quinta-feira, 20 de maio de 2010

CIDADE NUA III

Doce Ilusão (06)

Levando o celular, tomou o ônibus para a Barra. Sem saber ao certo o que fazer, pensa matar o tempo andando pelas galerias do shopping. Como nenhuma das datas da civilização ocidental – páscoa, dia das mães, natal - está por perto, conta caminhar sem atropelo de gentes nem indefectível zoada de fundos musicais.
Sorrindo lembrou-se de uma tia que o tachara de comodista. Segundo ela, não via interesse em mudar de programa. Teria mesmo preguiça em explorar cousas novas, preferindo sempre as certezas de ambientes já conhecidos ?
Deu de ombros. A velha parenta apenas sobrevivia na sua memória graças àquela crítica.
Se depois lhe perguntassem, não saberia explicar por que entrara na loja acanhada.
Além dele, não havia nenhum outro freguês.
Fingindo examinar um mostruário de blusas, vê acercar-se a solitária atendente.
A princípio, não levanta a vista. Trouxera o cartão quase por descuido, eis que, com a compra do ar, a conta já beira o vermelho.
“ Que tal experimentar uma delas, talvez a azul ?”
Alberto não gosta de vendedoras do tipo invasivo.
Assim, de chofre, alça o rosto, querendo encará-la.
Diante dele, dois olhos grandes o contemplam.
A visão o perturba. A ponto de perder-se no seu brilho ambíguo, que esconde, quem sabe, marcas de um sorriso.
“Acho que esta lhe cai muito bem.”
Maquinalmente ele a leva para o vestiário.
Mal se vê no espelho.
“Parece que foi cortada sob medida. Fica com ela, não é ?”
Ininteligível, a resposta. Entrementes, a sua atenção a abraça por inteiro.
“ Posso lhe fazer cinco vezes no cartão...”
Como um autômato, ele assente.
Tem vaga noção da loucura que está cometendo.
Enquanto a moça capricha no embrulho, o comprador se deleita no corpo esguio, na pela morena e na discreta tatuagem que se entrevê sobre a anca direita.
“ A que horas o seu turno termina ?”
Por um átimo, passa pelo rosto a sombra de uma interrogação.
“Às seis.”
*
Como para um colegial a esperar pela namoradinha, o tempo do reencontro se dividiu em instantes de euforia e longos quartos de hora de dúvida.
Afinal, o que significava a pronta indicação de quando ela deixaria o trabalho ? Queria acreditar no bom presságio, mas que segurança trazia de outras promessas ?
Mais pensasse no programa, nele crescia uma certeza. O importante era não antecipar nada. Lidar com cada momento, sem querer deles presumir ocultos significados. Sobretudo, evitar que qualquer ansiedade transpirasse.
Caso contrário, poria tudo a perder...
*

Nenhum comentário: