terça-feira, 18 de maio de 2010

A Visita de Lula a Teerã

Antecedentes.
Cercada pela expectativa mundial e pela desconfiança do Ocidente, em especial dos Estados Unidos, realizou-se a visita do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Teerã, onde foi acolhido pelo Presidente Mahmoud Ahmadinejad e recebido pelo Supremo Líder Ayatollah Ali Khamenei.
O precípuo objetivo da viagem de Lula era o de obter do governo iraniano um acordo que tornasse desnecessárias as sanções a serem impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, através da comprovada concordância do regime dos ayatollahs em renunciar ao intento de dominar todo o ciclo nuclear e, por conseguinte, lograr a feitura de artefato atômico.
A empresa de Lula foi encarada por marcado ceticismo – o próprio Presidente Medvedev, em conferência de imprensa conjunta com Lula, dissera não ver mais de 30% de possibilidade de acordo satisfatório – e contida insatisfação, como demonstrada pelos Estados Unidos. A própria Secretária de Estado Hillary Clinton advertira que Ahmadinejad poderia servir-se das conversações com o Brasil para ganhar tempo de modo a acercar-se ainda mais da construção de arma nuclear. E acrescentou Hillary Clinton: “Não conseguiremos nenhuma resposta para valer dos iranianos até que o Conselho de Segurança aja.”
Por sua vez, a Casa Branca, a despeito de desejar boa sorte para o Brasil nas negociações, não deixou de manifestar, em confidência, por altos funcionários, que não estava nada otimista quanto ao resultado.
A principal razão da mal disfarçada irritação da Administração Obama com a viagem de Lula é que, em função das expectativas criadas, lançou uma sombra sobre os entendimentos entre os membros permanentes do Conselho. A interrogação sobre o desfecho da visita deu à Russia e, em especial à China, que nunca tiveram maior entusiasmo quanto à aplicação de sanções, motivos para continuar a valorizar a via diplomática.

Assinatura de Acordo Irã-Brasil-Turquia. Reservas dos EUA.
Cercado pelas efusões do regime iraniano, com Mahmoud Ahmadinejad à frente, o presidente Lula, transpirando irreprimível otimismo – e decerto ignorando as ingênuas súplicas de dissidentes iranianos, que contavam com sua intercessão - logrou, através da ajuda de seu Ministro das Relações Exteriores, a conclusão de acordo com Teerã sobre a troca de combustível nuclear com a Turquia. A esse respeito, após uma certa indecisão do Primeiro Ministro Erdogan em participar das negociações, afinal o lider turco acedeu em participar e ultimar as negociações.
O acordo, subscrito pelos Ministros do Exterior, festejado por Lula, Ahmadinejad e Erdogan, como um grande êxito, dispõe que o Irã enviará 1.200kg de urânio baixo teor de enriquecimento, para a Turquia, que o armazenará, enquanto, em troca, o Irã receberia, no prazo de um ano, de Rússia e França, 120 kg de urânio enriquecido até 20 %.
Tais termos não se diferenciam de idêntico acordo, de outubro de 2009, entre o
Irã e o Ocidente, posteriormente desdito por Teerã. A desconfiança dos Estados Unidos quanto ao significado do acordo festejado com esportiva exuberância por Lula e Ahmadinejad se prendem a três motivos principais: (a) o regime iraniano já renegou entendimento similar; (b) Teerã continuou, entrementes, a enriquecer o urânio, presumindo-se que seu estoque aumentou desde então; (c) o regime iraniano declarou – de forma concomitante com o celebrado acordo - que continuará a proceder com o enriquecimento do urânio até 20%, o que viola resoluções do Conselho de Segurança.
Ao indicar tal violação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Secretário de Imprensa da Casa Branca, em declaração oficial lida, afirmou outrossim que “ dado o fracasso do Irã em satisfazer os próprios compromissos, e a necessidade de atender questões fundamentais relativas ao programa nuclear do Irã, os Estados Unidos e a comunidade internacional continuam a ter sérias preocupações.”Nesse sentido, Robert Gibbs deixou claro que se persistirá a propor sanções, até que o Irã cumpra as respectivas obrigações: “Os Estados Unidos continuarão a trabalhar com nossos parceiros internacionais, e através do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de modo a tornar manifesto para o governo iraniano que deve demonstrar com fatos – e não simplesmente palavras – a sua vontade de cumprir as obrigações internacionais ou enfrentar as consequências, inclusive sanções.”
Segundo informação prestada em confidência por diplomata ocidental, a quantidade do estoque que o Irã se propõe remeter para a Turquia representa pouco mais da metade do seu atual estoque de urânio enriquecido – o que indica que a situação mudou.
Dentro de uma semana, consoante fontes oficiais, o Irã comunicará oficialmente à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) o texto do acordo tríplice ora firmado.
Embora o acordo haja sido avaliado como um passo positivo por expertos internacionais, perdura o ceticismo também nessa área. Duvida-se se é um esforço real, ou se não passa de tática para jogar a culpa no Ocidente do eventual fracasso, a par de criar óbvias dificuldades para que o Conselho de Segurança aplique sanções, o que antes parecia bastante provável dentro de curto prazo. “O Irã é useiro e vezeiro de entrar em acordos e depois renegá-los”, nas palavras de Emad Gad, do Centro Ahram para Estudos Políticos e Estratégicos, do Cairo.

O que significa o Acordo para o Presidente Lula ?
Associar o Brasil ao presente regime em Teerã constitui projeto, de per si, assaz questionável. O Brasil é uma democracia respeitada internacionalmente. Em função de suas óbvias qualidades de comunicação, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva atingiu um ápice inédito para o Brasil em termos de exposição internacional. Nas primícias da Administração Obama, a presença de Lula cresceu, a fortiori com a admiração do novel Presidente estadunidense, que o ungiu perante os seus iguais como “o Cara”.
Posteriormente, o processo natural das inelutáveis contraposições entre Washington e Brasília, e algumas inabilidades de Lula, redimensionaram as implicações de uma primitiva avaliação de caráter pessoal.
Por sua vez, o regime de Teerã, enquanto excele em mesuras a Lula e seus acólitos, continua na sua lôbrega marcha de opressão de uma oposição tão indômita, quanto desarmada. Choca, por conseguinte, que perdurem as execuções por enforcamento de infelizes condenados por delito de opinião.
Nesse marco sombrio, as manifestações de mútuo apreço e amizade representam amarga poção que outros teriam fundadas razões de evitar.
Todos nós brasileiros conhecemos as qualidades do popularíssimo Presidente, cujo segundo mandato já avança para o final. Mas também, nesse longo convívio, temos presenciado os seus defeitos, que, de conformidade com o próprio êxito, tampouco são dos menores.
Ainda é cedo para avaliar o resultado final do encontro de Teerã. Pela paz internacional e pela não-proliferação – de que o Brasil constitui respeitável exemplo – desejaria que as assertivas de Lula não sejam desmentidas no futuro.
Talvez dos áulicos do Presidente Lula tenha partido a ideia de colocar a sua candidatura à sucessão do medíocre Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Não me atrevo a negar-lhe, de plano, as possibilidades, mas seria a primeira vez que um monoglota se sentaria na cadeira de Dag Hammarskjöld. No passado, o egípcio Boutros Ghali viu negado um segundo mandato por haver ousado contrariar a superpotência.
É difícil ver Lula como Secretário-Geral das Nações Unidas, diante de seu alegre e pressuroso amadorismo, certa propensão para gafes (como falar de Afeganistão na casa dos russos), mas longe de mim atrever-me a excluir tal possibilidade.
Lula é uma força da natureza. Convém, por conseguinte, tratar-lhe o futuro com extrema cautela.

(Fonte: International Herald Tribune )

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