sábado, 15 de maio de 2010

A Perseguição Judicial contra o Juiz Garzón

Este blog resumirá nas linhas a seguir a carreira do juiz Baltasar Garzón. Pelo seu trabalho de 22 anos na Audiência Nacional, Garzón surgiu nacional e, mais tarde, internacionalmente como o mais importante magistrado espanhol.
Tanto no direito penal internacional, com a sua célebre causa contra o ex-ditador Augusto Pinochet (que arrebatou aos torturadores a impunidade ), quanto em memoráveis ações contra o ETA, o narcotráfico e o franquismo, Baltasar Garzón sobressai de muito no cenário judicial espanhol. É por causa de sua coragem, honestidade e dedicação à causa da Justiça que uma liliputiana coligação ora se empenha em atingi-lo, como pessoa e como juiz.
Em verdadeira reedição da noite de longos punhais, o juiz Baltasar Garzón está sendo ora perseguido por gente que no futuro aparecerá na sua história, em notas de pé de página, como obscuros fautores de uma vingança que não ousa desvelar os próprios e reais motivos no execrável afã de abater um gigante da Justiça hispânica e internacional.
Se é cedo para asseverar que a carreira de Baltasar Garzón na Audiência Nacional findou a catorze de maio corrente, essa data será no futuro lembrada como momento sombrio na história da Justiça espanhola. Por haver sido declarado sub judice, Garzón, o juiz da democracia, foi suspenso de suas funções na Audiência pelo Plenário do Conselho Judicial.
Essa decisão processual decorre da ação acolhida pelo magistrado da Corte Suprema, Luciano Varela. Este senhor resolveu conhecer de ação movida pelo sindicato ultradireitista Manos Limpias (‘mãos limpas’) e pela filofascista Falange Espanhola. Consoante a instrução do citado magistrado, Garzón foi levado ao banco dos réus, onde será julgado pelo crime de prevaricação por investigar os crimes do franquismo, “malgrado soubesse que não poderia fazê-lo”, de acordo com os querelantes.
O juiz Garzón é julgado por haver aceito 22 denúncias apresentadas por associações e vítimas do regime franquista. Foi o primeiro a fazê-lo – por entender que não há anistia para os crimes contra a humanidade – no que diferiu dos demais tribunais e juízes, que jamais tinham aceito esse gênero de denúncia.
Dentro da própria Audiência Nacional houve dissensão contra a decisão de Garzón. A maioria dos promotores optou pela falta de competência, embora houvesse votos contrários. Não obstante, jamais ocorreu à promotoria da Audiência Nacional que o juiz Garzón estivesse incurso em delito de prevaricação.
A falta de tais antecedentes, entretanto, não constituíu obstáculo para o procedimento de Luciano Varela, que entendeu existirem múltiplos indícios do crime de prevaricação, de modo a ordenar a abertura de processo oral contra Baltasar Garzón.
Como se explica que um magistrado do Tribunal Supremo se avoque a indiciar um juiz da estatura de Garzón, com fundamento no processo de lôbregas associações simpatizantes de um dos períodos mais obnóxios da história espanhola ? O espanto aumenta ao se tomar ciência que por mais de vinte anos o Tribunal Supremo desconhecera de todas as ações movidas contra o juiz Baltasar Garzón, por reputá-las desprovidas de base legal.
À raiz da própria excelência e independência de orientação, as relações do juiz da Audiência Nacional com o Tribunal Supremo se caracterizaram por um caráter conflitivo. Assim, em determinadas ações, o Tribunal Supremo se permitiu dirigir duras reprimendas a Garzon no texto de sentenças em que reduziu as penas de delinquentes, e chegou mesmo a criticar o instrutor Garzón, como ocorreu na questão Necora, do narcotráfico.
Mais se adentre a história do juiz Garzon, na sua luta sem quartel contra a delinquência, o narcotráfico e o terrorismo, mais se encontram elementos para a cadeia de inimigos por ele colhidos.
Uma visão sumária de sua ação – baseada no levantamento do jornal El Pais – não semelha fora de propósito. Com efeito, as suas investigações contra o narcotráfico, os crimes de Estado, o terrorismo e a corrupção lhe trouxeram poderosos inimigos. Aí se incluem processos a partir do governo Felipe Gonzalez, dos traficantes de droga, da ação contra o ditador Pinochet, e do Partido Popular.
Em consequência de suas iniciativas processuais, sofreu perseguições judiciárias do PSOE (socialistas), assim como do PP. Garzón foi denunciado pelos socialistas por motivo da questão Gal, em que foram para a prisãao diversos dirigentes socialistas, por se servirem do terrorismo de estado contra o ETA.
Por sua vez, o PP moveu ação contra ele pelo caso Gürtel, caracterizado por maciça trama de corrupção vinculada a uma dúzia de administrações locais governadas pelo dito Partido Popular.
Releva observar que, apesar da circunstância de Garzón haver sido posteriormente retirado do processo Gürtel, as suas conclusões e sentenças foram ratificadas e até ampliadas na sua maior parte por promotores e juízes que retomaram a ação em Madrid e Valência.
Já no seu combate contra o ETA e respectivo entorno, abriu Garzón em 1998 um sumário de conclusões que ainda estão válidas, e que permitiram desarticular os diferentes aparelhos logístico, político, financeiro e propagandístico do bando terrorista.
Segundo refere o jornal El Pais, dirigentes governistas vêem a motivação do antagonismo entre Garzón e o Supremo em questões atinentes à pura competência profissional. Estaria nessa dissensão a explicação na estranha mudança de atitude do Supremo, que, ao invés da passada jurisprudência, resolve agora culpabilizar ao juiz da Audiência Nacional.
Dessarte, no último ano, foram conhecidas pelo Tribunal três denúncias apresentadas contra Garzón: a concernente à investigação dos crimes do franquismo; o patrocínio bancário de um curso realizado em New York; e por escutas judiciais determinadas contra advogados da causa Gürtel, no cárcere. Em marcado contraste com a precedente não-aceitação de processos contra ele, as três causas em tela foram conhecidas pelo Tribunal Supremo, e ora se acham em fase de instrução.
A suspensão de Garzón, réu sub judice.

Tão logo inteirado da decisão do plenário do Conselho Geral, Garzón abandonou a sede da Audiência Nacional, sob aplausos do públicos, gritos de encorajamento, lágrimas e abraços de juízes, promotores, funcionários judiciais e outros trabalhadores.
Baltasar Garzón pretende trabalhar nos próximos sete meses como assessor da Corte Penal Internacional, e, nesse sentido, espera para tanto receber autorização do Conselho Geral do Poder Judiciário para trasladar-se em comissão para a Haia. No clima que cerca o juiz Garzón, dada a orientação adversa do procedimento em curso, qualquer previsão quanto à decisão dessa instância se afigura prematura.
Por fim, o que não constitui de resto surpresa, o Partido Popular não oculta a própria satisfação com a saída do juiz Baltasar Garzón da Audiência Nacional.

( Fonte: El Pais )

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