quarta-feira, 19 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (05)

Apesar de viver sozinho, a rigor se poderia considerar como não sabendo cozinhar. Na verdade, se ele se virava com dois ou três pratos no fogão – macarrão, ovo frito e omelete – tinha de reconhecer a sua grande limitação culinária.
Sem embargo, teria de dar um jeito. A saída seria investir nas saladas, o que não era difícil. Pensa também complementar com frios ocasionais, malgrado a baixa qualidade em geral desse tipo de oferta. O importante é não cair na armadilha gordurosa das lanchonetes e no eventual recurso da cerveja e dos sanduíches. Se enganam o estômago, abrem caminho para as barrigas e, depois, a obesidade.
Afinal, a autossuficiência alimentar não lhe parece má ideia. Decerto, não pretende tornar-se um eremita. Tem de convir, porém, em que viverá melhor se cortar despesas inúteis, a exemplo do almoço na cidade. Se defenderia com sanduíche natural, deixando para a noite a refeição mais nutritiva.
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Por sorte, estava em casa quando vieram entregar o ar. Fazia um calor de bode, embora o verão, ele o tivesse arrancado da folhinha há bastante tempo... Não entendia por que o calor continuava. O outono não trazia friagem, mas sim manhãs e tardes abafadas, suarentas.
Não demorou muito em tratar de arranjar alguém que providenciasse a instalação. Depois que o eletricista saíu, deixando o aparelho ligado, ele se ajeitou com gosto na cama, a cabeça apoiada nos travesseiros empilhados. Até os pesados parágrafos iniciais da história se afiguravam mais fáceis e envolventes, como se lhe acenassem para uma nova experiência, rica em promessas e quem sabe coleantes surpresas.
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Lamentava agora que houvesse aceito licença tão curta. O braço já não o incomodava, sentia até os comichões que anunciam a vinda da cicatrização. Pensou em aproveitar um pouco mais aquela folga.
“ Dona Neide ?... É o Alberto...”
“ Que é que é, meu filho ? Algum problema ?”
“ Problema sério, não... mas acho que seria melhor dar amanhã uma passada no hospital... gostaria que o médico visse a ferida...”
“ Tou entendendo... Você deveria voltar amanhã ao trabalho...”
“ Pois é... Será que a senhora podia me descolar uma prorrogação ?”
“ Claro ! Vou falar com o subchefe do pessoal...”
“ Então a senhora me avisa ?”
“ Não esquenta, meu filho ! Afinal, é só mais um dia...”
“ Assim, dona Neide, se a senhora não chamar é que tá tudo bem ?”
“ Isso ! Se eu não ligar, quer dizer, apareça na segunda !...”
“ Obrigado, dona Neide ! E desculpe pelo mau jeito...”
“ Que é isso, meu filho, você manda... e te cuida, viu ?”
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