O filme de Stephane Brizé (França, 2009) surpreende pela fina tessitura com que é composto. Trata-se de uma história linear que bem se adequa à aparente singeleza da cidade pequena.
A simplicidade, no entanto, pode ser ilusória. O personagem do pedreiro Jean (Vincent Lindon), se no corpo e no gesto não desmente a material aspereza de seu mister, vai mostrando, em linguagem simples, acessível à faixa etária dos alunos primários, o seu entendimento da respectiva atividade.
A professora do seu filho, Véronique Chambon (Sandrine Kimberlain) que o convidara para apresentação na escola, ao conversar depois com Jean, alude à janela defeituosa na casa que aluga. Ele vai com ela até sua residencia e verifica que a armação da janela está podre.
Encarregado do serviço, ele volta no outro dia. O trabalho consome tempo, e Véronique se recolhe para descansar. Terminada a tarefa, Jean caminha pelo apartamento, vê um violino, e por fim a entrevê dormindo pela fresta da porta.
Sem apressar-se, ele a aguarda na sala. Afinal, a professora reaparece,e se desculpa por haver dormido. Os dois conversam e Jean lhe pergunta se toca violino. Ela confirma, mas, a princípio hesita em aceder. Por fim,toca a música que ele pedira. Ao cabo do encontro, ela lhe empresta vários dvds com gravações de violino.
Retornando à casa, topa com a esposa (Aura Atika) que se recompõe de problema na coluna, sofrido em oficina gráfica. Visita, em seguida, o velho pai, que vive sozinho. Conversa com ele sobre a próxima festa de aniversário, enquanto lhe lava os pés.
O espectador sente que o breve convívio com a professora perturba o pedreiro, que já não tem paciência com a mulher, a propósito de detalhes da festa dos oitenta anos do pai, e, em outro contexto, se alterca com companheiro de trabalho.
Então, volta à casa da professora. Ao restituir-lhe os dvds, diz que gostou mais da apresentação dela que das gravações. Durante o diálogo, ela alude ao caráter temporário de sua estada na cidadezinha. Enternecido, ele toma carinhosamente de sua mão e a beija.
Segue-se cena poeticamente contida. As primeiras tentativas carícias evoluem para o beijo. A sua natural delicadeza, permeada por mútuo controle, nos evoca cenas antológicas do cinema francês, como no beijo do clássico Une Partie de Campagne, de Jean Renoir (1936).
O tempo continua a correr. O mau humor de Jean aumenta a perplexidade da esposa. Posteriormente, o pedreiro parqueia o carro na rua da mestre-escola e pelo telefone lhe diz o quanto deseja estar com ela. A professora, irresoluta, ouve toda a declaração pela secretária-eletrônica, mas não atende o telefonema.
A mestra vai depois ao encontro do pedreiro, em uma obra. Nessa ocasião, de modo pouco sensível, ele lhe diz que a esposa espera outro filho.
Na festa do aniversário do pai de Jean, a professora é instada pelo pedreiro a tocar o violino. A música se transforma em uma declaração de amor que não escapa à percepção da esposa grávida que, nesse instante, intui a razão da irascibilidade do marido.
Jean e Véronique se reencontram. Ele a leva para um lugar onde gosta de quedar-se, porque dali se descortina a paisagem ao longe. A funda tristeza que desvela com a próxima partida definitiva da nômade professora a enternece. Vão para o seu apartamento e a cena na cama, construída com a prevalente sensibilidade é a decorrência natural de um amor impossível.
A transitoriedade desse amor choca aos dois. Por isso, ela pede a Jean não prometer o que não poderá cumprir. Não obstante, Jean diz que partirá com ela, na viagem marcada para a manhã seguinte.
Costurada com a mesma original habilidade, a cena da estação é a quase conclusão da película. Não a descreverei para não expor o desfecho da trama.
Poucos filmes terão mostrado tanta sutileza na narração da estória na enganosa simplicidade de paisagem interiorana. A sensibilidade dos personagens centrais, que preside ao surgimento, evolução e conclusão, é a marca indelével de um diretor do porte de Stephane Brizé.
Procurando entender Dunga
Se não me foi fácil – como de resto a muitos outros – entender a filosofia do treinador Dunga e de seu Doppelgänger[1] Jorginho, no que concerne aos critérios que presidiram a convocação da seleção, minha perplexidade cresceu ulteriormente, ao inteirar-me do estado físico do jogador Kaká.
Recuperando-se de um sério problema muscular, a sua equipe, o Real Madrid, o tem empregado com muita cautela, e nunca em tempo integral. Consequentemente, ainda não está em condições físicas ideais, sobremodo para competição como a Copa do Mundo, marcada por jogos difíceis e tensos.
Ao me referir ao estado físico do meia – que deverá ser o principal armador dos ataques do scratch brasileiro – não ouso mencionar o aspecto da atual forma de Kaká.
Retomando a atividade, depois de séria contusão, é mais do que provável que Kaká não esteja em forma ideal, aquela que nos acostumamos a admirar na sua trajetória futebolística.
Ora, tal informação relativa a Kaká não poderia ser ignorada por Dunga quando ultimou a chamada dos vinte e três para a África do Sul. Como, dispondo de tais indicações sobre a atual precariedade da condição física e atlética de Kaká, pôde Dunga cometer a insanidade de barrar Ronaldinho Gaúcho, que seria o substituto natural do jogador do Real Madri ?
Para parafrasear frase famosa, não se trata apenas de uma falha, mas sim de clamoroso erro, eis que fragiliza a nossa seleção. Ao contrário de outros países, em que o talento é escasso, aqui dispomos, seja nos jogadores consagrados, seja nas novas levas, de ótimos meias, como Ronaldinho Gaúcho e a revelação Ganso, do Santos, ambos preteridos pela ‘comissão técnica’.
Prefiro não designar pelo nome essa característica que adrede empobrece o nosso conjunto. A esse propósito, a sabedoria popular brasileira nos dá exemplo que, se não resolve, pelo menos consola pelo humor.
Consoante publica O Globo, em Campo Grande apareceu outdoor cujos dizeres, se tem precípuo escopo de saúde pública, batem também em outra tecla importante:
FAÇA COMO O DUNGA – não use craque
( Fonte O Globo )
[1] Duplicata (Alemão)
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