segunda-feira, 17 de maio de 2010
CIDADE NUA III
Doce Ilusão (03)
“ Olha, moço, melhor ‘cê passar em um hospital...”
Naquela hora, a farmácia está deserta. Não lhe pareceu, contudo, que a recusa fosse por má vontade do atendente.
“ Tem algum aqui perto ?”
O farmacêutico escreve num papelzinho o endereço. Em seguida, lhe explica como chegar lá.
*
“ Tem certeza que você se feriu sozinho ?”
Não há sorriso irônico na fisionomia do médico de plantão. Apenas um resquício de suspeita profissional.
De olhos baixos, ele confirma o que dissera.
“ Então, você resvalou no rochedo, no Arpoador, hein ?”
Meio irritado pela insistência, ainda cabisbaixo, assente com a cabeça.
“ Não tou aqui pra chatear você... mas, poxa, impressiona o risco da ferida. Cê sabe que não é a primeira que eu vejo...”
“ Como médico não surpreende que o senhor tenha visto feridas desse tipo...”
De leve, o clínico sorriu.
“ Não, isso não tem nada a ver com a minha experiência em pronto-socorro... Já vi pelo menos um par de ferimentos iguais ao seu, e bem recentes...”
Aborrecido, Alberto levanta os olhos, encarando por primeira vez o doutor. Aquilo tomava ares de interrogatório policial. Afinal, precisava era de cuidados médicos. Por isso, enquanto possível, se controlaria.
“ Está bem. Você veio aqui para se tratar da ferida.”
Respirou fundo e o fitou por um tempo.
“ Pois é o que vou fazer. Você não precisa me dizer nada. Só lhe peço que pense na minha sugestão. Amanhã, antes do trabalho, vá à delegacia e registre a ocorrência. É claro que você não vai me citar. Mas, acredite, tem um de menor aí, drogado, muito provavelmente viciado em craque, que já atacou várias pessoas, e muitas delas, de forma mais grave que a sua. A nossa polícia não é nenhuma maravilha, concordo, mas, quem sabe, a sua ocorrência não venha a ser o toque que faltava pra que eles prendam esse de menor ?”
Em seguida, sem esperar pela resposta, limpou a ferida, aplicou a injeção e costurou os pontos. Na prescrição, escreveu os cuidados a tomar, o que deveria usar, e quando voltar para retirar os pontos.
Ao despachá-lo, deu-lhe tapinha no ombro e disse:
“ Pense bem no que lhe falei. A sua denúncia é importante. Se ficarmos encolhidos, ele vai continuar atacando e as vítimas podem não ter a mesma sorte...”
Em silêncio, murmura um obrigado. Como está sem tostão, caminha até o apartamento.
Por sorte, encontra na geladeira um copo de vitamina.
Está exausto. Liga o ventilador e se joga na cama.
*
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