campanha Presidencial
Como interpretar a presença do Presidente Lula no primeiro dia do horário de propaganda gratuita da televisão ? Dado o caráter inédito de tal participação que como imensa sombra paira diante do espectador e futuro eleitor, é importante que se analise o significado tanto político, quanto constitucional da postura. Este ‘fato novo’ está na contramão de toda a experiência pregressa no período da reconstitucionalização, assim como nos conturbados tempos da Constituição de 1946, em que presidentes como Juscelino Kubitschek agiram com a isenção que deve ser o apanágio do Primeiro magistrado da Nação.
As possíveis dúvidas acerca da figura dominante de Lula na estreia do horário eleitoral se dissipam como tímidas névoas matinais diante do contraponto presidencial com a sua candidata Dilma Rousseff, a par da menção no jingle do candidato José Serra que, apesar de apresentado pela oposição, tudo faz para evitar aparecer como contestador do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O programa eleitoral coloca diversas questões legais e constitucionais. Como entender as intervenções do Presidente Lula, de Porto Velho, Roraima, e de Dilma Rousseff, no Chuí, nesses pontos extremos do país, na promoção da candidatura da ex-Ministra da Casa Civil, e em seguida a aparição ainda na residência oficial do Presidente da República, o Palácio da Alvorada, um lugar público, pago até o último centavo com o dinheiro do contribuinte ?
Com essa tonitruante abertura, em que, de Pernambuco, o Presidente chegou a comparar Serra com a situação dele em 1994: “Vivi isso. O povo votava no Real e me lasquei.” É bom assinalar que o cotejo pode ter uma vaga parecença, mas as duas imagens contrapostas são radicalmente diversas. O Real não foi visto entrando em estúdios televisivos e nem dele se ouviu sequer uma palavra. Já o Presidente Lula, apesar da tardança e da inicial timidez da autoridade judiciária, colecionou multas por propaganda eleitoral fora do prazo. Agora, não é o legado de uma obra meritória, que nos livrou da hiperinflação que se mostra no horário eleitoral; é o criador, intento em divulgar, fortalecer e eleger a sua criatura e pupila, retirada há tempos da algibeira presidencial.
A presente falta de isenção e a despejada atuação presidencial vem hoje condimentada com novo e inquietante acréscimo. Além de por vezes falar como se disputasse a própria sucessão, Lula não mais reporta a sua intenção de uma vez passada a faixa presidencial. Ao invés do refrão anterior – “Vou fazer força para eleger minha sucessora. Depois vou para casa e não vou dar palpite” -, doravante, à vista da miragem prometida da vitória no primeiro turno, o Presidente muda radicalmente de atitude, e afirma: “Quem pensa que vou deixar a Presidência e vou para Paris (...) Não eu vou vir (sic) para o sertão brasileiro. (...) Se tiver alguma coisa errada vou pegar o telefone e ligar para minha presidenta e dizer ‘olha, tem uma coisa aqui errada. Pode fazer minha filha, que eu não consegui fazer.”
A História, este enredo por vezes incompreensível, que chega até a repetir-se em farsa, tem no seu amplo cesto contos que nos lembram que o bicho homem não é tão original assim.
No México, por exemplo, houve um presidente que sucedeu ao assassinado Alvaro Obregón. Chamava-se Plutarco Elias Calles. Havia na Constituição mexicana a determinação peremptória da não-reeleição. Pois o inventivo Plutarco resolveu, findo o seu mandato, contorná-la. Criou, à margem da Constituição, o sistema do chamado Maximato. Na sombra de tal ordem, os presidentes continuaram a ser eleitos pelo povo. No entanto, presidiam mas não governavam. Eram os presidentes peleles (presidentes fantoches). O poder estava nas mãos do Líder Máximo, no caso Plutarco Elias Calles. Sómente, em 1936 Lázaro Cardenas, que se tornaria um dos maiores presidentes mexicanos, após dois anos de governo títere logrou desvencilhar-se do Lider Máximo, a quem despachou em avião para longe do México.
Será que pretendemos imitar o México com a institucionalização de um Maximato caboclo ?
( Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo)
As possíveis dúvidas acerca da figura dominante de Lula na estreia do horário eleitoral se dissipam como tímidas névoas matinais diante do contraponto presidencial com a sua candidata Dilma Rousseff, a par da menção no jingle do candidato José Serra que, apesar de apresentado pela oposição, tudo faz para evitar aparecer como contestador do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O programa eleitoral coloca diversas questões legais e constitucionais. Como entender as intervenções do Presidente Lula, de Porto Velho, Roraima, e de Dilma Rousseff, no Chuí, nesses pontos extremos do país, na promoção da candidatura da ex-Ministra da Casa Civil, e em seguida a aparição ainda na residência oficial do Presidente da República, o Palácio da Alvorada, um lugar público, pago até o último centavo com o dinheiro do contribuinte ?
Com essa tonitruante abertura, em que, de Pernambuco, o Presidente chegou a comparar Serra com a situação dele em 1994: “Vivi isso. O povo votava no Real e me lasquei.” É bom assinalar que o cotejo pode ter uma vaga parecença, mas as duas imagens contrapostas são radicalmente diversas. O Real não foi visto entrando em estúdios televisivos e nem dele se ouviu sequer uma palavra. Já o Presidente Lula, apesar da tardança e da inicial timidez da autoridade judiciária, colecionou multas por propaganda eleitoral fora do prazo. Agora, não é o legado de uma obra meritória, que nos livrou da hiperinflação que se mostra no horário eleitoral; é o criador, intento em divulgar, fortalecer e eleger a sua criatura e pupila, retirada há tempos da algibeira presidencial.
A presente falta de isenção e a despejada atuação presidencial vem hoje condimentada com novo e inquietante acréscimo. Além de por vezes falar como se disputasse a própria sucessão, Lula não mais reporta a sua intenção de uma vez passada a faixa presidencial. Ao invés do refrão anterior – “Vou fazer força para eleger minha sucessora. Depois vou para casa e não vou dar palpite” -, doravante, à vista da miragem prometida da vitória no primeiro turno, o Presidente muda radicalmente de atitude, e afirma: “Quem pensa que vou deixar a Presidência e vou para Paris (...) Não eu vou vir (sic) para o sertão brasileiro. (...) Se tiver alguma coisa errada vou pegar o telefone e ligar para minha presidenta e dizer ‘olha, tem uma coisa aqui errada. Pode fazer minha filha, que eu não consegui fazer.”
A História, este enredo por vezes incompreensível, que chega até a repetir-se em farsa, tem no seu amplo cesto contos que nos lembram que o bicho homem não é tão original assim.
No México, por exemplo, houve um presidente que sucedeu ao assassinado Alvaro Obregón. Chamava-se Plutarco Elias Calles. Havia na Constituição mexicana a determinação peremptória da não-reeleição. Pois o inventivo Plutarco resolveu, findo o seu mandato, contorná-la. Criou, à margem da Constituição, o sistema do chamado Maximato. Na sombra de tal ordem, os presidentes continuaram a ser eleitos pelo povo. No entanto, presidiam mas não governavam. Eram os presidentes peleles (presidentes fantoches). O poder estava nas mãos do Líder Máximo, no caso Plutarco Elias Calles. Sómente, em 1936 Lázaro Cardenas, que se tornaria um dos maiores presidentes mexicanos, após dois anos de governo títere logrou desvencilhar-se do Lider Máximo, a quem despachou em avião para longe do México.
Será que pretendemos imitar o México com a institucionalização de um Maximato caboclo ?
( Fontes: O Globo e Folha de S.Paulo)
terça-feira, 17 de agosto de 2010
CIDADE NUA IV
Um bom Partido (16)
Saíram à noitinha do Rio de Janeiro. Não é a melhor hora para tomar a linha vermelha, sobretudo na sexta-feira, mas ele não tinha escolha.
Os dois vestiam pulôvers e roupas mais quentes, pois o friozinho à beira-mar prenunciava temperaturas mais baixas na serra.
Em uma sucessão de obras, o tráfego se arrastava. Embora na frente os assentos fossem separados, sempre encontravam jeito de se achegarem. E se as efusões contribuíam para embaçar as vidraças, seriam dos poucos que não se importavam muito com o ritmo lento da circulação.
Somente depois de deixarem o Fundão para trás o trânsito se tornou mais fluido. Álvaro nunca gostara de viajar de noite, mas na larga rodovia de Teresópolis os faróis dos carros não incomodavam, sobremodo no contorno da baía até o começo da subida, depois de Guapimirim.
Dessa feita, porém, os mútuos carinhos e a cálida ternura de Eudóxia pareciam encurtar a quilometragem. A ponto de ter de recordar-se, de tempos em tempos, da importância de guardar a atenção para as eventuais surpresas da estrada.
Encetada a ascensão da montanha, com suas ladeiras, os tardos, carregados caminhões e a sucessão de curvas, a tarefa de motorista seria menos dificultosa. Os perigos da serra reclamavam maior concentração, se bem que os meigos abraços lhe trouxessem disposição que não imaginava ainda possuir.
*
Saíram à noitinha do Rio de Janeiro. Não é a melhor hora para tomar a linha vermelha, sobretudo na sexta-feira, mas ele não tinha escolha.
Os dois vestiam pulôvers e roupas mais quentes, pois o friozinho à beira-mar prenunciava temperaturas mais baixas na serra.
Em uma sucessão de obras, o tráfego se arrastava. Embora na frente os assentos fossem separados, sempre encontravam jeito de se achegarem. E se as efusões contribuíam para embaçar as vidraças, seriam dos poucos que não se importavam muito com o ritmo lento da circulação.
Somente depois de deixarem o Fundão para trás o trânsito se tornou mais fluido. Álvaro nunca gostara de viajar de noite, mas na larga rodovia de Teresópolis os faróis dos carros não incomodavam, sobremodo no contorno da baía até o começo da subida, depois de Guapimirim.
Dessa feita, porém, os mútuos carinhos e a cálida ternura de Eudóxia pareciam encurtar a quilometragem. A ponto de ter de recordar-se, de tempos em tempos, da importância de guardar a atenção para as eventuais surpresas da estrada.
Encetada a ascensão da montanha, com suas ladeiras, os tardos, carregados caminhões e a sucessão de curvas, a tarefa de motorista seria menos dificultosa. Os perigos da serra reclamavam maior concentração, se bem que os meigos abraços lhe trouxessem disposição que não imaginava ainda possuir.
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Exportador de produtos brutos ?
A balança comercial brasileira continuou no presente governo Lula a crescer. No entanto, há duas características preocupantes: ênfase na exportação de commodities e decréscimo relativo na venda de manufaturados. Nada contra a expansão das exportações nas chamadas commodities (matérias primas). Não obstante, o incremento nesses ítens (café, soja, açúcar, petróleo, minério de ferro) não deve realizar-se em detrimento de manufaturas, e, em especial, daqueles produtos com intensidade tecnológica e de mão de obra qualificada média ou alta.
Malgrado o relativo bom desempenho da economia brasileira e do aumento de seu comércio exterior, continuamos – e com boas razões – a sermos taxados como um precípuo grande exportador de commodities. Ora, especializar-se em matérias primas é uma marca colonial, de economia pouco desenvolvida tecnologicamente.
Por que é importante exportar produtos manufaturados e, em especial, os de maior quociente de alta tecnologia agregada ? Pela simples razão que se estará exportando produtos mais caros, com cotações mais estáveis. O preço mais alto não é decerto consequência aleatória de causas especulativas – como o foi, v.g., a recente alça da commodity petróleo no mercado internacional – mas sim resultado dos valores embutidos de trabalho especializado e de conhecimento tecnológico (o que, obviamente, implica também na adição de outro tipo de trabalho).
Por sua vez, o mercado de produtos de base (commodities), além de sua maior instabilidade de preço, tende a cotações mais baixas em relação aos bens com média e alta intensidade tecnológica. Pela circunstância de não agregarem trabalho qualificado, nem tecnologia, a sua eventual maior rentabilidade exigirá volumes bastante maiores.
As quatro categorias de produtos manufaturados tiveram o seu pior desempenho desde 1997, início da série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. De um lado, as duas categorias que ainda registram superavit (embora encolhido) são as mais intensivas em mão de obra pouco qualificada, i.e., (a) setor intensivo em mão de obra e baseado em recursos naturais e (b) setor de baixa intensidade de mão de obra qualificada e de tecnologia. Por outro lado, as duas outras categorias tiveram deficits mais acentuados: (c) setor de intensidade média de mão de obra qualificada e de tecnologia; e (d) setor de alta intensidade de mão de obra qualificada e de tecnologia. Com efeito, enquanto os saldos positivos nesse primeiro semestre de 2010 foram de US$ 600 milhões nos setores (a) e (b), o déficit no setor (c) foi de US$ 10,8 bilhões e no (d), de US$ 16,8 bilhões.
A que se deve atribuir essa tendência negativa em nossa balança comercial ? Há dois fatores, entre outros, a serem assinalados: a apreciação do real e a desindustrialização do país.
Não é por acaso que a China se apega à sua política financeira de subvalorização do renmimbi. Essa subvalorização da moeda chinesa, mantida contra vento e maré, é um elemento relevante para garantir os altos superavits da balança comercial chinesa quanto a outros parceiros, como notadamente os Estados Unidos. Não é aqui o lugar para discutir dos instrumentos que ensejam a continuação desses valores artificiais do renmimbi, que favorecem especialmente a posição comercial da RPC.
A apreciação do real é o reverso dessa medalha e dos resultados favoráveis que ela registra. Dentre os países emergentes, o real tem sido valorizado especulativamente (a par da apreciação decorrente dos nossos bons índices macro-econômicos). São conhecidas a propósito as consequências negativas da apreciação: favorecem as importações, pelo seu barateamento; e estorvam as exportações, pelo respectivo encarecimento.
Nesses termos, a apreciação do real tende a produzir efeito perverso no incentivo a desindustrialização. Tal ocorre pelo estímulo de vantagem de preço relativa a embutir mais insumos importados na composição de nossos produtos industrializados exportáveis.
Nesse quadro, se indica recente tese de doutorado do economista Alexandre Comin, professor licenciado da PUC-SP, que defende passar o Brasil por um processo parcial de desindustrialização.
Desse modo, mostra Comin que 21 dentre 23 setores da indústria de transformação registram perda de densidade entre 1996 e 2006. Em outras palavras, segundo Comin “a produção industrial cresce na ponta, mas com uma maior proporção de componentes importados”.
De resto, este menor crescimento da indústria brasileira também se confirma na comparação com os demais BRICs, tanto para a economia da China, que será a segunda maior mundial, quanto para as economias de Índia e Rússia, que tem menor valor agregado que a do Brasil. Assim, o crescimento do valor adicionado industrial é de 3,5% no Brasil (comparado com um crescimento do PIB de 4,6%), nos anos 2005-2008. Somos os nanicos dos BRIC, haja vista Rússia (6,9% e 7%) e Índia (8% e 8,4%), sem falar da China (12,9% e 11,2%), respectivamente.
Somos, portanto, no aspecto industrial, os retardatários do grupo emergente, o que está em contraste com os elevados índices sustentados que mantivemos durante boa parte do século XX.
( Fonte: Folha de S.Paulo, caderno Mercado)
Malgrado o relativo bom desempenho da economia brasileira e do aumento de seu comércio exterior, continuamos – e com boas razões – a sermos taxados como um precípuo grande exportador de commodities. Ora, especializar-se em matérias primas é uma marca colonial, de economia pouco desenvolvida tecnologicamente.
Por que é importante exportar produtos manufaturados e, em especial, os de maior quociente de alta tecnologia agregada ? Pela simples razão que se estará exportando produtos mais caros, com cotações mais estáveis. O preço mais alto não é decerto consequência aleatória de causas especulativas – como o foi, v.g., a recente alça da commodity petróleo no mercado internacional – mas sim resultado dos valores embutidos de trabalho especializado e de conhecimento tecnológico (o que, obviamente, implica também na adição de outro tipo de trabalho).
Por sua vez, o mercado de produtos de base (commodities), além de sua maior instabilidade de preço, tende a cotações mais baixas em relação aos bens com média e alta intensidade tecnológica. Pela circunstância de não agregarem trabalho qualificado, nem tecnologia, a sua eventual maior rentabilidade exigirá volumes bastante maiores.
As quatro categorias de produtos manufaturados tiveram o seu pior desempenho desde 1997, início da série histórica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. De um lado, as duas categorias que ainda registram superavit (embora encolhido) são as mais intensivas em mão de obra pouco qualificada, i.e., (a) setor intensivo em mão de obra e baseado em recursos naturais e (b) setor de baixa intensidade de mão de obra qualificada e de tecnologia. Por outro lado, as duas outras categorias tiveram deficits mais acentuados: (c) setor de intensidade média de mão de obra qualificada e de tecnologia; e (d) setor de alta intensidade de mão de obra qualificada e de tecnologia. Com efeito, enquanto os saldos positivos nesse primeiro semestre de 2010 foram de US$ 600 milhões nos setores (a) e (b), o déficit no setor (c) foi de US$ 10,8 bilhões e no (d), de US$ 16,8 bilhões.
A que se deve atribuir essa tendência negativa em nossa balança comercial ? Há dois fatores, entre outros, a serem assinalados: a apreciação do real e a desindustrialização do país.
Não é por acaso que a China se apega à sua política financeira de subvalorização do renmimbi. Essa subvalorização da moeda chinesa, mantida contra vento e maré, é um elemento relevante para garantir os altos superavits da balança comercial chinesa quanto a outros parceiros, como notadamente os Estados Unidos. Não é aqui o lugar para discutir dos instrumentos que ensejam a continuação desses valores artificiais do renmimbi, que favorecem especialmente a posição comercial da RPC.
A apreciação do real é o reverso dessa medalha e dos resultados favoráveis que ela registra. Dentre os países emergentes, o real tem sido valorizado especulativamente (a par da apreciação decorrente dos nossos bons índices macro-econômicos). São conhecidas a propósito as consequências negativas da apreciação: favorecem as importações, pelo seu barateamento; e estorvam as exportações, pelo respectivo encarecimento.
Nesses termos, a apreciação do real tende a produzir efeito perverso no incentivo a desindustrialização. Tal ocorre pelo estímulo de vantagem de preço relativa a embutir mais insumos importados na composição de nossos produtos industrializados exportáveis.
Nesse quadro, se indica recente tese de doutorado do economista Alexandre Comin, professor licenciado da PUC-SP, que defende passar o Brasil por um processo parcial de desindustrialização.
Desse modo, mostra Comin que 21 dentre 23 setores da indústria de transformação registram perda de densidade entre 1996 e 2006. Em outras palavras, segundo Comin “a produção industrial cresce na ponta, mas com uma maior proporção de componentes importados”.
De resto, este menor crescimento da indústria brasileira também se confirma na comparação com os demais BRICs, tanto para a economia da China, que será a segunda maior mundial, quanto para as economias de Índia e Rússia, que tem menor valor agregado que a do Brasil. Assim, o crescimento do valor adicionado industrial é de 3,5% no Brasil (comparado com um crescimento do PIB de 4,6%), nos anos 2005-2008. Somos os nanicos dos BRIC, haja vista Rússia (6,9% e 7%) e Índia (8% e 8,4%), sem falar da China (12,9% e 11,2%), respectivamente.
Somos, portanto, no aspecto industrial, os retardatários do grupo emergente, o que está em contraste com os elevados índices sustentados que mantivemos durante boa parte do século XX.
( Fonte: Folha de S.Paulo, caderno Mercado)
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