quarta-feira, 26 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (10)

Durante todo o jantar Alberto não se cansou de puxar assunto. Nenhum deles arrancou mais de um punhado de palavras de Gardênia. Como um autêntico joão-teimoso, ele não desistia, buscando sempre um outro, na esperança de entretê-la. E no intuito de tornar menos marcado o seu mutismo, espichava os próprios comentários.
Quem a visse, logo notaria o ar enfastiado com que seguia os esforços dele em quebrar o silêncio.
Se Alberto se conformasse, ela atravessaria calada a refeição, a exemplo daqueles casais que desde muito perderam o assunto.
Ao cabo de uma série de tentativas malogradas, já principiava a considerar a possibilidade de fechar-se em copas, quando entreveio uma luz que poderia retirá-lo do poço a que a postura da sua convidada parecia condená-lo.
O fastio que Gardênia afivelara ao rosto não casava bem com o seu apetite. A moça podia enjeitar-lhe a conversa, mas não as iguarias da mesa. Tinha um jeitinho muito delicado de comer, e não deixava transparecer modos ávidos que dizer esganados na refeição. Sem embargo, com maneiras suaves e graciosas, ela ía traçando os pratos, de que no final nada mais restava, sequer mancha de molho, destramente colhida com providencial bocadinho de pão.
“ Gardênia, se você me permite, gostaria de elogiar a sua elegância na mesa.”
“ Como assim ?”
Por primeira vez, ele distingue nos seus olhos grandes o brilho do interesse.
“ Você é uma aristocrata na mesa, com seu jeito tão fino de comer. Se você não é de falar, como comensal será um prazer para qualquer pessoa estar a seu lado...”
Durante um momento, ela o encara, à maneira de quem tem dúvidas sobre a real intenção de suas palavras.
De seu lado, ele não desvia o olhar, que permanece impassível.
“ Não entendi bem o seu comentário... Não sei, chega a dar a impressão... de deboche !”
“ Minha querida, nem pense em tal disparate...”, disse Alberto, no semblante uma chispa de malícia.
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