É forçoso reconhecer que houve recuo bastante extenso do Governo do Presidente Lula no que tange ao 3º Programa Nacional de Direitos Humanos.
Dada a amplitude de tal recuo, se afigura difícil atribuir a mesma qualificação para o conjunto das modificações introduzidas.
Na parte positiva das modificações, cabe mencionar a exclusão de penalidades a estações de rádio e tevê que “não respeitassem os direitos humanos”. Ao não prever penalidades, a despeito da injunção do “respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão”, se evita a possível instrumentalização de censura, o que é inconstitucional. Fica, no entanto, pendurada a criação de um ‘marco legal’ (o antigo 'ranking') de respeito aos direitos humanos por rádios e TVs, mas excluída a possibilidade de punição.
Igualmente nos conflitos do campo, o texto anterior - que poderia ser interpretado com um viés potencialmente favorável aos invasores da propriedade rural – é substituído pelo novo decreto, que valoriza a mediação, priorizando Incra, institutos de terras estaduais, Ministério Público e outros órgãos públicos especializados.
No que respeita ao aborto, outro tópico controverso, ao invés da aprovação de projeto de lei que descriminaliza o aborto – e que está em consonância com a tendência prevalente em outros países desenvolvidos, como os Estados Unidos - se aproxima da posição da Igreja, matizada pela consideração do móvito como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde.
Ainda no capítulo do aborto, semelha importante evitar que, induzidas pela criminalização dessa interrupção da gravidez, muitas mulheres sejam forçadas a recorrer a clínicas clandestinas e outros meios de maior periculosidade para a própria saúde. Esse dispositivo, sob o fundamento do respeito incondicional à vida do nascituro, pode levar, por injunções sociais, a contradições graves, com consequências ruinosas para a saúde de muitas mulheres. Nesse aspecto, não é demasiado enfatizar a relevância da consideração do aborto como tema de saúde pública, com a garantia plena do acesso aos serviços de saúde, respeitada a preeminência do aspecto social.
No capítulo da memória, a emenda à proposta anterior do Programa Nacional de Direitos Humanos implica, ao invés, em completo retrocesso.
Justificar a não-proibição de logradouros e prédios públicos com nome de pessoas que praticaram crimes de lesa-humanidade (v.g., os torturadores) é amostra de comportamento abjeto, em que se confunde o respeito à instituição corporativa, com o temor de que tais condenações possam manchar a dita instituição. Na verdade, um exercício de lógica primária demonstraria que as desvirtuações e os abusos não podem ser atribuídos às corporações armadas, que através de seus dirigentes máximos sempre deles se dissociaram da forma enfática.
A emenda introduzida - “fomentar debates e divulgar informações” sobre o assunto, em relação a “pessoas identificadas reconhecidamente como torturadores” – se, sob certo prisma pode ser havida como um adendo à análise do tema, não deveria excluir a medida preconizada pelo Programa. O que é inadmissível que torturadores possam ser honrados com a designação de logradouros e prédios públicos.
No que tange à exposição de símbolos religiosos, se manteve a orientação precedente, mais conforme ao ethos que presidiu ao surgimento, formação e implementação dos princípios da Nação brasileira. Revogou-se, por conseguinte, a norma proposta de desenvolver mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
sexta-feira, 14 de maio de 2010
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