quinta-feira, 27 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (11)

Ao passar o cartão pela maquineta teve até medo de que a despesa não fosse aceita. Temor idiota, pensaria mais tarde. Como se o sistema se importasse com o seu mergulho no vermelho... Devia ser resquício da própria entranhada resistência ao endividamento. Por causa de um palminho de cara, caía na trampa dos escorchantes juros do cheque especial.
Agora, na porta do restaurante, olhando para ela, com seu jeito emproado e distante, não podia deixar de perguntar-se o que lhe rendera todo o sacrifício...
“ Bem, desejo agradecer a você pelo convite... Muito obrigada.”
E, como se fizesse o gesto mais natural, estendeu-lhe a mão.
Por um átimo, ele não entendeu.
Não tardou, porém, em realizar de o que se tratava. Uma despedida formal.
Então, com terno sorriso, as suas mãos envolvem aqueles dedos esguios e elegantes.
“ De modo algum ! Como é que vou permitir que vá pra casa sozinha, a essa hora da noite !”
Surpresa pela reação, ela não se liberaria com a previsível presteza.
“ Bobagem... moro aqui perto...”
“ Posso saber aonde é ?”
Houve instante de hesitação.
“ Não quero incomodar você... Acredite, é realmente perto...”
“ Olhe... já acreditei em você. Mas uma coisa é acreditar, e outra, é não levar você até onde mora. Isso não tem nada a ver com cortesia...”
“ Tou vendo que você é teimoso mesmo...”, disse ela, com um quase sorriso. “Tá bem, tá bem... eu moro na rua Anita Garibaldi...”
“ Anita Garibaldi, no bairro do Peixoto ? A senhorita chama isso perto ?...”
“ Não é tão longe assim...”
*

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