Fala-se em excessiva normatização de parte da legislação eleitoral. Sem dúvida, a proibição de declarar-se candidato ao posto, mesmo depois da desincompatibilização (no caso dos cargos executivos) é um bom exemplo, pois estende ao máximo determinação que não é crível (nem adequada), se medida pelos parâmetros do bom senso. Eis aí um dos diversos impedimentos que deveriam ser escoimados, dada a sua manifesta irrealidade no calendário da política.
No entanto, existem outras transgressões, já previstas pela lei eleitoral, e que têm todo cabimento de serem individuadas e punidas. A esse propósito, gostaria de reportar-me a comportamento dúplice do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em matérias relevantes, que são objeto de legislação pertinente.
Assim, por um lado, em questões graves – como a da ação movida pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal, em favor de interpretação da lei de anistia de forma mais consentânea com a evolução do direito humanitário – a atitude de Lula se assinalou pela omissão. Há várias maneiras de marcar posição, mesmo dentro do respeito da competência de nossa mais alta corte. Haja visto o comportamento bem diverso de homólogos seus sul-americanos, como interpretar-lhe a ausência no que tange a tal matéria ? Será, por acaso, consequência de postura atávica, de não-questionamento de certas posições da elite dominante por força de condicionamentos culturais ?
Torna-se difícil não considerar a probabilidade dessa explicação. Com efeito, semelha natural, que personalidade com as características progressistas do Presidente Lula não pareça coadunar-se com o silêncio mantido diante de tópico que se assinala com divisor de águas entre visão moderna e pró-ativa do direito humanitário e uma outra epimeteica, que se apega a conceitos já superados, mais próprios dos porões das ditaduras do que da agorá da livre discussão política.
Entretanto, há outra faceta do Presidente Lula, em que ele se julga em condições de palmilhar espaços nos quais mais se assentaria à dignidade da respectiva missão o estrito respeito à abstenção, dentro dos deveres impostos por seu alto cargo.
Refiro-me à legislação eleitoral e às obrigações que lhe incumbem como Primeiro Magistrado da Nação. A primeira multa imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral afinal rompeu com uma postura dessa instância que poderia ser havida como timorata, dada a reiteração pelo Presidente Lula de uma conduta de aberto favorecimento e de clara propaganda eleitoral de sua pré-candidata.
Terá o Presidente apreendido a lição ? Há dois episódios recentes que colocam em dúvida a eficácia da medida anterior do TSE, como providência profilática.
A pretexto de mensagem pelo primeiro de maio, e dos benefícios que os seus mandatos trouxeram para os trabalhadores, Lula julgou oportuno desenvolver a pregação do interesse na continuidade de seu governo. Se formalmente a alocução não contém uma ilicitude frontal e formal, perpassa o discurso, e as suas túrgidas entrelinhas, um panegírico da continuação. Como Chefe da Nação os seus pronunciamentos jamais podem afastar-se do interesse geral, o que, com todo o respeito ao Partido dos Trabalhadores, não se confunde necessariamente com os desígnios e projetos desse grêmio político.
É de lamentar que o Presidente fique calado, como na questão do direito humanitário, ou até se associe na defesa dos ilícitos de parlamentares, definindo como ‘hipocrisia’a condenação desse comportamento. E, por outro lado, em comício sindical, financiado em parte por entidades públicas, afirme alto e bom som para os trabalhadores “Vocês sabem quem eu quero”, tendo a sorridente pré-candidata no mesmo palanque e a menos de um metro de distância.
Não é necessário ser adivinho, nem saber ler entranhas de aves pressagas, para antever que vão se tornando indispensáveis providências mais pontuais e quiçá mais severas para que a autoridade da lei – que valhe para todos – seja respeitada.
( Fonte: O Globo )
domingo, 2 de maio de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário