sábado, 29 de maio de 2010

A Questão Brasil - Estados Unidos

A controvérsia surgida entre Brasil e Estados Unidos, ao ensejo do chamado acordo tripartite com o Irã, recorda antigas disputas, depois da longa letargia de uma política submissa de alinhamento automático. Sacudida de início pela Operação Pan-americana de Kubitschek, e deflagrada pela política diplomática independente de Janio Quadros, essas dores de parto características da mudança de paradigma se assinalavam por questões e contestações muitas delas extemporâneas e que, de um certo modo, preparavam o terreno para o novo relacionamento.
O único problema relativo a essa troca de questionamentos é que nada tem a ver com o presente estágio das relações entre a superpotência e o Brasil, integrante dos BRICs e a maior economia da América Latina.
Causa, a esse respeito, estranhável assombro o afã da diplomacia do Presidente Lula em estreitar relações com o regime iraniano dos ayatollahs. Aqui se recebeu em visita o presidente Mahmoud Ahmadinejad, e em seguida se partiu para a retribuição em Teerã. Para tantas efusões, caberia perguntar o que tem em comum uma democracia não-nuclear (por mandamento constitucional) com a ‘democracia-adjetivada’ iraniana, fundada na fraude eleitoral e na sanguinolenta repressão do povo respectivo ?
O Presidente Lula da Silva comprou pressuroso a cediça bugiganga ideológica que lhe terá impingido seu assessor diplomático. Nessa luta contra o chamado Império vale ainda tudo, até a circunstância de ser instrumentalizado na feitura de um acordo que serve ao Irã no intento de ganhar tempo no projeto da construção do artefato nuclear.
Há fatos irretorquíveis que cercam essa negociação e firma. A pronta afirmativa do Ministro do Exterior iraniano de que, não obstante, Teerã continuará a enriquecer urânio; e a circunstância de que o Irã hoje dispõe de pelo menos o dobro dos 1200 kg, do renegado entendimento com a AIEA do ano passado.
Lula age como se interessasse a Brasília voltar à pretérita época das quizílias com Washington. O Brasil acaso deixou de pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança ? Alguns acoimam Lula de ingênuo ao tecer loas a acordo eivado de falhas como aquele futebolísticamente festejado em Teerã, junto com o turco Erdogan e o persa Ahmadinejad. Como há de parecer alguém que diz pretender a presidência do Banco Mundial (cargo em que os americanos têm cadeira cativa) ou só aceitar a Secretaria-Geral das Nações Unidos, em um novo contexto institucional ?
Quem teve a infeliz ideia – tão diversa de nossa prática diplomática – de divulgar correspondência de Obama a Lula, sem a anuência de quem a assinou ? Terá sido para fazer parecer a concordância de Washington com o acordo, quando a íntegra da correspondência inclui a frase “É de duvidar-se se o Irã está preparado para negociar em boa fé com o Brasil” ?
Se não é dificil identificar quem esteja soprando tantas asnices no ouvido presidencial, será que o Brasil deva ter uma diplomacia tão míope e tão voltada para o suposto ganho midiático imediato, sem porventura suspeitar que não é dessa maneira que se amanha o terreno para conversações e entendimentos mais firmes e duradouros? Máxime se em um briefing à imprensa, altos funcionários americanos procuram redimensionar a controvérsia com Brasil e Turquia, enfatizando os pontos comuns com os dois países ?
Ou será que – no ímpeto de jogar pedras em longínquas vidraças – se está voltando às efêmeras ilusões dos anos sessenta, em que a contestação ia de mãos dadas com a irrelevância diplomática ?

( Fonte: CNN )

2 comentários:

Mauro disse...

Concordo plenamente com a análise feita pelo autor. Mas acredito que ele deixou de considerar um elemento-chave. Por mais que o Governo mal-justifique a estratégia como parte de um papel aumentado e independente do Brasil no contexto mundial, é difícil de acreditar que Lula daria aval a um plano dessas se nada houvesse para ele. Na verdade me parece claro que Lula almeja um Nobel da Paz, e pare ele isto vale jogar fora a reputação do País, além dos avanços lentamente conquistados rumo a uma cadeira no CS.

Mauro M. de Azeredo disse...

Quanto ao ulterior motivo referido pelo comentarista Mauro, deve-se ter presente que Lula, na sua hubris guindada por 76% de aprovação, se acredita com direito a honrarias, as quais não perseguiria se tivesse maiores informações sobre a realidade diplomatica. Assim,v.g., não pleitearia a SG das Nações Unidas, com a exigência de que só aceita dentro de um quadro institucional diverso; nem ambicionaria a presidência do Banco Mundial, que sempre foi feudo dos americanos. Assim, até que o prêmio Nobel poderia estar nas suas nebulosas ambições, mas se me afigura irrelevante o motivo, porque movido pela mesma confusão de conceitos e indigência cultural aplicada.