terça-feira, 18 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (04)

Na manhã seguinte, acorda moído pela noite mal passada. O braço lhe incomoda, mas não tem analgésico em casa. Apesar de suado, acha melhor não tomar banho, pois precisa arranjar antes um plástico para não molhar o curativo.
Olha o relógio. Não falta muito para o seu horário no trabalho. Prefere então sair sem fazer a barba.
No trajeto para o metrô, entra num boteco e pede média com pão aberto na chapa.
A despeito do desconforto da hora do rush, consegue um cantinho junto dos bancos. Aí se encosta, cuidando de proteger a ferida.
Só irá se lembrar do pedido do médico na hora em que marca o ponto de entrada.
*
“Que foi que aconteceu com Você ?!”
Quem deu o alarma na repartição foi o Otoniel. Pequeno, cabeça chata, novidadeiro, nada lhe escapa.
Logo se forma uma rodinha à sua volta. Alberto faz relato resumido, omitindo qualquer referência tanto à travessia noturna da praia deserta, quanto às recomendações do plantonista.
Quando os comentários já pareciam aquietar-se, dona Neide, funcionária antiga, que se mantivera calada, resolve intervir.
“ Vamos lá na seção do pessoal. Você precisa tirar uma licença.”
A princípio, Alberto reluta. Não porque fosse caxias. Acha que ali se distrairia. Já metido no apartamento...
Mas quando dona Neide se convencia de uma coisa, o consenso era deixá-la ir em frente. Por isso, arrastado pela protetora ao gabinete do subchefe, ele acabou assentindo à concessão de três dias de licença.
*
Voltando para casa, com o metrô meio vazio, decidiu que era hora de comprar o ar condicionado. Na vizinhança, havia lojas da concorrência nos eletrodomésticos. Como já sabia de o que precisava, tudo se resumia ao prazo de entrega e montante da prestação.
Ao obter promessa do fornecimento em 48 horas, resolve fechar negócio. Sem exigência de entrada, e com a primeira prestação daqui a dois meses, mergulhou de bom grado nos formulários do falso paraíso consumista que para ele se abriam.
*

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