sexta-feira, 14 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (01)

Depois do trabalho, nem sempre corria para apanhar a condução de casa. Às vezes acompanhava o grupo até o boteco da esquina. Parecia mais ocasião de jogar conversa fora. Quando a coisa, no entanto, lhe enchia um tanto a paciência, costumava flanar pela vizinhança, à cata de livrarias.
Tinha especial predileção por sebos. Pela sua fugacidade, ele os comparava com as flores do campo. A par de uns dois tradicionais, os demais se aninhavam em lojinhas, velhos casarões e no fundo de lúgubres centros comerciais.
Nos menores, se demora mais tempo. A experiência lhe ensinara que nos negócios menos promissores, em que o fechamento semelha rondar, é que desencavara preciosos achados, edições há muito esgotadas.
Em dias de sorte, chega a separar mais de um. Ao cabo da busca, reune meia dúzia. Na verdade, apenas um único volume lhe interessa. Imita então o comprador no mercado, e afeta displicência. Quase como se embaralhasse as cartas. Tudo para não levantar suspeita acerca do próprio anseio de apossar-se daquele livro, cuja raridade conhece.
São ocasiões que só acontecem para quem procura. Além disso, nem todo dia é santo. Se o truque pode não funcionar, qualquer economia valhe o esforço.
Com os parcos recursos de que dispõe, custa acreditar que haja conseguido transformar o seu quarto-e-sala em uma biblioteca.
De móvel, só a cama patente e armário que é pouco mais de um cabideiro. Na quitinete, fogão e dois bancos ou a esperança de uma companheira. Na área, tanque, geladeira e estendedor de roupa.
Por causa da fuligem da Barata Ribeiro, mantém o janelão fechado. No inverno, dá para aguentar. Já no verão, fica difícil. Há espaço para o ar-condicionado, mas até agora resiste a encarar a prestação.
De noite, na canícula carioca, corpo banhado em suor, o ventilador só servindo para afugentar os mosquitos, Alberto dorme mal. Sabe que nessa terra ar é artigo de primeira necessidade. Até namorada perdeu pela sua falta. Sabe também que mais dia, menos dia, vai ter de se apertar e instalar a geringonça.
Naquele dia, quando afinal se mete no metrô, o calor persiste no desconforto do carro superlotado. A ventilação é pífia, a gente em torno dele reclama. Com a mudança no clima, não há mais estações, como no tempo de seu pai. Quantas vezes o ouviu dizendo que no inverno tinha de pôr suéter de cashmere, de manga comprida e col rulê, para as festinhas em Botafogo.
Ao descer na Siqueira Campos, o alívio de livrar-se do sufoco no vagão confinado não dura muito. Na rua, se a noite caíu, a calentura ainda continua. O ar úmido, pesado, não lhe promete estada prazerosa no apê. Por isso, a despeito da distância, opta por andar até a Atlântica, em busca de alguma brisa marinha.
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