segunda-feira, 3 de maio de 2010

O que fazer da crise na Grécia ?

A Grécia é o exemplo da crise anunciada. Desde muito, a economia grega se pautava pelos supostos milagres do crédito. Após conseguir a entrada na zona do euro – valendo-se, segundo se alvitra, de artifícios para contornar a barreira dos 3% de deficit em relação ao PIB – vários gabinetes, tanto de socialistas, quanto de conservadores, criaram verdadeira cornucópia, com distribuição de vantagens salariais e benefícios sindicais, vivendo a crédito, embalados pela irresponsabilidade fiscal.
Esse festival do ‘faz de conta’, não prevaleceu por muitos anos sem o conluio e a negligência de muitos outros atores, a quem caberia atender às próprias responsabilidades, seja de caráter ético ou funcional. No capítulo, não diferem muito quer os bancos americanos que se prestaram a auxiliar o tesouro helênico a camuflar as dívidas e, por conseguinte, o respectivo desrespeito à norma dos 3%,quanto ao deficit público, quer as autoridades da União Europeia, que fizeram vista grossa, tanto para as absurdas contribuições recebidas por Atenas de Bruxelas, quanto para deveres mais relevantes, pelo óbvio risco criado para a zona do euro por um membro irresponsável.
As causas da crise, contudo, são bastante mais profundas do que a singular improvidência do povo helênico. A começar pelos ineptos mecanismos montados em torno do Banco Central da União Europeia. Muito hesitaram os alemães em abandonar o seu prezado Deutsche Mark pela nova moeda. Fizeram-no movidos pelo desígnio de construção de uma Europa Unida.
Hoje se dão conta de quão fundada era sua dúvida. Os construtores da Europa fiscal não tiveram presente que um banco central tem de dispor de instrumentos válidos de intervenção nas economias abrangidas por sua competência, instrumentos estes que não podem deixar ao arbítrio das soberanias nacionais ? A par de montarem autoridade monetária sem poder coator sobre eventuais infratores e na impossibilidade de recorrer aos meios fiscais que são a base da atuação de tais bancos nas respectivas economias nacionais, os formuladores da união europeia houveram por bem criar uma zona do euro, sem qualquer previsão seja de suspensão, seja de exclusão, dos membros respectivos.
Dessarte, ao admitirem a inclusão em uma mesma zona, de economias tão díspares quanto a germânica e a helênica, não lhes passou acaso pela mente que os problemas tendem a surgir sempre a partir dos membros mais débeis, mas que uma vez intra muros a ameaça se torna geral ?
A inépcia dos líderes europeus é, portanto, dupla. Herdaram de seus antecessores – a zona do euro data do início deste século -, porém tardaram em agir diante do desafio colocado pela débacle da Grécia. Agiram tais países como se o problema deles não fosse, ou como se a ele estivessem imunes.
A Chanceler Angela Merkel muito contribuiu para procrastinar a solução inevitável. Em parte, as suas exigências suplementares foram instrumentais para que o gabinete Papandreou assumisse maior responsabilidade para enfrentar a crise. Por outro lado, no entanto, a solução era diferida por contingências internas eleitorais na Alemanha.
Parece que agora, ao cabo de longa travessia, afinal acordaram para a realidade. Pouco importa que os gregos sejam os principais responsáveis diretos desta tragédia. Na sua irresponsabilidade fiscal, porém, eles não atuaram sozinhos. Prova disto está no simples fato de que os bancos alemães estão entre os principais credores da República helênica. Não é razão suficiente para que a Chanceler Merkel aprove o crédito ao devedor grego, e assim os bancos teutões não se descubram detentores de ativos podres ?
Também o FMI se distinguiu pela tardança. Não estaria nas suas atribuições alertar para os perigos colocados pela situação falimentar da economia helênica ?
Agora, diante de ulteriores medidas de contenção a serem adotadas por Atenas, será enfim concedido o empréstimo de 80 bilhões de euros, pela U.E., e de trinta bilhões, pelo FMI. Se a concessão de tal crédito depende ainda da aprovação de parlamentos nacionais, é difícil supor que não seja aprovado, pela simples razão de que importa à U.E. estancar a progressão do mal grego. Há outras economias cambaleantes, como Portugal e Espanha, sem citar os demais piigs. [1]
Essa ajuda, portanto, nada tem de altruista. No saco do euro, uma fruta podre pode botar tudo a perder.

( Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] Acrônimo para Portual, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha.

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