sexta-feira, 28 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (12)

Andaram em silêncio boa parte do trajeto. Como conhecia a vizinhança, Alberto buscava sempre orientar a caminhada pelas ruas com maior movimento de pedestres.
“ Se você pegasse essa travessa, chegaríamos mais depressa...”
“ Seguro morreu de velho, não é verdade ?”, disse ele, estendendo as palmas, como quem pede compreensão.
“ Tá bem... entendi.”
Apesar de atento às sombras que os cercavam, em calçadas que lhe pareciam sempre mais ermas, Alberto sentiu certa mudança na postura. Por trás do sussurro, não mais lhe pareceu encontrar na voz a guardada distância de antes.
*
Chegados à Toneleros, Gardênia parou de chofre no meio-fio.
“ Do outro lado da rua, é a continuação da Anita. O meu prédio é o segundo depois da esquina...”
“ Podemos atravessar então...”
“ É justamente por isso que quero fazer a você um pedido...”, disse ela.
“ Acho que estou adivinhando...”
“ Se quiser, você fica olhando daqui...”
“ Se você deseja assim...”
Para sua surpresa, ela não lhe estendeu a mão. Ao invés, pespegou na sua face rápido beijinho social, a que correspondeu no mesmo jeito apressado.
Em seguida, sob as vistas atentas de Alberto, cruzou a rua. O passo estugado, avançou pela calçada da travessa mal iluminada, até alcançar a sua portaria. Demorando um pouco para que o vigia abrisse o portão, logrou entrever que o edifício seria o terceiro ou o quarto, a partir da Toneleros.
Devia estar afobada, pensou. Pois nem se virou para lhe dar um adeuzinho.
*

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